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A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar, recentemente, o Recurso Especial 2.090.134-RS, analisou o regime tributário aplicável aos descontos obtidos pelos varejistas junto aos seus fornecedores e concluiu que tais descontos se sujeitam à incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Decisão inédita, esse julgado deu vida a um esqueleto tributário que já se presumia sepultado pela doutrina e enterrado por decisão proferida, anteriormente, pela 1ª Turma do STJ (Recurso Especial 1.836.082-SE ).
Este artigo pretende analisar, de maneira objetiva, as premissas que constituem o eixo central da recente decisão dessa corte, exarada pela 2ª Turma, destacando alguns aspectos essenciais ao correto deslinde do tema.
A matemática e o direito
Oito tomates mais sete tomates são 15 tomates. Podemos discutir a natureza do tomate (fruta ou legume), mas não o resultado dessa soma. O acórdão da 2ª Turma endossou a sedutora retórica fazendária e concluiu que os descontos, considerados condicionais, devem tanto ser acrescidos à base de cálculo de PIS/Cofins do comprador (varejista), quanto integrarem a base de cálculo desses mesmos tributos apurados pelo fornecedor, já que não constam nas notas fiscais.
Seguindo essa premissa, em uma aquisição de R$ 100 realizada por um varejista, cujo pagamento será liquidado com um desconto de 10%, o fisco acaba arrecadando PIS/Cofins sobre o valor de R$ 110, a saber: a) R$ 100 do fornecedor, pois o desconto não constou na nota fiscal de remessa; b) R$ 10 do varejista, uma vez que a redução do preço por este obtida junto ao fornecedor é considerada uma receita operacional desse varejista.
Ocorre que, em uma relação de compra e venda, a receita não pode estar, ao mesmo tempo, nos dois lados da equação. Isto é, não há como a receita ter sido obtida, em uma única operação, tanto pelo vendedor, quanto pelo comprador.
Ao ignorar essa premissa, a Fazenda transita no melhor dos dois mundos, entendendo que o desconto configura receita tributável do fornecedor e do comprador. Na realidade, o fisco estará no melhor dos três mundos, pois a mercadoria será vendida pelo varejista e sofrerá nova incidência de PIS/Cofins.
Essa singela constatação já é suficiente para que não se confunda a redução de custo obtida pelo adquirente, a qual é materializada com o desconto (mera diminuição de uma obrigação desatrelada de qualquer ingresso financeiro novo), com a receita por ele auferida, a qual terá lugar somente quando for realizado o estoque adquirido.
As variações em função do volume, dos custos de distribuição, da alocação em loja, etc., influenciam no preço pago, mas não caracterizam ingresso financeiro novo que denote a materialidade do PIS/Cofins.
Atividade desenvolvida pelos varejistas
Não fosse suficiente, a atividade desenvolvida pelos varejistas consiste na venda de mercadorias, para a qual a aquisição constitui mera atividade-meio. Se, como aconteceu durante parte da pandemia, os estoques adquiridos – mesmo com grande desconto – não forem vendidos, as respectivas empresas acabarão fechando as portas, eis que não terão receitas.
O objeto de tributação deve ser a atividade econômica realizada pelos varejistas, qual seja: venda das mercadorias adquiridas aos consumidores finais. É nessa etapa que as receitas são obtidas, devendo incidir o PIS/Cofins.
A superação dessa premissa exigiria, no mínimo, a comprovação de que a “receita” (sic) correspondente aos descontos obtidos seria decorrente de uma atividade autonomamente exercida pelos varejistas, desvinculada de qualquer aquisição junto aos fornecedores.
Mas não é o que ocorre. Quando da aquisição das mercadorias que serão revendidas, tem-se apenas um custo para os varejistas, que pode ser maior ou menor, a depender dos descontos eventualmente obtidos (redutor desse custo). O esquema a seguir bem demonstra esse cenário:
Da diferenciação do assunto em relação a outras temáticas
É evidente que a redução de uma obrigação em função do desconto impactará no resultado do adquirente (varejista). Tal circunstância apenas revela que a Fazenda ficará com 34% da variação patrimonial correspondente ao desconto obtido pelo varejista, eis que sujeita ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Ocorre que a matéria apreciada não diz respeito ao IRPJ ou à CSLL. Diz respeito, apenas, ao entendimento – equivocado – de que essa redução do custo de aquisição do varejista pode ser equiparada às receitas por ele auferidas. A cobrança com base nessa equiparação encontra inúmeros óbices normativos, como, por exemplo, o art. 108, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), dispositivo que veda a utilização da analogia em casos como o ora analisado.
