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A Olimpíada de Paris 2024 presta em alguns momentos homenagens à Revolução Francesa. A maratona olímpica, por exemplo, seguirá uma rota histórica que reflete o percurso da Marcha das Mulheres até Versalhes, ocorrida em 5 de outubro de 1789[1]. O Brasil se encontra em uma maratona de mudanças tributárias revolucionárias.
Conforme é de conhecimento amplo, são três os lemas da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). O momento atual de reforma tributária no Brasil é propício para relembrarmos e acrescentarmos a esses lemas um quarto direcionamento: o crescimento como resultado, da agilidade, leveza, inspiração que a reforma pode resultar. O Carf tem condições de ser um dos protagonistas dessa história.
A Emenda Constitucional 132, de 2023, trouxe uma adição significativa ao artigo 145 da Constituição Federal, incluindo o § 3º, que determina que o Sistema Tributário Nacional deve observar as premissas da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. Essa alteração representa uma oportunidade notável para o crescimento e o desenvolvimento do país. Vejamos o novo “capítulo” da Constituição Federal no aspecto tributário:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(…) § 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
Ouso a chamar o parágrafo terceiro do artigo 145 da CF acima transcrito como Princípio Tributário da Fraternidade. Muitos juristas estão destacando esse importante ponto da reforma. Para mim faz todo sentido chamar de Princípio da Fraternidade, conforme contexto a seguir exposto, cujos reflexos no Carf e na sociedade nos clamam por mudanças no atual projeto de Lei Complementar da reforma tributária.
A adoção dessas premissas é fundamental para a criação de um ambiente econômico favorável ao crescimento, em que a relação entre fisco e contribuintes seja baseada na confiança e na cooperação. A isso podemos relembrar o conceito de fraternidade da Revolução Francesa. A fraternidade refere-se ao espírito de solidariedade e camaradagem entre os cidadãos.
Esse lema enfatiza a importância da união e da cooperação entre os membros da sociedade. Durante a Revolução, a fraternidade era vista como essencial para a construção de uma nação forte e coesa, onde os indivíduos se viam como irmãos e estavam dispostos a trabalhar juntos pelo bem comum, conforme destacou Bobbio[2]:
“A fraternidade refere-se ao espírito de solidariedade e camaradagem entre os cidadãos. Esse lema enfatiza a importância da união e da cooperação entre os membros da sociedade. Durante a Revolução, a fraternidade era vista como essencial para a construção de uma nação forte e coesa, onde os indivíduos se viam como irmãos e estavam dispostos a trabalhar juntos pelo bem comum” (Bobbio, 1995, p. 110).
A fraternidade tributária poderia resultar na diminuição da complexidade do sistema tributário, caso haja uma colaboração mútua. No entanto, se persistir a desconfiança e a disputa entre fisco e contribuinte, o sistema tributário continuará a ser complexo, com novas regras sendo introduzidas tanto para coibir a sonegação quanto para proteger os contribuintes de cobranças indevidas.
Na condição de conselheiro do Carf, tenho observado a complexidade da legislação tributária e as situações que dela decorrem, muitas vezes resultantes da compreensível desconfiança do fisco em relação ao comportamento dos contribuintes. Por outro lado, as empresas desenvolvem soluções legítimas e complexas, para evitar a tributação indevida ou excessiva.
O Carf, por ser um órgão paritário e neutro, proporciona um debate direcionado à construção de ideias por origens diferentes e perspectivas diferentes. Isso resulta em interpretações diferentes sobre os conceitos tributários, especialmente sobre a ocorrência ou não de simulação e o abuso de forma.
Muitas vezes o colegiado debate os casos em seus detalhes e são justamente esses detalhes que indicam a legalidade ou não dos planejamentos das empresas. Consigo identificar que muitos planejamentos, mesmo julgados de maneira contrária às empresas, teve como ponto de partida a boa-fé.
Na condição de advogado tributário de departamento jurídicos de grandes empresas fui chamado muitas vezes a opinar sobre os planejamentos estratégicos das empresas e na maioria absoluta das vezes a preocupação do empreendedor era no sentido de programarem seus negócios sem descumprir o sistema tributário.
