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O advento recente de uma nova e disruptiva tecnologia, a inteligência artificial, que demanda recursos escassos como água para resfriar equipamentos e a mineração de matérias-primas para a indústria de chips, vem ampliando ainda mais o clamor por medidas que ampliem de vez o uso da chamada energia limpa. Em outras palavras, pela transição energética.
Este cenário é positivo para o Brasil. O país é uma superpotência energética: 9º maior produtor de petróleo, 4º maior mercado consumidor de combustíveis automotivos, 2º principal produtor de biocombustíveis e 6º maior gerador de energia elétrica. Para completar, tem uma participação dos renováveis, dentro da matriz energética, muito superior à média mundial.
Ao mesmo tempo, o país precisa ampliar o consumo de energia para atender às ainda gigantescas necessidades socioeconômicas. Hoje este consumo é de 17 MWh per capita, abaixo de economias menores, como México (19 MWh per capita) e Portugal (26 MWh).
A questão está em como chegar a este crescimento na demanda por energia de forma acessível, segura e limpa, em um contexto de restrição de emissões de gases de efeito estufa, tanto no Brasil, quanto no resto do mundo.
A verdade é que o Brasil já se apresenta como um grande hub de energia limpa no planeta. Estamos muito à frente do mundo, e o custo para a transição energética provavelmente será menor por aqui. Quase 50% da oferta interna de energia do país provém de fontes renováveis. Para se ter uma ideia, a nível global esse percentual é de apenas 14%.
Somos o segundo no mundo em geração hidrelétrica, temos uma posição invejável em bioenergia – primeiros produtores de etanol de cana de açúcar, terceiro de biodiesel e com elevado potencial para produção de biogás e biometano – e somos o sétimo do ranking em geração de energia eólica.
No caso de biocombustíveis, por exemplo, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol, atrás apenas dos Estados Unidos, mas sendo o maior quando se considera apenas a cana de açúcar como fonte. Ano passado produziu cerca de 33 bilhões de litros, volume que poderá alcançar 47 bilhões de litros já em 2032. Temos a posição de terceiro maior produtor mundial de biodiesel (9 bilhões de litros por ano), atrás de Estados Unidos e Indonésia. São mais de 60 plantas em operação, que usam principalmente óleo de soja como matéria-prima.
Ainda há perspectivas da entrada de novos biocombustíveis na matriz energética brasileira por conta de um programa aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 20 de abril de 2021, o “Combustível do Futuro”. O projeto já foi debatido e aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados e atualmente encontra-se no Senado para votação. Entre as principais iniciativas contempladas estão o estabelecimento do Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV).
Os combustíveis sustentáveis de aviação (ou Sustainable Aviation Fuel – SAF) são uma das grandes oportunidades do Brasil quando se fala em transição energética. Hoje está em andamento um programa da Organização da Aviação Civil Internacional, o CORSIA (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), para a redução e compensação de emissões de CO2 provenientes de voos internacionais. O acordo foi assinado por 127 países, entre eles o Brasil, e o SAF é visto como a principal alternativa para reduzir as emissões do setor de aviação. O Brasil reúne todas as condições de ser um dos líderes mundiais na produção e exportação de combustíveis sustentáveis de aviação.
De imensa relevância também é o potencial do país na produção de gás natural, o energético da transição, considerado a última fronteira entre os combustíveis fósseis e os renováveis. Cabe ressaltar que o Brasil importa gás natural, principalmente da Bolívia (pelo GASBOL) e através dos Terminais de Regaseificação de GNL existentes no país. Foram quase 9 bilhões de m3 de gás natural importados em 2022. Esta dependência, entre outros fatores, ocorre por conta da expressiva reinjeção de gás natural, que passou de 19% da produção bruta em 2010 para 58% este ano – graças à fatores econômicos e à restrita infraestrutura de escoamento para o nosso gás.
Há uma forte demanda de gás natural no Brasil por conta, principalmente, da geração de energia termelétrica, mas na prática o consumo total de gás natural no país nos relega à modesta posição de apenas o 29º mercado mundial deste energético.
Mas há grandes oportunidades para o gás natural, que podemos considerar em quatro grandes iniciativas: maior monetização das reservas do pré sal, com a redução dos índices de reinjeção; utilização na indústria em substituição ao diesel e ao óleo combustível; flexibilidade e menor pegada de carbono no setor elétrico brasileiro; e interiorização do fornecimento de gás natural pelo modal rodoviário, seja através do gás natural comprimido (GNC) ou gás natural liquefeito (GNL).
Quanto à infraestrutura de escoamento de gás natural, teremos ainda em 2024 a conclusão da Rota 3, com capacidade de 18 milhões de m3/dia, ligando os Campos do Pré-Sal ao município de Itaboraí (RJ), bem como a possibilidade de novos gasodutos, como são os casos da Rota 4B, com destino a Itaguaí; a Rota 5B, com destino a Macaé (RJ) e a Rota 6B para São João da Barra (RJ).
Com isto aumentaríamos a oferta deste importante energético para a transição energética, a última fronteira entre os combustíveis fósseis e os renováveis. Mas, ainda necessitaríamos de funding para financiar esta transição – e aí entra o petróleo.
A produção nacional vai aumentar 60% até 2032, chegando a 5,3 milhões de barris/dia. Com isto o Brasil irá de nono para quarto maior produtor mundial, superando o Canadá e ficando abaixo apenas de Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.
Considerando apenas o estado do Rio de Janeiro e seus municípios, a receita com royalties e participações especiais aumentaria 50% até 2030, chegando a respeitáveis R$ 66 bilhões ao ano, partindo da premissa de um preço por barril (Brent) a US$ 80.
O Brasil não pode desprezar suas reservas de petróleo. Países como Estados Unidos e Noruega viabilizaram o aumento do consumo de energia per capita, e o impulso do desenvolvimento socioeconômico, com a produção e o uso de hidrocarbonetos. Já temos uma matriz energética três vezes mais renovável que a média do resto do mundo.
Portanto, o mais importante é o debate sobre o uso dos recursos provenientes do petróleo. Sobre como os royalties e participações especiais podem ser o funding para políticas públicas que preparem estados e municípios produtores para um futuro em que o petróleo não estará mais entre as principais fontes de recurso.
Em resumo, o Brasil é uma superpotência energética, rico em recursos naturais, com uma matriz energética, elétrica e de transportes entre as mais renováveis do mundo, permitindo uma ampla gama de alternativas para sua estratégia de transição energética.
O país pode ser protagonista global em biocombustíveis, indústria essa que desempenha um importante papel na trajetória de descarbonização. Contamos ainda com uma indústria de petróleo e gás natural competitiva e com produção crescente, que exigirá grandes investimentos nas próximas décadas. O cenário mundial representa uma importante oportunidade, mas são necessárias iniciativas para garantir uma transição tanto energética quanto econômica.