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Uma das principais apostas do Brasil para atingir suas metas nacionais de descarbonização está no incentivo aos biocombustíveis e à geração sustentável de energia. Nessa toada, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei do Combustível do Futuro em março – com grande aceitação pelos parlamentares, somando 429 votos a favor, 19 contra e três abstenções. Agora, a proposta segue para apreciação do Senado.
Entre os principais pontos do texto aprovado, está o aumento da mistura de etanol à gasolina comum. Atualmente, essa porcentagem está entre o mínimo de 18% e o máximo de 27,5% de etanol anidro, com perspectiva de ampliar a proporção de 22% a 35%, desde que constatada a viabilidade técnica da autorização.
O incentivo ao uso do etanol, como forma de transição aos combustíveis fósseis, recebe atenção pelo seu potencial em reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Dados da Low Carbon Fuel Standard, do California Air Resources Board (CARB), estimam que o etanol produzido com cana-de-açúcar emite quase 90% menos CO2 em comparação à gasolina.
O que o PL diz sobre o etanol
Apresentado ao Congresso pelo Executivo em setembro do ano passado – e depois apensado ao projeto de lei 528/2020 –, o PL do Combustível do Futuro foi aprovado pelo plenário da Câmara no dia 13 de março e agora segue para o Senado.
O projeto integra a chamada “agenda verde”, considerada uma prioridade pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e pelo governo federal – ainda mais com o Brasil na presidência da G20 neste ano e já escolhido como anfitrião da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 30) em 2025.
Com intuito de promover a mobilidade sustentável de baixo carbono, a iniciativa dispõe sobre o estímulo aos combustíveis de baixo carbono no Brasil. Além do etanol, o projeto também prevê novas regras para outros biocombustíveis, como o biodiesel e o diesel verde.
O texto aprovado pela Câmara foi mais ambicioso do que o projeto enviado pelo Executivo, que previa o limite máximo de mistura em 30%. O relator da proposta, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), incluiu em seu parecer a possibilidade de ampliação da mistura obrigatória de etanol em até 35%.
Se aprovada, a lei definirá os percentuais mínimos e máximos das misturas dos biocombustíveis aos combustíveis fósseis. Mas, na prática, estará sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), vinculado ao Ministério de Minas e Energia, como será feita a execução dessa política.
Etanol: vantagens e desafios
O etanol é um combustível renovável e de origem vegetal. No Brasil, esse biocombustível tem origem na cana-de-açúcar e, mais recentemente, no milho. Já os combustíveis fósseis, como a gasolina, são formados a partir de decomposição de matéria orgânica. Dessa forma, liberam não só dióxido de carbono, como também outros gases de efeito estufa.
Segundo o governo, o que se espera com políticas de incentivo ao etanol é uma redução mais profunda das emissões brasileiras advindas da energia e do transporte. Esse potencial já foi mensurado pela própria experiência brasileira com o uso desse biocombustível: o setor estima que cerca de 660 milhões de toneladas de gases de efeito estufa deixaram de ser emitidas para a atmosfera entre 2003, com o início dos carros flex (que podem ser abastecidos com etanol ou gasolina, em qualquer proporção) no Brasil, e 2023.
Entre os efeitos esperados com o PL do Combustível do Futuro, além do aumento do uso de combustíveis menos poluentes, há a expectativa de que o aumento dos percentuais do etanol à gasolina ajude a elevar a octanagem do combustível brasileiro – o que é capaz de melhorar o desempenho do motor, com potencial para rodar mais quilômetros por litro de combustível, enquanto preserva os componentes do automóvel.
Uma das principais inovações do PL diz respeito à análise do ciclo de vida dos combustíveis. “Na mobilidade, o Programa incorpora a avaliação de ciclo de vida para mensurar a redução de emissões de gases de efeito estufa por quilômetro rodado, estabelecendo uma diretriz tecnicamente fundamentada para as inovações em curso, com garantia de neutralidade tecnológica”, explica Luciano Rodrigues, diretor de Inteligência Setorial da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia).
Em relação a potenciais efeitos no preço dos combustíveis, Nathália Weber, engenheira de petróleo e doutora em Engenharia Mecânica de Energia e Fluídos pela USP, não acredita que o comprador final será impactado significativamente pela mudança. Já o relatório do PL defende que o aumento da mistura, ao invés de encarecer o preço da gasolina ao consumidor, poderia barateá-lo.