É fato que o sistema tributário é complexo e o primeiro temor das empresas é certificar-se de que entendeu corretamente as regras. O segundo temor é saber se o sistema tributário foi entendido de maneira a não se pagar tributo a maior, erro esse que poderia resultar em perda de competividade perante o mercado e o terceiro temor seria investir é uma operação realmente lucrativa, sendo claro que a carga tributária muitas vezes é a maior responsável pela lucratividade ou não da operação. Pode-se escolher um melhor fornecedor, pode-se investir em pesquisas, pode-se treinar melhor os colaboradores, incentivá-los, mas a carga tributária é um dos principais motivo do sim ou não do sucesso do negócio.
Com isso, as empresas tem de competir com sistemas tributários internacionais mais eficientes. Esse é o cenário do Brasil do passado e que ainda precisa mudar. Na dúvida interpretativa sobre a questão tributária, muitas vezes as empresas decidem “arriscar” e considerar uma carga tributária mais favorável, sob pena de não viabilizarem o negócio. Esse risco de interpretação é comum porque, no Brasil, sabe-se que os temas tributários amadurecem com o tempo, e o que outrora era indefinido com o tempo fica consolidado e a empresa que não “arriscar” pode perder uma oportunidade.
Um exemplo clássico dessa “aposta” é a chamada tese do século, na qual debateu-se a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e Cofins. O que outrora era uma dúvida foi estabelecida como certeza a favor dos contribuintes pelo Supremo Tribunal Federal. Não vamos entrar aqui no mérito das melhores maneiras processuais de “arriscar”, porque também incluo no conceito de “risco”, por exemplo, estabelecer um debate perante o Judiciário com depósito judicial do montante integral discutido.
No entanto, outras vezes, a tese não é tão ampla, e, por exemplo, em caso de operações de exportação, o contribuinte precisa definir qual estratégia adotar, de imediato, e não tem esse tempo para esperar o tema tributário amadurecer. Com isso, grandes empresas, pautam suas estratégias baseadas em pareceres complexos de juristas que visam interpretar a norma tributária da maneira mais coerente com o sistema, estabelecendo uma ponte entre o negócio e o sistema jurídico que consolidar-se-á no futuro.
Nesse cenário, entra o Carf. Felizmente o contribuinte tem, em uma de suas estratégias, a certeza que o tema poderá ser debatido no tribunal paritário, democrático, de conhecimento aprofundado e específico. Logicamente, as empresas de grande performance não esperam ser autuadas. Não realizam seus planejamentos contando em serem autuadas, mas sabem que se forem interpretadas de maneira desfavorável poderão expor seus argumentos e conceitos perante o Carf.
Isso é segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade econômica. Essa visão é a que trago como experiência do setor privado, focado em assessoria em construção de negócios, cuja função era qualificar a segurança jurídica tributária desses negócios e essa visão naturalmente utilizo agora para analisar, de maneira, neutra, os casos apresentados ao colegiado que atuo e que atuei. Ou seja, não temos um lado definido, mas temos uma experiência que nos marca no aspecto interpretativo.
O tempo passou e, com muito entusiasmo e dever cívico, encontro-me na posição de julgar esses negócios planejados pelas empresas, dentre outras situações. Percebo, com muita satisfação e respeito, que outros julgadores, inteligentíssimos, preparadíssimos, têm visões resultantes de carreira diferentes da minha. Isso é o sabor do Carf, o debate com opiniões diferentes.
O fato é que os conselheiros fazendários se depararam inúmeras vezes em sua vida profissional com contribuintes incentivados, infelizmente, pela evasão fiscal e não pela boa-fé. Os olhos de nossos colegas são atentos a manobras desonestas de muitos contribuintes e, compreensivelmente, podem tender a identificar a questão de interpretação como evasão.
O papel dos auditores fiscais é de extrema importância para o crescimento econômico. A empresa desonesta destrói a livre concorrência, a livre iniciativa, a arrecadação e o crescimento da sociedade. A empresa correta precisa do trabalho da fiscalização para manter-se viva no mercado.
Com isso, o Carf realiza o trabalho de separação das condutas evasivas, das condutas interpretativas. Muitas vezes isso é visto na análise dos planejamentos tributários.
