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A recente privatização da Sabesp pelo Governo de São Paulo envolve o futuro do saneamento básico no mais populoso estado do país. A maneira pela qual o processo foi conduzido, no entanto, às vésperas do período eleitoral, sem a inclusão da sociedade no debate, prejudica a transparência de uma decisão que impacta a vida de milhões de pessoas.
A companhia é uma das maiores empresas de saneamento básico do mundo em população atendida e a terceira em termos de receita, segundo levantamento da Global Water Intelligence. É responsável por fornecer água, coletar e tratar esgotos de 375 cidades paulistas. A titularidade do saneamento, aliás, é dos municípios, cabendo aos prefeitos e prefeitas decidir o melhor modelo para suas cidades. A proposta de privatização prevê inclusive que os municípios possam ter participação nos resultados da empresa, incentivando o engajamento na desestatização. O problema é que a polarização em torno desse debate é muito prejudicial para a sociedade.
A discussão sobre o futuro do saneamento básico deveria estar nos debates da agenda eleitoral, de forma ampla, para que as 28,4 milhões de pessoas atendidas pela Sabesp pudessem se informar e opinar adequadamente, junto com os candidatos às prefeituras e câmaras municipais, para então decidir entre o serviço público ou privado.
No caso paulista, a desestatização não ocorreu por problemas de caixa. A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) atestou a plena capacidade da Sabesp para o cumprimento das metas de universalização do saneamento, mediante investimentos da ordem de R$ 47,5 bilhões. Desse total, estão previstos R$ 26,2 bilhões para o período de 2023 a 2026. Nesse ritmo de investimentos, a meta de universalizar o saneamento e o direito humano de acesso à água estariam assegurados em todos os municípios por ela operados até 2030. Então, diante dessa realidade, qual foi a justificativa para a privatização?
A água e o saneamento são direitos fundamentais que têm sido violados no Brasil de forma inadmissível, principalmente em regiões periféricas de grandes centros urbanos e que contam com populações vulnerabilizadas. Nossos precários e vergonhosos índices de saneamento básico e a falta de recursos para investimentos no setor são refletidos na degradante condição ambiental dos rios.
Esse descaso do poder público com o saneamento e a falta de recursos públicos para o setor são os argumentos utilizados para a privatização desses serviços essenciais. No entanto, o interesse público exige que uma operação dessa magnitude ocorra com ampla transparência. Como em qualquer ato público, ainda mais dessa monta, é necessário que sejam observados os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, transparência, publicidade e eficiência.
Por ora, sobram dúvidas e incertezas sob diversos aspectos e, principalmente, no ponto-chave desse processo, que é a capacidade de regulação do Estado e de governança da sociedade.
Afinal, a privatização no setor de saneamento tem melhorado a performance dos serviços? Não há evidências de que a universalização do saneamento ocorra de forma mais ágil, eficiente e efetiva em modelos privados do que em modelos públicos de prestação de serviços. Os dados disponíveis no Brasil, bem como alguns exemplos internacionais, demonstram haver mais problemas e riscos do que vantagens.
Não faltam casos em que, motivados pela ineficiência, descumprimento de contratos ou outros problemas, as empresas tiveram que voltar para o controle público. Foi o caso de Itu (SP), onde está localizada a sede da Fundação SOS Mata Atlântica, após ter sido uma das cidades paulistas mais duramente castigadas pela crise hídrica em 2014. O severo racionamento gerou protestos de moradores nas ruas e até saques a caminhões pipas.
A reestatização dos serviços de saneamento também ocorreu no exterior. Barcelona teve sua mega concessão anulada pela Justiça. Levantamento do Tribunal de Contas da Espanha em 2011, aliás, mostrou que habitantes atendidos pela iniciativa privada pagavam em média 21,7% a mais do que aqueles cujas redes eram públicas.
Na Inglaterra, há alguns meses, o jornal The Guardian, um dos principais do país, defendeu em editorial (“É hora de nacionalizar um sistema privado falido”) a renacionalização dos serviços de saneamento que foram privatizados ainda no governo de Margaret Thatcher, no final do século 20.
É particularmente preocupante que o modelo de repartição de lucros proposto para o estado de São Paulo não contemple nenhum mecanismo que garanta a aplicação dos recursos obtidos no próprio saneamento. Os riscos de uma privatização seguindo os moldes propostos embutem diversos pontos frágeis, como a regulação ineficiente, mudanças nos contratos com organismos multilaterais – com provável impacto no Projeto de Despoluição do Rio Tietê –, enfraquecimento da governança e da participação da sociedade civil, falta de transparência e judicialização. Riscos a que poderão ser submetidos cerca de 70% da população urbana do estado e os diversos municípios paulistas.
Ao lado de outros representantes da sociedade civil, a SOS Mata Atlântica, que há mais de 30 anos monitora a qualidade da água de rios e mananciais que abastecem os lares brasileiros, seguirá acompanhando de perto todo o processo de privatização da Sabesp e a criação da agência reguladora.
Agora vale lembrar que a decisão sobre o caminho a seguir permanece nas mãos dos municípios, que possuem a titularidade do saneamento. Mesmo com a privatização consumada, prefeitos, prefeitas e vereadores podem propor a negociação dos termos do contrato de acordo com as necessidades locais.
Diante das incertezas e da urgente necessidade de tratarmos a água de forma estratégica para resiliência de nossas cidades, é imperativo questionar como as candidaturas a prefeituras e câmaras municipais vão assumir essa questão. A nós, eleitores, é preciso atenção redobrada ao escolher em quem depositar o voto. Na hora de apertar “confirma” na urna eletrônica, vamos pensar nos compromissos com a água.