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Após as eleições de 28 de julho, a crise na Venezuela caminha para um novo patamar. Se alguns ainda resistiam em aplicar a Nicolás Maduro a alcunha de ditador, agora a dúvida só pode existir entre os cegos que não querem ver. Após um processo com notórias evidências de fraude, no qual o regime no poder negou a transparência necessária que garante a legitimidade das eleições, o governo venezuelano, junto ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) — aparelhado pelos chavistas, diga-se de passagem —, anunciou a vitória de Maduro, com 51% dos votos, contra Edmundo González, 44% dos votos, demonstrando que não tem qualquer intenção de realizar um transição democrática no país.
Entre os apoiadores de Maduro encontram-se setores da esquerda brasileira que, ainda atrelados a uma mentalidade típica da Guerra Fria, relativizam ditaduras que fazem frente ao chamado imperialismo norte-americano. São os mesmos setores que também argumentam que Maduro conta com apoio de boa parte da população, o que confirmaria o resultado do pleito. De fato, o chavismo ainda desfruta de ampla aceitação na Venezuela, principalmente entre as camadas menos abastadas.
Porém, nada disso justifica as contradições que emergem de duas perguntas fundamentais: por que o governo venezuelano não apresenta as atas eleitorais? Se o fizer, os documentos apresentados serão fidedignos? Afinal, diante das evidências de fraude, sugeridas inclusive por estudos acadêmicos, Maduro não terá outra saída senão deixar o poder caso apresente os verdadeiros registros de votação.
Quando se analisa a postura de Maduro frente ao Acordo de Barbados, pautado na libertação de presos políticos e na promessa de eleições livres na Venezuela, o que se observa é um misto de cinismo e desdém para com os outros países firmantes, tais como Estados Unidos e Brasil. Enquanto Washington se prontificou a reconhecer a vitória de González, o Brasil adotou uma postura mais moderada, aliando-se ao México e à Colômbia na cobrança pela divulgação das atas eleitorais. Outros países da América Latina, liderados pela Argentina, decidiram cortar relações com a Venezuela.
Fato é que a Venezuela havia se tornado uma bomba-relógio na política internacional latino-americana, e agora a situação atinge níveis muito delicados. Celso Amorim, assessor especial de Lula, que vem tomando a frente nas negociações com o país vizinho, disse temer o agravamento dos conflitos, afirmando que tudo deve ser avaliado com cuidado. Amorim busca um equilíbrio delicado, tentando contornar problemas causados por falas descuidadas de Lula — que a princípio relativizou a gravidade da situação — e, principalmente, pela nota publicada pelo PT, que reconhecia a vitória de Maduro.
A semana que se inicia tende a ser decisiva para a situação da Venezuela e para que o governo brasileiro tome uma decisão. Em um jogo ensaiado, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, também atrelado ao chavismo, disse que começou a analisar as atas não apresentadas e que não caberá recursos à sua decisão. Enquanto isso, a perseguição à oposição não só continua — com prisões e repressão de manifestações —, como tende a piorar.
Ao passo que a ditadura venezuelana fica cada vez mais escancarada, sendo tratada como tal por outros países, resta a Maduro — caso queira se manter no poder — apenas o cinismo de negar publicamente seu autoritarismo enquanto suas ações indicam abertamente o contrário. É nesse cinismo que as palavras se esvaziam de sentido frente à materialidade de corpos venezuelanos atingidos, confinados e exilados pela ditadura venezuelana.
Nessa altura dos fatos, Lula e Amorim sabem que as tais atas não serão mostradas, ou, caso o sejam, provavelmente estarão alteradas. A estratégia do governo brasileiro parece ser a de ganhar tempo, demonstrando que teve toda a tolerância possível com Maduro. O presidente brasileiro apresenta uma posição ambígua, evitando se comprometer tanto com os que acusam Maduro quanto com os que o defendem.
De qualquer forma, o governo brasileiro deve ter em vista que Maduro é indefensável e que setores democratas liberais brasileiros veem no ditador a outra face de Jair Bolsonaro. Lula se elegeu não só como representante da população brasileira, mas também da democracia. A ditadura de Maduro é o fio da navalha sobre a qual Lula caminha.
Caso Lula tome a equivocada decisão de reconhecer as eleições de Maduro, as contradições internas de sua representatividade podem se tornar irreconciliáveis. A alternativa mais provável, no entanto, é que Lula e Amorim busquem na crise iminente uma oportunidade de o Brasil assumir um lugar de destaque nas negociações de uma possível transição, retomando parte do protagonismo perdido durante o governo Bolsonaro. Falta combinar com Maduro e com a oposição brasileira, que percebeu que nos dias atuais a efemeridade das imagens vale tanto quanto — ou mais que — a materialidade das relações.