O ilustre jurista Marco Aurélio Grecco ministra o conceito de que no planejamento tributário se faz necessário analisar o filme todo e não somente uma foto da realidade. Cada operação no caso seria uma “foto”, a princípio, formalmente correta. Todavia, a sequência das “fotos”, ou seja, o filme, demonstra a existência de eventual simulação, em face de uma vontade aparente. A real intenção dos contribuintes é relevada na sequência dos fatos e não na análise individualizada de cada fato, observando-se, caso a caso a independência nas partes envolvidas. Essa premissa é muito aplicada no Carf.
Em tese, algumas estratégias não podem ser classificadas como planejamento tributário, porque a legislação permite o planejamento tributário, permite que o contribuinte busque a maneira menos onerosa de pagar tributos e até mesmo de não pagá-los nos termos da lei. Quando não há planejamento tributário há evasão, esta sim vedada pela ordenamento jurídico tributário.
Com isso, as diferentes experiências de carreira e a paridade de composição dos julgadores do Carf permite a construção de conhecimento especial em um órgão de julgamento e, é justamente essa construção dialética que permite aplicar a exegese sobre estruturas e documentos com conclusões eventualmente não identificadas em momentos anteriores.
Nesse sentido, o método dialético de debates encaminha o caso para a identificação de um conceito/detalhe ainda não revelado em um documento já apresentado. E nesse momento evidencia-se uma ponte, uma ligação possível a outro eventual documento nos autos e outros conceitos. No Carf, muitas vezes os documentos são apresentados e aceitos no decorrer do processo justamente em razão dessa nova análise.
Em outras palavras, o princípio da verdade material clama pela complementação de um indício manifestado no debate, clama pela aplicação de outra análise da realidade. Aceita novos documentos no decorrer do processo. No caso a caso, a complementação pode ocorrer quando da observação da sequência de fatos da operação.
Note-se, não se trata de supressão de instância, e sim de complementação de pontos que já existiam no processo e ainda não estavam maduros para serem identificados, vistos, com visões diferentes cujo método dialético desperta.
Isso significa dizer que o princípio da verdade material, característica próprio do Processo Administrativo, não se aplica apenas para beneficiar o contribuinte recorrente e sim beneficiar todo o sistema tributário, a fim de dar oportunidade da verdade vir à luz o quanto antes.
De mais a mais, restará claro, ao menos para para a maioria da turma, após debates, que ocorreu ou não simulação caso a caso. Ou seja, o princípio da verdade material fundamenta também o não provimento do recurso. O relator pavimenta o debate com conceitos do direito, debatidos pela interpretação sobre a existência do abuso de forma ou não. É uma diferença tênue que exige, como dissemos, um profundo debate, o que é diferente de uma imposição autoritária
É importante ressaltar que, no meu entendimento e de muitos doutrinadores, o planejamento tributário é essencial para o desenvolvimento de um país. Busca-se, nos parâmetros da lei, reduzir custos, eficiência administrativa e otimização das atividades de uma empresa e até mesmo da pessoa física.
Ocorre que, como já dissemos, o planejamento tributário como forma de economia fiscal, apresenta algumas vezes uma linha tênue entre o planejamento tributário (elisão fiscal) do planejamento ilícito (evasão fiscal).
Há vasta doutrina e julgados do Carf que dispõem sobre os critérios delimitadores da linha tênue que separam a elisão e a evasão fiscal, quais sejam, abuso de forma, abuso de direito, fraude, simulação, dissimulação, propósito negocial (business purpose) e substância sobre a forma (prevalência da substância sobre a forma).
No caso a caso a linha tênue pode ser de difícil identificação, mediante a forma apresentada, o que demanda, como dito, profundo debate entres os julgadores e esse debate identifica a verdade material das operações narradas pela fiscalização.
Com isso, pode estar correta a autoridade administrativa ao desconsiderar o negócio jurídico, como pode não estar.
Nesse ponto, clamamos para que a sociedade, de maneira, geral, repudie as empresas desonestas, fazendo-o de diversas maneiras, desde a solicitação de nota fiscal nas transações, até recusando-se a comprar ou negociar com empresas inidôneas. Elas contaminam nosso sistema. Empresas de alta performance vem utilizando-se de sistema de compliance justamente para monitorar o comportamento ético de seus colaboradores, fornecedores e clientes. Esse é o caminho.
