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Depois da Segunda Guerra Mundial, o Estado passou a garantir vários direitos trabalhistas e previdenciários. Nesta época, ganharam ênfase os impostos pessoais progressivos sobre a renda, heranças e propriedades.[1]
Todavia, a partir de 1973, com a crise do petróleo, o Estado social perdeu força, especialmente com o advento dos governos conservadores de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.[2]
O governo Reagan defendia que a progressividade do sistema tributário penalizava os empreendedores. Por isto, ele fez baixar a alíquota do IRPF de 70% para 28% nos Estados Unidos.[3]
Os países em desenvolvimento também seguiram esta fórmula, diminuindo as alíquotas do IRPF e concedendo inúmeros benefícios às rendas do capital. O Brasil foi além e assegurou isenção total do IRPF sobre lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas.[4]
A referida isenção foi introduzida em 1995 pelo artigo 10 da Lei 9.249. Desde então, a tributação da renda é toda concentrada na empresa, recaindo apenas sobre o lucro da pessoa jurídica, com uma alíquota nominal de 34%. Ao contrário do Brasil, a maioria dos países pratica uma tributação dupla: no lucro da empresa e também no dividendo distribuído ao sócio.
A partir de dados divulgados pela Receita Federal, constatou-se que os mais ricos recebem valores muito expressivos a título de distribuição de lucros e dividendos, os quais, como supradito, são isentos. Conclui-se, portanto, que referido benefício fiscal contraria a universalidade, generalidade, progressividade e pessoalidade da tributação da renda.
Sendo assim, após quase trinta anos de vigência desta norma, é possível afirmar que ela não é justa e nem eficaz, por ser altamente regressiva, merecendo revisão.[5]
A Lei 9.249 de 1995 teve a intenção de incentivar os investimentos, baseando-se na teoria do “trickle down economics”. Segundo esta teoria, ao isentar os ricos, eles investem, gerando empregos para todos.[6]
Todavia, o cenário contemporâneo é diverso, verificando-se agora um discurso pela busca de justiça fiscal. Neste contexto, entende-se que os mais ricos devem pagar mais imposto, no mínimo no mesmo nível da classe média. Pensa-se, por exemplo, em reduzir o IRPJ de 34% para 20% e, simultaneamente, revogar a isenção do artigo 10 da lei 9.249, taxando os dividendos nos sócios em mais 15% ou 20%. Neste sentido, há, por exemplo, o projeto de lei 2.337 de 2021.
Sempre houve um grande debate sobre a interferência do Estado na economia, alguns defendendo maior intervenção do governo e outros acreditando apenas nas relações privadas.[7]
Não há dúvidas de que a economia influencia o Direito e vice-versa. Arthur Prado lembra, entretanto, que a economia não é uma ciência exata, embora alguns economistas tentem se equiparar a físicos.[8]
Os libertaristas costumam associar o tributo a uma pena, ou castigo. Eles abominam qualquer limitação aos direitos de propriedade. Mas o fato é que não existe liberdade absoluta em qualquer sociedade bem organizada.[9]
Inquestionavelmente, em uma democracia liberal, a sociedade é a responsável pela produção e distribuição dos bens e serviços, não sendo o imposto o fim do Estado, mas apenas o meio para ele alcançar seus objetivos. Neste sentido, o imposto é o menor preço pago para se viver em sociedade, sendo condição de cidadania.[10]
O Direito tributário, por óbvio, não é a única solução para os males sociais, contudo pode ajudar na tarefa de reduzir as iniquidades.[11]
A riqueza extrema é uma externalidade negativa suportada por toda sociedade. É como se fosse uma poluição ambiental que deve ser atenuada.[12]
O artigo 145, parágrafo 1º da Constituição de 1988 trata do princípio da capacidade contributiva, significando que aqueles que tiverem a mesma capacidade econômica, devem suportar o mesmo ônus tributário.[13]
Todavia, por ora, no Brasil, princípios como igualdade, capacidade contributiva e progressividade são pouco utilizados. Isto precisa mudar, pois não é possível pensar o sistema tributário do século 21 com as ideias dos anos de 1980 e 1990.
