Piora na inflação é causada por cenário externo e expansão fiscal, diz Paulo Gala

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O agravamento da inflação no Brasil, tanto de expectativas quanto de inflação corrente, é causado majoritariamente por fatores externos, segundo a avaliação do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala. Ele atribui um peso de 75% à fatores como a postergação do corte de juros nos Estados Unidos e ao movimento das moedas emergentes.

Os 25% restantes se devem a fatores internos, principalmente à incerteza fiscal, pela suspeita de não cumprimento do arcabouço, mas também às dúvidas sobre os rumos do BC a partir do ano que vem. Para Gala, a regra em si [do arcabouço] é bem desenhada, embora tenha como efeito estimular o aumento de receita e não o corte de despesa. Na sua visão, o problema com uma política fiscal mais expansionista, em um contexto de economia aquecida como o atual, é que tem mais impacto na inflação.

O economista se mostrou preocupado com a atual dinâmica do gasto público pelo governo. “Bolsa Família está em R$ 170 bilhões, BPC em R$ 100 bilhões, seguro-desemprego em quase R$ 50 bilhões, e previdência em breve em R$ 1 trilhão. Quando a gente soma, é uma conta gigantesca. Na verdade, não é gasto público. Esse termo é errado. É transferência pública”, segundo ele.

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“Eu preferia ver muito mais o governo gastando R$ 100 bilhões em investimento público, que aumenta a capacidade futura e a competitividade e estimula a inovação, do que gastando com transferências indexadas em renda real acima da inflação”, completou.

Segundo Gala, os próximos passos da política monetária dependem fortemente de variáveis que estão fora do controle do Banco Central: a condução da política monetária no exterior, especialmente nos Estados Unidos, e a gestão fiscal. Nesse ambiente, ele destaca preferir uma política fiscal mais contracionista, que permita uma política monetária mais expansionista, com corte de juros.

A entrevista é a terceira da série “cenário macroeconômico” e abordou também a sucessão no Banco Central, taxa de juros e crescimento econômico. Confira os principais pontos:

Piora da inflação e cenário externo

O grande tema no Brasil é o quanto dessa deterioração da inflação, tanto da corrente quanto das expectativas, se deve a fatores internos, especialmente arcabouço fiscal e aumento da despesa, e o quanto que se deve ao cenário externo — postergação do corte de juros nos EUA e ao que está acontecendo com todas as moedas emergentes.

Na minha visão, o peso maior do agravamento da inflação no Brasil, tanto de expectativas quanto da inflação corrente, tem a ver com o cenário externo. Em porcentagens, diria 75% cenário externo e 25% cenário interno. O que está acontecendo lá fora é uma causa muito mais forte da deterioração que a gente viu aqui, tanto de expectativas de inflação quanto de inflação corrente, do que quando comparado, por exemplo, à incerteza fiscal.

Se a gente pegar os últimos quinze dias, o [presidente] Lula não falou absolutamente nada e o câmbio foi para R$ 5,68 do mesmo jeito [a entrevista foi feita em 31/07]. Se a gente olhar as moedas emergentes, é verdade que a moeda brasileira é a pior do ano, com 14% de desvalorização. Mas ela é a pior no momento em que a média de desvalorização é alta, com 8%, 9% de todas as moedas emergentes. Então, se a gente tivesse um cenário de 14% de desvalorização da moeda brasileira contra 0% das emergentes, ou contra 2% ou 3% das emergentes, isso seria, para mim, uma evidência clara que o problema seria o Brasil.

Arcabouço fiscal

Tem algo pior no Brasil [em comparação com as outras moedas emergentes] que, para mim, é a suspeita de não cumprimento do arcabouço. Ele determina que a despesa cresça a 70% da receita e, neste ano, a gente tem crescimento de 10% da receita e 10% da despesa. Portanto, até agora, o arcabouço não está sendo cumprido.

Ele [o arcabouço] está muito bem desenhado, a ideia de despesas crescendo a 70% da receita foi uma sacada interessante, a questão é cumpri-la. É diferente do teto de gastos, que tinha crescimento real zero das despesas. E isso é diferente de uma política fiscal ultraexpansionista. O problema com uma política fiscal ultraexpansionista, que a despesa cresce 10%, 15%, 20% ao ano, é que o efeito na inflação vai ser muito direto. Nós estamos falando de fazer uma conta grosseira de uma despesa pública de R$ 2 trilhões, 10% de crescimento de despesas [significa] R$ 200 bilhões de injeção de demanda na veia que o governo está fazendo.

O arcabouço traz um incentivo para você arrecadar mais. Não acho que ele traz um incentivo para você subestimar o crescimento das despesas. Até porque isso é muito rápido, você subestima e a despesa vem. O problema maior do arcabouço é que ele estimula o aumento de receita e não o corte de despesa.

Até o fim de 2026, eu acho que o governo vai cumprir o arcabouço, mas vai fazer o mínimo necessário. Aquela ideia de ficar no piso da banda é uma evidência disso, mas não vai deixar de cumprir. Se ele explodir, a Selic vai subir. Então o governo vai pesar muito essa conta.

