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No último dia 11 de março, a Lei 13.028, que instituiu de forma pioneira no país a mediação tributária em Porto Alegre, completou dois anos de vigência e provou que é possível inovar e utilizar métodos adequados de resolução de conflitos também no Direito Tributário.
Sem dúvida alguma, é possível afirmar que a mediação tributária é um instrumento que se mostra cada vez mais relevante para a resolução de conflitos entre contribuintes e a Administração Pública.
Em Porto Alegre, a utilização do procedimento tem se mostrado uma alternativa eficaz e eficiente para a solução de litígios fiscais, contribuindo para a desjudicialização e para a melhoria do ambiente de negócios na cidade.
Para os conflitos aos quais se aplica, diferentemente do processo judicial, a mediação se mostra mais ágil, aliviando o sistema do Judiciário, mais econômica, pois evita taxas judiciais e outros custos associados ao litígio, e mais flexível, permitindo que as partes construam uma solução que atenda aos seus interesses de forma mais eficaz, aprofundando o conhecimento mútuo e oportunizando uma comunicação clara e estruturada entre as partes.
Entendendo-se a relação que se estabelece entre o Poder Público e o contribuinte como uma relação continuada, pela própria existência do Estado como garantidor de políticas públicas pelo pagamento de tributos, pagamento este feito pelo cidadão e, portanto, participante ativo na concretização das tarefas públicas, o instituto da mediação demonstra, também, ser o que melhor se adequa.
O conhecimento aprofundado dos interesses em conflito pelas partes que participam da mediação permite o aprimoramento das relações que se mantêm no tempo, sendo essencial para o futuro a superação dos conflitos postos. A preservação da convivência e da confiança, a prevenção de conflitos futuros, gerando aprimoramento nos serviços, da legislação e das relações daí decorrentes são resultados de uma mediação. A solução extraída do acordo firmado irá concretizar tais medidas, sendo que mesmo nos casos em que não houver finalização com acordo, a relação estabelecida sairá fortalecida pelo aprofundamento do conhecimento dos interesses de cada uma das partes ante o diálogo estabelecido.[1]
O interessado em resolver um conflito fiscal por meio da mediação deve descrever o objeto conflituoso e manifestar seu interesse em levar a questão para mediação e, caso seja aceito, o processo de mediação é iniciado sem qualquer custo para o contribuinte. A mediação tributária poderá ser solicitada pelo próprio (pessoa física ou pessoa jurídica), ou internamente pelo município – Decreto nº 21.527/2022, e deverá ser aceita pela outra parte, fazendo-se valer aqui o princípio da voluntariedade.
São passíveis de mediação os conflitos tributários envolvendo discussão acerca da qualificação de fatos, da interpretação das normas tributárias, do cumprimento de obrigações e deveres tributários entre outros, relacionados aos tributos de competência municipal.
A mediação tributária não abordará os seguintes aspectos da controvérsia tributária: questões exclusivamente de Direito, formas de pagamento ou descontos não previstos em Lei para o caso, vantagens não previstas em Lei e outros aspectos que não digam respeito à qualificação de fatos ou à interpretação da norma tributária, no uso discricionariedade técnica, dentro dos limites da legalidade.
Trata-se de uma verdadeira política pública instituída, cuja aposta inovadora tem mostrado resultados exitosos. Foram 97 requerimentos recebidos nas Câmaras de Mediação e Conciliação Tributárias da Secretaria da Fazenda e da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre até o momento, sendo que 50% dos casos admitidos resultaram em acordos. Sejam conflitos relativos a demandas administrativas ou judicializados, os recursos envolvidos chegam na ordem de R$ 300 milhões, aproximadamente.[2]
Os principais fundamentos jurídicos e constitucionais da adoção dos métodos consensuais pela Administração Pública podem ser resumidos no acesso à justiça de forma mais ampla (resolução adequada dos conflitos), no princípio constitucional da eficiência e em uma Administração Pública mais dialógica e menos verticalizada.
A própria Lei 13.655 (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB), de 25 de abril de 2018, também prestigia a consensualidade administrativa, convidando a Administração Pública a dialogar com a sociedade em busca de alcançar a melhor solução para a questão conflituosa, dentre aquelas opções possíveis e legalmente autorizadas por lei para a Administração Pública.