Também, é importante esclarecer que o assunto abordado se refere, exclusivamente, à base de cálculo do PIS/Cofins do varejista, não podendo ser desvirtuado para uma questão sobre a apuração dos créditos utilizados na sistemática da não cumulatividade dessas contribuições. A controvérsia é sobre a base de cálculo, não sobre os créditos. Se houver discordância da Fazenda com relação aos créditos, a discussão é outra.
Da irrelevância da natureza do desconto (se condicional ou não) para o varejista
Com o propósito de arrecadar, o fisco também insiste na tese de que os descontos obtidos pelos varejistas devem ser tributados pelo PIS/Cofins porque seriam condicionais, isto é, dependeriam de eventos futuros e incertos.
Nessa retórica, a Fazenda confunde as consequências jurídicas dos descontos que existem em relação aos adquirentes com as consequências jurídicas que se têm em relação aos fornecedores, confusão que que acabou reverberando no acórdão proferido pela 2ª Turma.
Ocorre que, sob a ótica dos adquirentes das mercadorias, pouco importa se os descontos recebidos são condicionais ou incondicionais. Perquirir acerca da natureza condicional ou não dos descontos tem pertinência apenas quando se analisa a incidência do PIS/Cofins sobre as receitas obtidas pelos fornecedores.
Isso porque, nos termos do art. 1º, § 3º, V, ‘a’, das Leis 10.637/02 e 10.833/03, não integram a base de cálculo do PIS e da Cofins as receitas referentes a “vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos”.
Como se infere da sua simples leitura, o aludido dispositivo diz respeito às receitas obtidas com as vendas das mercadorias e, portanto, trata dos descontos sob a perspectiva dos fornecedores, não trazendo qualquer repercussão no que tange ao PIS e à Cofins para a esfera jurídica dos adquirentes das mercadorias.
Se a norma tratasse da perspectiva dos compradores das mercadorias, não se referiria aos descontos concedidos, mas sim aos descontos recebidos.
Conclusões
A partir das considerações anteriormente expostas, é possível concluir que:
A um, o regime jurídico aplicável aos descontos obtidos pelos varejistas junto aos seus fornecedores já havia sido definido pela 1ª Turma do STJ, que reconheceu, em acórdão já transitado em julgado (REsp 1.836.082-SE), que tais descontos não representam receitas para os varejistas e, portanto, não devem ser incluídos na base de cálculo do PIS e da Cofins.
A dois, recente decisão proferida pela 2ª Turma do STJ (REsp 2.090.134-RS) encampou o equivocado posicionamento fazendário, por meio do qual o fisco exige a tributação dos descontos tanto na esfera jurídica dos varejistas, quanto na esfera jurídica dos fornecedores.
A três, esse entendimento acarreta um manifesto enriquecimento ilícito por parte do fisco, pois ignora uma premissa básica e matemática: a receita não pode estar, ao mesmo tempo, nos dois lados de uma única operação de compra e venda.
A quatro, em relação aos varejistas, a obtenção da receita somente se dá quando da realização das vendas aos consumidores finais (atividade-fim), e não quando da aquisição das mercadorias (atividade-meio). A compra, mesmo que com desconto, sempre implicará um custo para os varejistas, e custo é a antítese de receita, não sinônimo.
A cinco, a matéria relativa à equivocada tributação dos descontos obtidos pelos varejistas diz respeito à base de cálculo do PIS e da Cofins, não podendo ser confundida com outras temáticas, como a referente à existência de variação patrimonial pela redução dos custos e seus reflexos para fins de IRPJ e CSLL e a relativa à apuração dos créditos de PIS e de Cofins na sistemática da não cumulatividade dessas contribuições.
A seis, os descontos obtidos pelos varejistas jamais serão receitas; sempre serão meros redutores do custo, independentemente se condicionais ou incondicionais. Nos termos da legislação do PIS e da Cofins, essa diferenciação somente importa para os fornecedores que, se concederem descontos submetidos a eventos futuros e incertos, deverão considerá-los como receitas para fins de incidência dessas contribuições.