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Os litígios tributários são vistos como os vilões da morosidade da Justiça brasileira. Além disso, os processos de execução são os principais responsáveis pelo congestionamento do Judiciário, totalizando 35% dos casos pendentes. Hoje a dívida ativa da União – o conjunto de débitos não pagos no prazo legal – já chega a R$ 2,6 trilhões .O cenário é ainda mais desanimador quando se considera que a taxa de recuperação dos créditos tributários nas três esferas é de 1,0% a 1,5%, em média.
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Mas pode haver luz no fim do túnel com estratégias diversas, desde a aproximação com procuradorias até uso de inteligência artificial, conforme apontaram especialistas no Congresso de Dívida Ativa, organizado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional na última terça-feira (13/8) em Brasília.
Na mesa de abertura, a ministra do Planejamento e do Orçamento, Simone Tebet, disse que o grande desafio da pasta “é mostrar que a cobrança da dívida ativa não é um fim em si mesmo, mas um meio para que possamos arrecadar os recursos necessários, aquilo que é de direito da sociedade brasileira”. O retorno obtido pela Procuradoria em 2024 já é R$ 9 bilhões maior do que o do ano passado, segundo ela.
A arrecadação vem em uma crescente desde 2022, quando o modelo de acordos de transação entrou em vigor. A modalidade, que permite que contribuintes que se encaixam em determinadas condições regularizem sua situação, tanto via editais em lotes quanto de forma individual, já era prevista no Código Tributário Nacional, mas só foi regulamentada com o empurrão da crise da pandemia.
No primeiro ano do novo modelo, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional arrecadou R$ 39,1 bilhões inscritos em dívida ativa – dos quais R$ 14,1 bilhões foram resultado de acordos de transação. Em 2023, o total foi de R$ 48 bilhões. Este ano, a meta é aumentar o número para R$ 60 bilhões, segundo Manoel Tavares de Menezes Netto, assessor especial da PGFN.
Para conduzir as transações seguindo os princípios de isonomia tributária e impessoalidade, é utilizado o critério de capacidade de pagamento, um cálculo que utiliza certas fórmulas e variáveis para entender o perfil socioeconômico do devedor. “De 2,7 milhões de transações, tivemos apenas 2.400 pedidos de revisão. Isso mostra que isso tem dado muito certo”, diz Anelize de Almeida, procuradora-geral da Fazenda.
Mas ainda há necessidade de aperfeiçoamentos – a avaliação da capacidade de pagamento é feita do ponto de vista federal, isto é, não há dados sobre eventuais pendências na esfera municipal ou estadual. “É necessário garantir a segurança jurídica desses acordos de refinanciamento customizados. Isso tem de ser discutido no Judiciário como políticas públicas”, diz Almeida.
Padronização do lançamento de débito em dívida ativa
Durante o Congresso, o Procurador-Geral Adjunto da Dívida Ativa da União e do FGTS, João Grognet, lançou artigo com o coordenador-geral de dívida ativa, Theo Lucas Dias, no qual defende padronização entre os diferentes entes da federação para o lançamento de débitos em dívida ativa, de forma a facilitar cobrança e arrecadação. “Precisamos, com a formulação de ciência, mostrar a tecnicidade da gestão de ativos inscritos em dívida ativa”, disse. “A política pública da gestão é algo que precisa ser profissionalizado”. O texto faz parte de uma coletânea de 26 artigos sobre o tema.
Mesmo assim, o diálogo tem acontecido em outros níveis à medida que outras iniciativas semelhantes pipocam: em 2022, Porto Alegre aprovou a Lei de Mediação Tributária, que permite negociação semelhante ao acordo de transação, mas a nível municipal. