O STJ e os novos delineamentos do dever de revelação

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Em 18 de junho de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro proferiu decisão de grande importância à discussão sobre os limites do dever de revelação dos árbitros, o que pode contribuir para a segurança jurídica e maior previsibilidade no maior mercado de arbitragem latino-americano.

O recurso julgado pela Corte Superior (Recurso Especial 2.101.901-SP) tem como objeto o pleito de anulação de uma sentença arbitral em razão de alegada violação ao dever de revelação do árbitro e suspeita de parcialidade (circunstâncias previstas pelo art. 32, II, da Lei de Arbitragem e pelo art. 493 do Código de Processo Civil).

Em resumo, a ação foi movida pela parte derrotada de uma arbitragem, na qual foi condenada ao pagamento de aproximadamente R$ 4,2 milhões. Somente após a prolação da sentença, a parte derrotada pleiteou sua anulação, alegando que: (i) o árbitro, ao responder o questionário para verificação de conflitos, omitiu sua atuação prévia em tribunais arbitrais; e (ii) que também omitiu que o escritório de advocacia do qual faz parte prestava serviços à determinada empresa, parceira comercial da parte vencedora na arbitragem.

Ações como essa não são novidade no Brasil. Apesar da utilização expressiva da arbitragem, o país tem prática de arbitragem recente, se comparada com outros centros internacionais. Em razão disso, ao longo dos últimos anos, houve um aumento no número de procedimentos arbitrais, câmaras e de profissionais (advogados e árbitros) que atuam na área. E lógico, com a popularização da arbitragem, algumas crises se instalaram.

Uma vez que a arbitragem não permite recurso, a parte derrotada tentará anular a sentença arbitral pelo elo mais fraco da corrente: o árbitro, submetido a deveres de imparcialidade de grande delicadeza. Assim, observou-se uma crescente de ajuizamento de ações anulatórias que, ainda que tenham sido julgadas improcedentes em sua grande maioria (aproximadamente 78%, de acordo com pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria), representam elemento de insegurança ao empresariado, principal cliente da arbitragem brasileira.

A insegurança se verifica à medida que a legislação brasileira não apresenta limites objetivos sobre o conteúdo da revelação do árbitro (o tema também foi abordado aqui). O art. 14, § 1º, da Lei de Arbitragem Brasileira, determina que as pessoas indicadas para atuar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. Essa norma pode soar familiar para os leitores mais atentos, dada sua forte inspiração no art. 12 (1) da Lei Modelo UNCITRAL.

O termo “dúvida justificada”, presente na Lei de Arbitragem Brasileira e na Lei Modelo UNCITRAL traz consigo elevado nível de subjetividade. Afinal, como pode o árbitro saber quais informações são sensíveis para cada uma das partes?

É justamente esse exercício hipotético, a partir da perspectiva de um observador interessado, que deve ser conduzido pelo árbitro. O intuito é que ele reflita, a partir de suas experiências pessoais, acadêmicas e profissionais, sobre a existência de elementos que, na perspectiva do litigante, poderão indicar um possível conflito de interesses.

Independentemente da diligência do árbitro, a parte derrotada na arbitragem pode, sem grandes dificuldades, criar narrativas a partir de fatos não revelados para solicitar a anulação da sentença arbitral. Os tribunais brasileiros já se depararam com situações absurdas, como a alegação de parcialidade do árbitro que tinha o advogado de uma das partes adicionado em suas redes sociais e do árbitro que dava aula na mesma universidade que outro causídico. A realidade é que sempre há argumentos para se pleitear a anulação da sentença arbitral, por mais irrazoável que pareça aos praticantes da arbitragem.

A recente decisão do STJ impõe limites à essa litigância exagerada, em defesa da arbitragem no Brasil.

Por meio dessa decisão, a Corte se alinhou às diretrizes da International Bar Association (IBA), e afirmou que a violação do dever de revelação, por si só, é insuficiente para comprometer a atuação do árbitro, sendo necessário que o juiz avalie se a omissão afeta a imparcialidade e independência do profissional. Em outras palavras, os juízes deverão analisar se o fato não revelado pode efetivamente macular a sentença arbitral já proferida, uma vez que o abalo na confiança da parte não constitui elemento autônomo para anulação do laudo.

Por fim, a Corte determinou que, em atenção ao dever de boa-fé e cooperação entre as partes, bem como da excepcionalidade da ação anulatória de sentença arbitral, se espera que as partes resolvam suas insatisfações relativas ao dever de revelação durante a arbitragem. A decisão reconheceu que o ônus da revelação não se impõe apenas aos árbitros eleitos, mas também às partes contratantes, que devem suscitar questionamentos na primeira oportunidade possível.

A decisão também reforça a proibição de “nulidades de algibeira”, uma vez que a própria Lei de Arbitragem determina em seu art. 20 que a parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar.

A conclusão é otimista. A decisão analisada, que trata de maneira acertada e profunda sobre o dever de revelação, poderá balizar o entendimento dos tribunais estaduais brasileiros e frear o ajuizamento de ações anulatórias infundadas, aumentando ainda mais os níveis de segurança, previsibilidade e eficiência da arbitragem brasileira.

Decisões como essa tornam claro que a arbitragem tem se consolidado no Brasil como meio adequado e eficiente de solução de controvérsias, e está completamente alinhada às necessidades contemporâneas do mercado global.

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