Por outro lado, espero que o Carf se aprimore ainda mais em questões de debates interpretativos, curando-se dos traumas gerados por contribuintes desonestos e caminhando para consolidar ainda mais a democracia tributária fraterna. O Carf está pronto para isso. Já faz isso e o faz com uma experiência de 100 anos. Pode-se disser que o Carf manifesta a fraternidade.
Sobre a igualdade, relembramos que, antes da Revolução, a sociedade francesa estava estruturada em classes rigidamente divididas, com a nobreza e o clero desfrutando de privilégios que a maioria do povo não tinha. A igualdade buscada pela Revolução visava eliminar essas distinções legais e garantir que todos os cidadãos tivessem os mesmos direitos e oportunidades, independentemente de sua origem social.
Resta claro que os grandes grupos econômicos têm mais condições de entender a complexidade do sistema tributário, suas oportunidades e riscos. A reforma tributária poderá diminuir essa diferença na vantagem da competitividade. Um sistema menos complexo poderá abrir espaço para o crescimento de empresas menores porque essas poderão superar a barreira da ausência do suporte dos super especialistas tributários. Hoje uma empresa sem o suporte de um especialista tributário tende a não sobreviver.
Fato é que, no sistema atual, o micro empreendedor e a pessoa física, muitas vezes não tem qualquer ideia do caos que estão inseridos. Particularmente, lamento que o aumento da alçada do Carf tenha dificultado o acesso de pequenas empresas e do contribuinte pessoa física da sofisticação do debate estabelecido no Carf. Entendo a necessidade de otimização dos julgamentos, mas gostaria muito de voltar a ver o “pequeno” contribuinte com acesso ao Carf.
E ainda sobre a questão de igualdade, não posso deixar de mencionar a necessidade democrática de se igualar os salários dos conselheiros indicados pelo fisco dos salários dos conselheiros indicados pela sociedade civil.
Os conselheiros indicados pela sociedade civil recebem três vezes menos do que os indicados pelo fisco, não tem direito a férias, 13º e demais direitos constitucionais. A igualdade tributária também passa por essas questões porque os conselheiros são imparciais, não tem um lado definido. Ou seja, são iguais, com carreiras de origem diferentes, mas naquele posto de julgamento são iguais, não podendo prevalecer a carreira originária da sociedade civil como a menos remunerada.
Esse cenário, no mínimo, induz a uma instabilidade do órgão porque apesar dos conselheiros indicados pela sociedade civil desejarem manter-se no Carf por todo o mandato (hoje no mínimo 8 anos), muitos conselheiros precisam também pensar no sustento próprio e de suas famílias, o idealismo de colaborar com a democracia tributária pode se confrontar com a realidade humana da subsistência.
Com isso, a maioria dos conselheiros indicados pela sociedade deixam seus cargos muito antes de terminarem seus mandatos, perdendo o Carf profissionais competentes, treinados e comprometidos. O custo de reposição para a sociedade talvez seja até maior do que o custo de equiparação salarial. Convido a sociedade a refletir sobre esse aspecto e fortalecer a democracia tributária também por esse ponto, lembrando que a equiparação salarial não é uma decisão do próprio Carf e sim do Congresso Nacional.
Mas de maneira, geral, contribuinte e fisco são tratados de maneira igualitária no Carf com mesmos direitos de apresentação de argumentos. Isso é uma maturidade democrática muito importante.
Na sequência, vem a questão da liberdade. Palavra que aprecio em todos os conceitos semânticos em face de viabilizar que cada um escolha o próprio caminho, a sua própria história e seus efeitos. A liberdade inspira e motiva. A liberdade é em si é uma força de criação, de transformação, de evolução. Quem é livre é criador e o Criador nos fez livres. A liberdade, portanto, inova, multiplica, expande, gera crescimento. Ser livre nos torna cocriadores, partícipes da busca pela perfeição. Integrantes do todo.
Em termos jurídicos, entendo que em decorrência do princípio da livre iniciativa, as empresas podem escolher a forma mais adequada para organizar seus negócios e obter os recursos financeiros necessários para atingir seus objetivos institucionais.