Silva explora bem essa questão em estudo sobre a prevenção de litígios tributários quando refere que “A falta de diálogo ou mesmo de debate aberto e interativo entre Fiscos e contribuintes tem sido a tônica de um processo administrativo-tributário que escamoteia razões e acirra litígios, renovando as enxurradas anuais de execuções fiscais e de ações dos contribuintes junto aos Tribunais.”[3]
A mediação atua como instrumento de pacificação social e também de prevenção de litígios, além de contribuir substancialmente para a qualidade das relações humanas, seja do ponto de vista econômico, social ou emocional.
Para a Administração Pública, é crucial que se mantenha um quadro permanente de mediadores devidamente capacitados, sedimentando a instituição da política pública. Esse é um diferencial em Porto Alegre: o município investe na formação de mediadores, contribuindo para a perfectibilização da prática, bem como com a mudança de mentalidade interna para o tratamento de conflitos em geral.
Mas a maior mudança constatada é no estabelecimento de um novo paradigma para os conflitos tributários ante a possibilidade de solução consensual, restaurando ou reforçando a confiança entre as partes e demonstrando o acerto da revisão do processo tributário em andamento no Congresso Nacional, proposto pela Comissão de Juristas coordenado pela Min. Regina Helena Costa, e que traz a previsão de métodos consensuais como a mediação em âmbito nacional.
O contexto de alta litigiosidade em relação aos conflitos tributários, o índice elevado de congestionamento de processos judiciais, em especial os relativos às execuções fiscais, somados a um alto passivo estagnado em conflitos tributários administrativos nas três esferas do país, que chega a mais de R$ 5 trilhões de reais, quase 75% do PIB brasileiro[4], indica e impõe a necessidade de serem trabalhadas alternativas.
A mudança de cultura para o tratamento adequado dos conflitos tributários tornou-se e deve se tornar cada vez mais realidade no país, partindo-se em busca da pacificação: “A atual cultura da sentença será, com toda a certeza, paulatinamente substituída pela cultura da pacificação.”[5]
Os métodos autocompositivos existentes no ordenamento jurídico não são utilizados no Brasil para os conflitos tributários ordinariamente ainda. Hoje há iniciativas no país do Conselho Nacional de Justiça, a partir da Recomendação 120/21, que incentiva a utilização no âmbito do Poder Judiciário, e da Resolução 471/22, que estabelece a Política Nacional de autocomposição para conflitos tributários no âmbito do Poder Judiciário, além de leis esparsas sobre o instituto da transação, com modelagens diversas e que, em diversos casos, não se revestem exatamente do caráter autocompositivo ou da negociação assistida inerente à resolução consensual de conflitos.
E, com resultados práticos e efetivos, temos a Lei 13.028/22, primeira lei no país sobre mediação tributária, que torna essa política pública realidade.
É um orgulho para o município de Porto Alegre sermos precursores de um projeto vencedor, projetado pela ABRASF, ABDF, Fazenda Municipal e Procuradoria-Geral, o qual se espera seja parâmetro para iniciativas semelhantes país afora!
[1] NERY, Cristiane da Costa. Mediação Tributária: estabelecendo novos paradigmas para a eficiência na gestão fiscal / Cristiane da Costa Nery – São Paulo: Editora Dialética, 2023, p. 111-112.
[2] Dados obtidos junto às Câmaras de Mediação e Conciliação Tributárias do Município de Porto Alegre.
[3] SILVA, Ricardo Almeida Ribeiro da. Prevenção dos litígios tributários: uma nova proposta. Efetividade do consenso ao tributo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 16, n. 60, p. 43-57, jan./mar. 2018.
[4] INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA. NÚCLEO DE TRIBUTAÇÃO DO INSPER. Contencioso Tributário no Brasil: relatório 2020, ano de referência 2019. São Paulo: INSPER, 2021. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/01/Contencioso_tributario_relatorio2020_vf10.pdf. Acesso em: 14 set. 2022; DISPUTAS envolvendo cobrança de tributos somam R$ 5,4 trilhões no Brasil. Insper, São Paulo, 22 jan. 2021. Insper Conhecimento. Disponível em: https://www.insper.edu.br/conhecimento/conjuntura-economica/disputas-envolvendo-cobranca-de-tributos-somam-r-54-trilhoes-no-brasil/.
[5] WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (org). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005; WATANABE, Kazuo. Política pública do Poder Judiciário nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesse. Revista de Processo, São Paulo, v. 195, maio 2011.