No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Lei Ferrari e o futuro da regulamentação do mercado automobilístico

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Ao final do ano judiciário de 2023, a PGR ajuizou a ADPF 1106, distribuída à relatoria do ministro Edson Fachin, com o objetivo de questionar a conformidade constitucional de diversos dispositivos da Lei 6.729/1979, a chamada Lei Ferrari.

A Lei Ferrari entrou em vigor ao final da década de 1970 e tem como objetivo regulamentar as relações comerciais entre as montadoras de veículos automotivos e suas respectivas distribuidoras, ou seja, as concessionárias. De acordo com o contexto histórico narrado na inicial, a lei teria sido editada com o objetivo de atender a uma “política governamental de assistência à indústria”, de modo a “garantir o desenvolvimento ‘equilibrado e harmonioso’ do setor”.

A petição inicial da ADPF destaca ainda que essa regulamentação, quando editada, tinha como objetivo principal proteger os revendedores, concessionários, em face do poder econômico detido pelas montadoras naquele momento vivido pelo país. Assim, a Lei Ferrari teria concebido uma “espécie de contrato-tipo”, definindo condições negociais específicas que deveriam ser atendidas na parceria contratual entre montadora e concessionárias, por exemplo, a delimitação da área geográfica para comercialização de veículos de determinada marca; o uso gratuito da marca do produtor; e o prazo de vigência do contrato de concessão comercial.

Por conta disso, conclui-se, na inicial, que a Lei Ferrari e todo o seu desenho foi concebido em um momento de forte dirigismo estatal, que não seria mais compatível com redemocratização do país e os valores acolhidos e positivados pela Constituição de 1988. Nesse sentido, “o então modelo dirigente e intervencionista foi substituído pelo regime de livre mercado, pautado pela livre-iniciativa e pela livre-concorrência, a partir de previsão constitucional expressa”.

A esse propósito, aliás, a PGR junta aos autos a Nota Técnica DEE 28/2022, preparada pelo Cade, que realizou uma avaliação dos efeitos concorrenciais gerados pela Lei Ferrari, e que conclui que restrições verticais previstas na lei podem ter efeitos concorrenciais e econômicos positivos e negativos, que devem ser avaliados no caso a caso, mas que, a despeito disso, o setor está excluído da avaliação de determinadas condutas pela autoridade antitruste, de modo que tal “imunidade” seria incompatível com a ordem constitucional atualmente vigente.

Com base nesse contexto, e com base na ordem econômica constitucional em vigor, que prevê os preceitos da livre-iniciativa (arts. 173, §4º; 1º, IV; e art. 170), da liberdade de contratar (art. 5º, II), da livre concorrência (art. 170, IV), da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII; e art. 170, V), e possui ainda o comando de repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, §4º), é que a ADPF contesta a compatibilidade constitucional de diversos dispositivos da Lei Ferrari.

Em outras palavras, a ADPF entende que no contexto regulatório atual, regido pelos preceitos constitucionais indicados, não comportaria mais a existência de dispositivos legais elaborados em um momento prévio à edição da Constituição de 1988, em que ainda era permitido ao Estado intervir na economia, sem que houvesse uma evidente ineficiência mercadológica.

Em resumo, a ADPF trata da não recepção, pela Constituição Federal, das seguintes disposições da lei: (i) a vedação da comercialização de veículos fabricados ou produzidos por outro produtor (art. 3º, § 1º, “b”); (ii) a restrição territorial de comercialização pelas concessionárias e a “cláusula de raio” determinando a distância mínima entre os estabelecimentos comerciais, (iii) o sistema de cotas de comercialização e estoque de veículos automotores (art. 7º), (iv) a fixação de “índice de fidelidade” para aquisição de percentual mínimo dos componentes dos veículos diretamente da montadora (art. 8º), além da exigência de quotas de veículos (art. 9º) e da obrigatoriedade de manutenção de estoque pelas concessionárias (art. 10), (v) a vedação de comercialização pelas concessionárias para fins de revenda (art. 12) e pelas montadoras diretamente para os consumidores finais (art. 15), (vi) a prerrogativa de montadoras cobrarem uniformidade dos preços e de condições de venda pelos concessionários (art. 13), (vii) a possibilidade de convenções coletivas entre montadoras e/ou entre concessionárias para o regramento suplementar das disposições normativas da Lei Ferrari (arts. 17 a 19), (viii) o estabelecimento de prazos mínimos para duração dos contratos de concessão (art. 21 e 27) e (ix) a nulidade de cláusulas contratuais contrárias à Lei Ferrari (art. 30).

Diante das disposições da Lei Ferrari contestadas, é possível compreender, desde logo, que a manifestação do STF a respeito do tema pode vir a impactar de maneira significativa o mercado e a regulamentação hoje vigentes das relações entre montadoras e concessionárias, que têm funcionado de acordo com tais disposições desde a década de 1980.

O tema é sensível e envolve segmento relevante para a economia brasileira. Será de grande interesse ao debate jurídico e essencialmente oportuno ouvir as ponderações a serem feitas pelas entidades e associações relacionadas ao mercado automobilístico, preferencialmente com visibilidade em espectro ampliado para as especificidades inerentes a veículos comerciais pesados e leves, automóveis, tratores e motocicletas, antes que a causa esteja efetivamente madura para julgamento pelo STF.

Com evidente e razoável preocupação ao cenário de insegurança jurídica para o setor automotivo, no último dia 23 de fevereiro, a Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de forma precursora e abrindo caminho para que outras entidades sigam na mesma esteira, requereu o seu ingresso na ADPF, na qualidade de amicus curiae, pedido sobre o qual o STF ainda não se pronunciou

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