A empresas podem fazer uso de um direito mediante causas reais que levem a seguir a forma e o caminho que trilham sem, com isso, configurar necessariamente abuso de direito e nem fraude à lei.
Com todo respeito, entendo que não cabe ao fisco impor ao contribuinte a adoção de estrutura que seja a mais rentável aos cofres públicos; não há na legislação brasileira qualquer dispositivo que impeça um grupo empresarial de expandir as suas atividades no Brasil e sim o contrário, porque existem normas, como a norma do ágio, para incentivar o fortalecimento de atividade para desenvolvimento do país.
Portanto, entendo que o contribuinte tem o direito de estruturar o seu negócio com vistas à redução de custos e despesas, inclusive à redução de tributos, sem que isso, necessariamente, implique qualquer ilegalidade e, de acordo com o caso específico, os atos e negócios praticados, as vezes autuados pela fiscalização, na verdade tem fundamento legítimo.
Ademais, conforme é de conhecimento notório, o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.446/DF, via da qual reconheceu, com importantes observações, a constitucionalidade da inclusão do parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, pela Lei Complementar nº 104, de 2001, abaixo transcrito:
Art. 116. (…)
(…)
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
No voto da Excelentíssima Ministra Cármen Lúcia, ministra relatora de referida Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.446/DF, foi ressaltada a questão da injuridicidade da adoção de interpretação econômica como elemento configurador da dissimulação da ocorrência do fato gerador nos seguintes termos:
“(…)
A norma do parágrafo único do art. 116 não dispõe, ao contrário do pretendido pela autora, de espaço autorizado de interpretação econômica. Ali não se trata da interpretação da lei, o que se dá no Capítulo IV do Código Tributário Nacional intitulado “Interpretação e Integração da Legislação Tributária”.
Tem-se no artigo 110: e aqui ela reproduz o dispositivo
“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Esse dispositivo não foi alterado pela Lei Complementar n. 104/2001.
De se anotar que elisão fiscal difere da evasão fiscal. Enquanto na primeira há diminuição lícita dos valores tributários devidos pois o contribuinte evita relação jurídica que faria nascer obrigação tributária, na segunda, o contribuinte atua de forma a ocultar fato gerador materializado para omitir-se ao pagamento da obrigação tributária devida.
A despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art. 116 do CTN, a denominação “norma antielisão” é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal.
(…)
Desta forma, a maioria de votos do STF foi formada no sentido de que o artigo 116 do CTN só autoriza a descaracterizar as operações realizadas com dissimulação, não se aplicando, portanto, para as hipóteses de economia lícita do tributo. Extrai-se, esse entendimento, inclusive, do voto do ministro Dias Toffoli que no mérito, destacou que o art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional não busca impedir, ainda que por vias transversas, o planejamento tributário lícito, mas sim inibir condutas ilícitas.
Portanto, a autoridade administrativa não poderia “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária” (cfe. parágrafo único do art. 116 do CTN), mediante uma interpretação meramente econômica.
A legislação permite o planejamento tributário, permite que o contribuinte busque a maneira menos onerosa de pagar tributos e até mesmo de não pagá-los nos termos da lei. Planejamento Tributário é essencial para o desenvolvimento de um país. Busca-se, nos parâmetros da lei, reduzir custos, eficiência administrativa e otimização das atividades de uma empresa e até mesmo da pessoa física.
Porém, muitos julgadores do Carf entendem que a atitude do fisco no sentido de desqualificar e requalificar os negócios privados somente poderá ocorrer se puder demonstrar de forma inequívoca que o ato foi abusivo por ter sido distorcido seu perfil objetivo ou extrapolados seus limites, o que pode, em tese, configurar-se, inclusive se tiver por sua única ou principal finalidade conduzir a um menor pagamento de imposto. O acima exposto segue os conceitos ensinados por Marco Aurélio Greco, cujo trecho abaixo sintetiza toda a ideia.
Em suma, não há dúvida de que o contribuinte tem o direito, encartado na Constituição Federal, de organizar sua vida da maneira que melhor julgar. Porém, o exercício deste direito supõe a existência de causas reais que levem a tal atitude. A auto-organização com a finalidade predominante de pagar menos imposto configura abuso de direito, além de poder configurar algum outro tipo de patologia do negócio jurídico, como, por exemplo, a fraude à lei. (pág. 228).[3]
Portanto, o Carf é uma etapa importantíssima na consolidação da liberdade econômica das empresas, cujo real liberdade econômica é conjugada com utilização das possibilidades da legislação tributária.