Weber enxerga o aumento do percentual como capaz de repercutir positivamente na cadeia de produção do combustível renovável. “É possível prever a expansão da cadeia de valor da produção do etanol. Além disso, há mais previsibilidade em relação ao crescimento da demanda, de forma que os produtores em toda a cadeia conseguem planejar a expansão e a distribuição desse combustível”, afirma.
Evidentemente, a demanda deve ser impactada, e a especialista ainda prevê um possível efeito na geração de renda decorrente da medida: “O setor tem muito a se desenvolver a partir dessas tecnologias, com impacto social esperado na expansão desse mercado, que gera muitos empregos e integra parte significativa do PIB brasileiro”, pontua a engenheira.
O PL associa outras iniciativas à produção de biocombustíveis para reduzir ainda mais as emissões de gases de efeito estufa pelo setor energético – já que, mesmo as alternativas mais sustentáveis, não são neutras em carbono e podem ter emissões associadas, como com mudanças no uso da terra para a produção de matéria-prima. Algumas das ações são relativas a tecnologias de captura e armazenamento de carbono. “Elas são fundamentais para o cumprimento das nossas metas climáticas mundiais, seja no Brasil ou no mundo”, explica Weber.
“O benefício ambiental vai além da tecnologia dessa captura, caminha a longo prazo para uma linha de substituição de combustíveis fósseis por renováveis”
Nathália Weber, engenheira de petróleo
Do passado ao futuro
O Brasil se tornou referência no desenvolvimento de biocombustíveis com o etanol, que ganhou protagonismo no país com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) a partir da década de 1970. Na época, a tecnologia permitiu ao Brasil enfrentar uma crise que impactou o preço da gasolina.
“Na época, houve dois choques do petróleo: em 1973 e 1979, em que o preço do petróleo dobrou em cada um desses momentos. Ao restringir a oferta, houve o aumento do preço e houve uma necessidade de criar uma alternativa à gasolina. Nesse contexto, o Brasil investiu no etanol”, resume Luciano Nakabashi, professor de Economia da USP em Ribeirão Preto (SP).
Ainda que o país tivesse uma base mais forte energética de fontes renováveis, como as provenientes das hidrelétricas, o combustível utilizado para o transporte havia grande dependência de fontes fósseis.
“O governo criou o Proálcool e forneceu incentivos fiscais e taxas de juros subsidiadas para o etanol. Esses benefícios ajudaram a desenvolver a produção do etanol e de motores movidos a esse combustível no país”, diz Nakabashi.
No passado, o etanol foi impulsionado no Brasil devido a um problema de segurança energética, mas hoje tem um posto de importância ambiental significativa, elucida Weber: “A discussão desse combustível é favorável no Brasil, principalmente devido à disponibilidade de terras do país para a produção de matéria-prima. Isso não funciona da mesma forma em alguns outros países, que têm uma limitação de área maior”.
Instituída com o objetivo de reduzir a intensidade de carbono da matriz brasileira de combustível, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) já estabelece o desmatamento zero no cultivo de matéria-prima, além de reconhecer o papel estratégico dos biocombustíveis na economia brasileira. Portanto, a expansão das lavouras tende a ocorrer com a recuperação de áreas de pastagens degradadas, que se alia à implementação de tecnologias focadas em aumentar a produtividade.
Esse histórico permitiu ao país ter a experiência necessária para, atualmente diante da urgência da crise climática, largar na frente na corrida dos biocombustíveis. Contudo, incentivos à evolução do produto – para reduzir a pegada de carbono e também a eficiência – precisam ser constantes.
O Projeto de Lei Combustível do Futuro, em tramitação no Congresso, é mais uma demonstração do alinhamento do país com as grandes questões globais, como o enfrentamento às mudanças climáticas.
Em setembro passado, por exemplo, foi lançada a Aliança Global para os Biocombustíveis durante o G20, em Nova Deli, na Índia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava presente na cerimônia que firmou o acordo entre 19 países e 12 organizações internacionais. Além do Brasil, os Estados Unidos, outro gigante produtor de biocombustíveis, também aderiram à aliança.
Essas podem ser oportunidades importantes para o país, inclusive em contexto internacional, na visão de especialistas. “Temos inovações tecnológicas importantes, como o etanol de segunda geração, que pressupõe o uso de um resíduo da produção de etanol para aumentar a sua própria produção. Temos movimentações políticas importantes, que juntas montam um cenário bastante favorável no Brasil para o avanço do setor de maneira geral”, avalia Weber.