Desenvolvimento da IA no Brasil: uma agenda que una o local, o G20 e o globo

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Neste mês, o Brasil realiza a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será o marco para o lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). A ocasião converge com um momento em que o Brasil vem defendendo uma governança internacional e intergovernamental global para a inteligência artificial, nos foros internacionais.

Capitaneando o G20, a inteligência artificial (IA) tem lugar de destaque na declaração final a ser assinada pelos chefes de Estado dos países-membros do G20 e, em particular, no Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20 (G20 DEWG, no original).

A atenção dada ao tema decorre de diferentes fatores, o que inclui sua potencialidade para aumentar a produtividade de trabalhadores e reduzir impactos ambientais de outras indústrias. Por outro lado, seus impactos negativos, particularmente intensos no Sul Global, já são sentidos: o desenvolvimento e uso da IA tem acelerado processos de precarização do trabalho; tem levado a uma automatização de discriminações sociais como o racismo; e tem causado degradação ambiental por seu alto consumo de água, energia e minério.

Casos exemplares são os de brasileiros presos ilegalmente pelo racismo algorítmico[1] incutido em sistemas de reconhecimento facial, ou da violência sofrida pelos Yanomami pela extração ilegal de ouro e cassiterita por garimpeiros. Esses minérios seguem um ciclo que termina nas  empresas que lideram o desenvolvimento da IA.

O volume de investimento nesse setor também deve ser levado em consideração. Estima-se que ele chegue a US$ 189,16 bilhões em 2023. Os EUA receberam US$ 67,2 bilhões em investimento privado, cifra mais de 8 vezes maior do que ocorreu na China (US$ 7,8 bilhões), que ocupa a segunda posição. Em terceiro lugar, o Reino Unido recebeu US$ 3,8 bilhões.

O relatório cobre apenas os 15 países que mais receberam investimento privado no mercado de IA. O Brasil, apesar de ser apontado como o país que mais investe em IA na América Latina, não está incluso, e, para além da China, o único país dos Brics que figura no ranking é a Índia.

Agenda internacional da IA: o papel do Brasil no G20 e na ONU

No plano internacional, o governo brasileiro tem feito declarações que reforçam seu interesse no desenvolvimento interno de capacidades de IA e na cooperação internacional. Exemplo foi a fala do presidente Lula durante encontro do G7 em junho, em que defendeu uma governança internacional e intergovernamental global para a IA que leve em consideração as desigualdades entre países do Norte e Sul globais.

O interesse pela IA também se espelha na prioridade dada pelo governo ao tema de IA no G20, e que é liderado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) dentro do DEWG. O grupo tem focado principalmente no aprimoramento de capacidades para desenvolver sistemas, em especial para a redução de assimetrias em termos de capacidades e infraestruturas entre os países-membros.

Isso se aplica tanto à capacitação de profissionais quanto ao desenvolvimento de infraestruturas adequadas, além de estimular a criação de sistemas que reflitam as particularidades dos territórios dos diferentes países em termos dos dados utilizados e dos objetivos que lhes são atribuídos – o que inclui o uso de línguas locais e o endereçamento de vieses discriminatórios.

Os objetivos do G20 DEWG estão alinhados com a Resolução A/RES/78/311, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas no início de julho, voltada a aprimorar a cooperação internacional para o desenvolvimento de capacidades de inteligência artificial.

O documento, que parte de uma compreensão das desigualdades entre países no desenvolvimento e usufruto dessas tecnologias, pretende intensificar a cooperação entre países voltada a promover conectividade significativa, acesso a infraestrutura, capacitação de profissionais, bem como garantir diversidade linguística e cultural no treinamento desses sistemas e combater vieses.

A resolução chama atenção para remover barreiras a comunidades locais, incluindo indígenas, de terem agência sobre o desenvolvimento desses sistemas. Ademais, ela incentiva que essas cooperações sejam realizadas em formatos multissetoriais que incluam, para além dos setores público e econômico, também sociedade civil e academia. O incentivo ao uso de tecnologias de código aberto pode ser um aliado nisso, por permitir um acesso mais amplo a ferramentas e conhecimentos de IA.

O compromisso de países com mais capacidade em IA, como EUA, China e Reino Unido, em apoiar essas iniciativas tem papel importante para assegurar que os benefícios da IA sejam distribuídos de maneira equitativa e inclusiva. No entanto, isso só pode ocorrer desde que seja garantida a autonomia dos países que recebem apoio, em vez de apenas refletir as prioridades dos países apoiadores, sob o risco de o estado atual de dependência tecnológica se aprofundar ainda mais.

Alianças entre países do Sul Global podem ser chave para isso, inclusive para valorização das matérias primas que fornecem para o desenvolvimento dessa indústria

Desenvolvendo capacidades para a IA e as políticas internas brasileiras

Para desenvolver capacidades em inteligência artificial, principalmente nos países do Sul Global, é crucial investir em infraestrutura de alta qualidade. Para tal, tanto infraestrutura física, como data centers que garantam mais soberania ou computadores mais potentes para treinar modelos complexos de IA, outro foco de atenção deve ser a infraestrutura digital pública (IDP), que é um dos focos do G20 DEWG.

IDP é uma combinação de padrões de tecnologia aberta em rede que facilita a governança e impulsiona a transformação digital e a prestação de serviços públicos em alta escala e, espera-se, com maior qualidade. Nesse contexto, a governança de dados é crucial para garantir que essas infraestruturas sejam seguras e confiáveis, assegurando a privacidade e a proteção dos dados pessoais, essenciais para a proteção de direitos na rede e o desenvolvimento inclusivo e sustentável na era digital.

Além disso, a educação e a capacitação são pilares essenciais para o desenvolvimento sustentável em IA. A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) sublinha a importância de criar programas educacionais focados em IA, que incluam desde a formação básica até a especialização avançada.

Neste sentido, iniciativas como a complementação à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com objetivos de aprendizagem relacionados às ciências da computação, incluindo a segurança e proteção de dados, são muito bem-vindas e se tornam essenciais para a formação de cidadãos digitais.

Outro movimento positivo foi a inclusão, no PL 2338/2023, sobre a regulação da IA, de seção específica de obrigação às três esferas da Administração Pública de implementar programas de formação, capacitação e educação em IA.

Adiante: como pode ser um futuro para IA no Brasil e no mundo?

Assumir a presidência do G20 é uma oportunidade para o Brasil assumir protagonismo no Sul Global para promoção de uma agenda de emancipação interna no setor de IA. Além disso, permite que o país possa articular internamente a miríade de interesses e políticas a respeito de qual o direcionamento mais adequado para essa tecnologia.

A agenda global de IA deve se pautar na promoção de sistemas que ajudem a fazer análises para a proteção do meio ambiente, ao mesmo tempo em que sejam eles próprios mais sustentáveis. Além disso, a visão deve focar na busca por soluções voltadas a reduzir desigualdades — o que inclui o investimento em tecnologias que não automatizem seu aprofundamento, como no caso do uso de tecnologias de reconhecimento facial para segurança pública.

Só assim será possível alcançar as prioridades trazidas pelo Brasil no G20, de construção de um mundo justo e um planeta sustentável.

[1] Silva, Tarcízio. Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2022.

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