É crucial, neste momento de mudanças, aprofundarmos nosso entendimento sobre os conceitos de colaboração, transparência e justiça tributária. Um fisco que atua de maneira a não prejudicar a atividade econômica das empresas contribui para um ambiente de maior arrecadação e desenvolvimento econômico. A segurança jurídica resultante de uma colaboração efetiva entre fisco e contribuintes beneficia todos os brasileiros.
E agora a sequência, o crescimento.
Uma vez que somos fraternos, que nos tratamos de maneira igualitária, nos permitimos ser livres, estamos destinados a crescer.
Crescimento nos remete a ideia de andar para frente. De avançar. Como podemos avançar com relação ao Carf?
Sugiro que todos os envolvidos – autoridades tributárias, gestores empresariais, contribuintes – reflitam sobre as premissas da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. Seria extremamente benéfico promover eventos que envolvam representantes do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e do Carf para discutir esses desafios. Precisamos estabelecer essa dialética com os diversos representantes da sociedade e com a própria sociedade.
Com satisfação, estamos assistindo a diversos debates no Brasil, seja no poder público, seja por diversas entidades da sociedade, seja nos meios acadêmicos e seja nas empresas e destaco o papel importantíssimo de debates tributários desempenhado pela Aconcarf (Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), associação que tenho muito orgulho de pertencer.
Idealmente, podemos aumentar a participação das autoridades do Fisco e dos gestores empresariais nesses eventos para entender os desafios enfrentados pelas empresas e vice-versa. Precisamos refletir sobre esses temas de maneira transparente com o fisco, com as empresas e com os contribuintes a fim de podemos agir, todos, de forma a cumprir a determinação constitucional de que “O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente”. O Carf pode entrar nessa maratona de transformações.
O Carf há 100 anos é reconhecido como um local de debate tributário democrático. A paridade dos julgadores, cada qual com sua experiência de vida, de carreira, de estudos, agrega em muito na construção da melhor interpretação da legislação tributária aplicável aos fatos específicos de cada caso. São 100 anos de experiência. Podemos aproveitar o momento de mudanças tributárias e essa experiência para melhorar a construção da harmonia tributária. É com todo esse ideal e respeito que passo a analisar o estágio atual das mudanças tributárias no processo administrativo.
Entendo, juntamente com diversos juristas, que precisamos incentivar que as mudanças da Reforma Tributária caminhem para um processo administrativo integrado para o julgamento do IBS como da CBS, conforme determinação trazida pela EC 132, cujo artigo 156-B, §8º da CF dispõe:
Art. 156-B. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
(…)
8º Lei complementar poderá prever a integração do contencioso administrativo relativo aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.
Por sua vez, conforme muito bem observado por Thais de Laurentiis[4], o artigo 149-B da CF aponta que as normas gerais do IBS e da CSB sejam idênticas e o contencioso administrativo único, para o IBS e a CBS, deferia ter sido uma consequência lógica. Vejamos o que dispõe referido artigo:
Art. 149-B. Os tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, observarão as mesmas regras em relação a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
I – fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
II – imunidades; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
III – regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
IV – regras de não cumulatividade e de creditamento. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
Parágrafo único. Os tributos de que trata o caput observarão as imunidades previstas no art. 150, VI, não se aplicando a ambos os tributos o disposto no art. 195, § 7º. (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
Ocorre que conforme é de conhecimento, o PLP nº 108 de 2024 (PLP 108/2024) criou o contencioso específico do processo administrativo do IBS, supostamente seguindo a determinação dos artigos 156-A, §5º, VII e 156-B, III da CF abaixo transcrito:
Do Imposto de Competência Compartilhada entre Estados,Distrito Federal e Municípios
Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
(…)
5º Lei complementar disporá sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
VII – o processo administrativo fiscal do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
Art. 156-B. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A: (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
(…)
III – decidir o contencioso administrativo. (Incluído pela Emenda Constitucional 132, de 2023)
Ou seja, apesar da Constituição Federal apontar que as normas gerais do IBS e da CSB devem ser idênticas e o contencioso administrativo único, para o IBS e a CBS o projeto de Lei Complementar está caminhando para construção de dois processos administrativos.
