Atividade normativa da administração pública no Brasil

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Patrícia Pessoa defendeu a obrigatoriedade do uso da Análise de Impacto Regulatório (AIR) por todos os órgãos e entes da administração púbica. O artigo, certeiro, me fez refletir sobre a atual e insuficiente disciplina da atividade normativa da administração pública no Brasil. Ao menos em parte, incertezas acerca do uso da AIR se devem à falta de um tratamento sistemático do processo normativo e a proposta de reforma da lei de processo administrativo federal não enfrenta o problema.

O tratamento legal da atividade normativa da administração federal é incremental e fragmentado, além de errático e confuso. Existe, atualmente, ao menos quatro tipos de processo normativo, os quais variam em razão de características institucionais dos entes.

Se a unidade de análise for uma agência reguladora federal listada na Lei 13.848/19, o processo normativo incluirá a obrigatoriedade de realização de agenda regulatória, de AIR para a elaboração de minuta normativa e de consulta pública para discutir a proposta de norma. Se o ente não estiver na lista, mas tiver poder normativo, o processo não dependerá de agenda regulatória, exigirá AIR nas mesmas circunstâncias previstas no primeiro caso e dependerá de consulta pública.

Um terceiro tipo se aplica ao Presidente da República, que para editar decretos não se sujeita a nenhuma dessas exigências, embora tenha o dever de analisar as consequências desses atos normativos, em uma espécie de AIR simplificada (Decreto 12.002/24). Há, ainda, um quarto tipo aplicável apenas aos conselhos com poder normativo (e.g. Conama), cujos procedimentos são estabelecidos ad hoc por normas previstas em seus próprios regimentos.

À primeira vista, estaria havendo uma convergência entre as modalidades de processo normativo, especialmente entre as duas primeiras. O problema, no entanto, é que muitos entes da administração pública federal, apesar de exercerem atividade normativa, alegam não produzir normas “regulatórias”, fato que os excluiria da sujeição ao processo normativo de segundo tipo.

Diante de tamanha incerteza, é urgente uma disciplina processual adequada para a atividade normativa da administração. A proposta de reforma com mais chances de prosperar, que cristaliza na lei de processo administrativo a obrigatoriedade de AIR para toda a administração, é importante, porém insuficiente.

Uma disciplina de processo normativo adequada deve, antes de tudo, ser muito clara acerca dos seus destinatários – do contrário, os entes seguirão esquivando-se dela. Essa lei deve estabelecer as circunstâncias em que pode ser iniciado um processo normativo – se de ofício ou também a pedido de interessado.

Deve, além disso, discorrer sobre o grau de formalidade dos mecanismos de participação social obrigatórios do processo normativo, além de estabelecer exigências de impessoalidade e moralidade para os mecanismos de participação não obrigatórios, essenciais nos estágios iniciais do processo normativo. Deve, por fim, definir o nível de robustez das análises de consequências das propostas normativas em consonância com sua complexidade e potencial impacto.

Exigências de racionalidade ancoradas na AIR certamente devem ser contempladas, mas se a lei não estabelecer regras muito mais claras do que as hoje existentes sobre se, quando e como deverão ser aplicadas, o Poder Judiciário, em pouco tempo, passará a fazê-lo.

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