Contenção de gastos

A incerteza do arcabouço fiscal poderia ter sido reduzida no anúncio de cortes de gastos. O governo foi tímido, deveria ter anunciado mais cortes. Os R$ 15 bilhões foram pouco. Eu acho que ele deveria fazer os cortes necessários para mirar o déficit zero e não um pequeno déficit ou o piso da banda. Então deveria ser uns R$ 30 bilhões.

Estamos caindo um pouco naquele mix de política fiscal muito expansionista que não deixa o Banco Central cortar juros. Eu preferia o contrário, uma política fiscal mais contracionista e que permitisse uma política monetária mais expansionista, com corte de juros. A política fiscal está mais expansionista do que deveria.

Mas isso é fácil de falar. Na prática, os interesses são gigantescos e poderosíssimos. A própria margem do Executivo é pequena. O orçamento é totalmente engessado. Ele é uma máquina de expansão. O governo teria que se mobilizar para conseguir, no Congresso, mudar a legislação para conseguir cortar gastos. Não é uma simples decisão discricionária do Executivo. E em um governo que está com dificuldade justamente de aprovar coisas no Congresso. Basta ver, por exemplo, o caso da desoneração [da folha].

Eu acho que tem coisas [no lado das despesas] que precisam ser revisitadas. A conta de Bolsa Família está em R$ 170 bilhões. O benefício da prestação continuada (BPC) está em R$ 100 bilhões. O seguro-desemprego já vai a quase R$ 50 bilhões. A Previdência daqui a pouco estará em R$ 1 trilhão. É uma soma gigantesca. Na verdade, não é gasto público. Esse termo é errado. É transferência pública.

Eu não consigo ficar convencido de que aposentadorias têm que ter crescimento real acima da inflação. Eu não acho que faz sentido isso. A aposentadoria tem que ser revisitada pela inflação, sem dúvidas, pois tem que garantir o poder real. Agora, quando você indexa na regra do salário mínimo, tudo começa a ter crescimento real acima da inflação. Esse é o problema, pois vai absorvendo o orçamento e partes que são essenciais, como o PAC, investimento público, que já está sendo sacrificado, perdem espaço. Eu preferia ver muito mais o governo gastando R$ 100 bilhões em investimento público, que aumenta a capacidade futura, aumenta a competitividade, estimula a inovação, do que gastando com transferências indexadas em renda real acima da inflação.

Previdência subestimada e reforma

O gasto com a Previdência é subestimado há 20 anos, desde que a gente analisa isso. Acompanho a economia há 20 anos e já vi umas cinco reformas da Previdência e teremos que ter mais umas cinco. Isso é um problema permanente. A questão da Previdência não é um evento, é um processo. Porque é um país que está envelhecendo. Há um problema de informalidade no mercado de trabalho, que reduz a base de construção previdenciária. O problema do subemprego no Brasil também tem uma contraparte que é a insuficiência de arrecadação. Acho que já já nós vamos ter que discutir mais corte de gastos aí. É o maior gasto do governo.

Política monetária

Quando a gente olha os próximos passos da política monetária no Brasil, o grande determinante é o que vai acontecer lá fora. Se o FED de fato cortar juros em dois passos de 0,25% até o final do ano, cortar um pouco mais de juros no ano que vem e se houver uma reversão das moedas emergentes, se esse 10% de desvalorização virar 10% de apreciação, o cenário muda completamente para o Brasil.

Mesmo que o governo agora fizesse mais do que está previsto no arcabouço fiscal, isso não seria suficiente para mudar o cenário se lá fora continuar ruim. O canal é o câmbio. A inflação corrente deste ano piorou, inclusive, porque houve aumento da gasolina, mas o canal que aumenta a gasolina é o câmbio. Aliás, todas as commodities estão caindo. A última quinzena foi marcada por queda de preço de commodities em dólar, só que o câmbio desvalorizou tanto que, mesmo assim, a queda de commodities em dólar não foi suficiente para aliviar o nosso cenário inflacionário.

Em cenário em que o câmbio volta para R$ 5,50, R$ 5,25 ou até mesmo R$ 5,00, o cenário de inflação melhora muito para o Brasil. Mas o Banco Central tem pouco controle sobre isso. Isso está fora da margem de manobra. As duas coisas mais importantes para a política monetária estão fora do controle do BC: arcabouço fiscal e o cenário externo. O BC vai reagir entrando em modo de espera. Vai ficar lá com 10,50% [de taxa Selic] naquela ideia do suficientemente prolongado, e falar que está vigilante, ou seja, dar sinais de que pode subir juros, até porque ele precisa manter essa ameaça. Mas não acho que vai subir juros de fato, especialmente num momento em que existe uma possibilidade de virada do cenário.