De fato, existe expectativa que a CBS passe a ser julgada pela 3ª Seção do Carf. Lembramos que é à 3ª Seção do Carf que cabe o julgamento do PIS e da Cofins, que serão substituídos pela CBS.
Tenho lido afirmações no sentido de que seria natural o julgamento da CBS pelo Carf, na medida que a CBS substitui contribuições federais (PIS/Cofins) ao passo que o IBS teria origem de tributos estaduais e municipais (ICMS e ISS).
Com todo respeito aos que pensam diferente, entendo que não seria melhor alternativa essa diferenciação. Primeiro porque a Constituição Federal foi expressa ao equalizar IBS e CBS. Segundo porque são tributos novos, que não devem remeter ao passado calamitoso dos tributos que serão extintos. Devemos pensar de maneira nova, sob pena de criarmos no IBS o sistema de Substituição Tributária, o que seria eternizar o caos. Já comentários sobre essa possibilidade.
Ora, se o IBS é tributo novo, de competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios, não seria melhor direcionar o processo administrativo também do IBS para o Carf? Seria a melhor opção “um processo administrativo paralelo”?
A sociedade poderia aproveitar a expertise do Carf. Se assim não o fizermos, podermos extar criando um novo motivo de divergências de opiniões, com demandas de uniformização. Entendo, e muitos juristas entendem, que seria mais prudente evitarmos a criação de divergências de interpretação entre o contencioso administrativo federal (Carf e o contencioso administrativo do IBS).
Com todo respeito, o princípio da fraternidade expressado no artigo 145, parágrafo terceiro, clama pela harmonia e não pela criação de conceitos conflitantes. O Carf já tem experiência de 100 anos e poderia ser utilizado também nesse momento.
Estamos acompanhando o projeto de lei criar normas para uniformização da jurisprudência administrativa do IBS e da CBS. Ainda há tempo de fortalecermos o ideal de um processo administrativo unificado para julgar também o IBS e avançar a partir dessa premissa, crescer, nos debates sobre fraternidade, igualdade e liberdade. A implementação do parágrafo terceiro do artigo 145 do CTN não apenas pede simplificação do sistema tributário, mas também demanda um ambiente de maior confiança e cooperação entre fisco e contribuintes e de harmonia.
Este é um momento decisivo para reavaliarmos nossas práticas e construir um sistema tributário mais eficiente, que ajude o fisco a fiscalizar melhor, que ajude as empresas a crescerem, que beneficie toda a sociedade brasileira.
Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.446/DF. Relatora: Ministra Cármen Lúcia.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 1995.
International Olympic Committee. (2024). Paris 2024 Olympic marathon route. Olympic Games Paris 2024. Disponível em: https://olympics.com/en/paris-2024/information/olympic-marathon-route . Acesso em: 22 jul. 2024.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo, Dialética, 2011, p.194-248.
Laurentiis, T. de. (2024, julho 17). Vinculação do CARF na reforma tributária: um perigo iminente e eminente. Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-17/vinculacao-do-carf-na-reforma-tributaria-um-perigo-iminente-e-eminente/.
[1] OLYMPIC ATHLETES FOLLOWING IN THE FOOTSTEPS OF A HISTORIC MARCH
The historic event recognised with the Olympic marathon route is a key moment from the French Revolution: the Women’s March on Versailles, on 5 October 1789.
On 5 and 6 October 1789, market women, shopkeepers and workers from the popular quarters gathered in front of the Hôtel de Ville in Paris to demand bread and arms. Between 6,000 and 7,000 Parisian women, joined by men, marched through Paris to Versailles to bring the King back to the Tuileries. That day, Louis XVI finally agreed to ratify the Universal Declaration of the Rights of Man and Citizens.
[2] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 1995.
[3] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo, Dialética, 2011, p.194-248
[4] Laurentiis, T. de. (2024, julho 17). Vinculação do CARF na reforma tributária: um perigo iminente e eminente. Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-17/vinculacao-do-carf-na-reforma-tributaria-um-perigo-iminente-e-eminente/.