Com base em toda esta argumentação, é possível afirmar que a existência de grandes rendas e patrimônios não atingidos pela tributação fere a igualdade e não é eficiente.[14]
Atualmente, dos 38 países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento), apenas a Estônia adota a mesma sistemática brasileira. A Grécia, por exemplo, aboliu a isenção em 2009, possuindo um imposto de 29% sobre o lucro das empresas e mais 10% sobre os valores distribuídos às pessoas físicas.[15]
É razoável pensar em uma combinação dos projetos de lei que estão no Congresso Nacional, de forma que haveria uma revogação da isenção do artigo 10 da lei 9.249/95, passando-se a tributar lucros e dividendos nos sócios.
No contexto mundial contemporâneo, em que há elevada concorrência entre os países para atração de capitais, parece recomendável transferir parte da tributação para bases menos móveis, isto é, as pessoas físicas, que sejam sócios e acionistas.
Assim, o melhor seria seguir o padrão mundial, com diminuição do IRPJ de 34% para algo em torno de 20% e cobrança de IRPF na distribuição de dividendos aos sócios em torno de 15% a 20%. Na maioria dos países a cobrança é feita nesta proporção.
[1] CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2014. Edição do Kindle. posição 3018 e 3042.
[2] CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2014. Edição do Kindle. posição 2044, 3070 e 3092.
[3] OLIVEIRA, Antonio Furtado de. A progressividade do imposto de renda – um instrumento de redistribuição de rendas e redução das desigualdades sociais. São Paulo: Editora Dialética, 2020. Edição do Kindle. Posição 2511.
[4] OLIVEIRA, Antonio Furtado de. A progressividade do imposto de renda – um instrumento de redistribuição de rendas e redução das desigualdades sociais. São Paulo: Editora Dialética, 2020. Edição do Kindle. Posição 2515.
[5] GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio.Tributação e desigualdade de renda no Brasil: uma análise a partir do DIRPF. In: AFONSO, José Roberto (Org. et al.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017, p.160.
[6] GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio.Tributação e desigualdade de renda no Brasil: uma análise a partir do DIRPF. In: AFONSO, José Roberto (Org. et al.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017, p.160.
[7] COUTINHO, Diogo Rosenthal. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, Edição do Kindle. Posição 214.
[8] PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle. p. 221, 222 e 408.
[9] PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle. p. 46 e 270.
[10] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. O dever fundamental de pagar tributos na Constituição de 1988. In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (Org. et al.). O dever fundamental de pagar impostos – o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2022, p.152.
[11] SCHITTINI, Pedro. A isenção tributária e a tutela dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 9.
[12] PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle. p. 211.
[13] BOTELHO, Cristiane Miranda. O princípio da capacidade econômica no imposto de renda das pessoas físicas – tributação dos lucros e dividendos e transferências fiscais. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2020. p. 153.
[14] PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle. p. 281.
[15] GOBETTI, Sérgio Wulff. Novas tendências para uma boa reforma da tributação da renda. In: PIRES, Manoel (Org. et al.). Progressividade tributária e crescimento econômico. Rio de Janeiro: FGV IBRE, 2022, p. 35.
AFONSO, José Roberto (Org. et al.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017.
BOTELHO, Cristiane Miranda. O princípio da capacidade econômica no imposto de renda das pessoas físicas – tributação dos lucros e dividendos e transferências fiscais. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2020.
CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2014. Edição do Kindle.
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, Edição do Kindle.
GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (Org. et al.). O dever fundamental de pagar impostos – o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2022.
OLIVEIRA, Antonio Furtado de. A progressividade do imposto de renda – um instrumento de redistribuição de rendas e redução das desigualdades sociais. São Paulo: Editora Dialética, 2020. Edição do Kindle.
PIRES, Manoel (Org. et al.). Progressividade tributária e crescimento econômico. Rio de Janeiro: FGV IBRE, 2022.
PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle.
SCHITTINI, Pedro. A isenção tributária e a tutela dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
STIGLITZ, Joseph. The Great Divide. Penguin Books Ltd. Edição do Kindle. 2015.