Se chegar lá em dezembro, o FED não cortou juros, a inflação americana voltou a acelerar, o câmbio foi para R$ 5,80, R$ 5,90, aí podemos pensar, sim, em uma alta da Selic. Mas ainda é cedo para isso acontecer. Começar um ciclo de aperto monetário é algo bastante grave, as consequências são fortes. A gente está num momento em que a política monetária já é bastante restritiva. Segundo a própria conta do juro real neutro do Banco Central, a Selic deveria estar em 8%. Então 10,5% já é política monetária restritiva. Não estou dizendo que isso não deva ser feito no futuro [política monetária mais restritiva], mas acho que é cedo para isso mesmo. Esses próximos talvez 30, 60 dias vão ser meio de espera, com tom duro. Agora, a chance de cortar os juros no Brasil praticamente desapareceu. O cenário que vira o mais provável é uma manutenção da Selic nesse nível por um longo período, já entrando para o ano que vem.

Indicações para o Banco Central

Nessa minha conta [de impacto interno e externo no câmbio], no interno tem uma conta que vai para o arcabouço e tem uma conta que vai para o novo presidente do Banco Central e a nova diretoria. Há uma dúvida legítima na cabeça do mercado de saber quem será o próximo presidente do BC. Eu acho que eles vão fazer uma gestão bastante ortodoxa e não vão brincar com a inflação. O próprio Lula tem dito isso. Acho que existe essa preocupação, até porque o cenário de inflação é muito mais delicado e seu controle muito mais complexo do que era há 4 anos.

Quem está lá no Banco Central sabe disso, a nova diretoria sabe disso, o novo presidente sabe disso. Não vejo o BC entrando para não combater a inflação, pois pode ser problemático para o governo.

Em uma eventual confirmação do Galípolo, eu acho que ele vai buscar o centro da meta, porque quando você busca a banda, você acaba indo para fora da banda. Então, a gente busca o centro da meta para atingir a banda, isso que está acontecendo no Brasil. Em 20 anos, foram 2 anos o máximo que a inflação ficou em 3%.

Não acho que se for o Galipolo, ele e a nova diretoria vão assumir qualquer discurso, como de acomodar a inflação, usar as bandas, longe disso. Eles vão mirar, sim, o centro da meta. A discussão é como chegar no centro da meta. Não tem caminhos alternativos para isso, é usar a política monetária. O momento que você sobe os juros é que é a questão. Porque, de novo, se ⅔ do problema está vindo lá de fora, subir os juros aqui não vai adiantar nada. Ao dizer que o problema vem de fora, não estou dizendo que não há um problema. Esse é um determinante grande.

Sobre eventual antecipação dos indicados, acho que deveria ser feito porque é uma fonte de incerteza a menos. Tem incertezas que não dá para controlar, como a economia americana, mas a indicação do presidente do BC já está mais ou menos dada. É uma incerteza que pode ser reduzida. Assim como o arcabouço.

Desempenho da economia: mercado vs governo

Uma coisa que eu não concordo é aquele cenário de abismo fiscal. Não estamos diante de um problema fiscal gigantesco. Despesas acelerando e pressionando uma economia que está com uma capacidade ociosa baixa. Ou seja, o fiscal pode sim já estar gerando inflação. Esse é o ponto.

Estamos mais com medo do futuro do que do corrente. Os dados correntes são bons. O crescimento é bom, o desemprego é baixo, a inflação é baixa. O resultado fiscal não é excelente, mas também não é péssimo. Mas a gente vive um choque de juros nos Estados Unidos, em que os juros americanos saíram de zero para 5,5%, isso não é pouca coisa. Aliás, a gente está indo até bem demais. Durante um choque de juros americano, de todos que a gente passou, esse foi o que o Brasil se saiu melhor.

Crescimento econômico

Acho que houve uma subestimação do efeito das políticas sociais. Muito desse crescimento que apareceu que não estava na conta foi de transferências. Bolsa Família, BPC, isso tem um efeito muito importante. A gente cresceu acima do esperado com uma Selic a 13,5%. O Brasil faz milagre de conseguir crescer com o maior juros do mundo. Acho que parte dessa história está ligada ao boom de commodities e transferência de renda.

O problema desse motor de expansão é que ele bate o teto da capacidade. Se você não tem uma expansão puxada por investimentos, o crescimento é baseado apenas em transferência de renda. O limite é o aumento da capacidade de salário. Um investimento a 15%, 16% do PIB é muito baixo. Precisa estar acima de 20% do PIB para que seja sustentável.

Na minha conta, o hiato [do produto] está praticamente fechado. Há muita ociosidade em setores específicos, em especial industriais, mas são nichos, são ilhas de ociosidade. O mercado de trabalho, por exemplo, saiu de um desemprego de 15% para 6,9%, não é pouca coisa. Tem ainda muito subemprego, então tem alguma ociosidade aí de subemprego que a pessoa estaria disposta a trabalhar mais. Mas não acho que o pleno emprego do Brasil é 8%, nada disso, algum espaço ainda temos para melhorar essa qualidade do emprego.

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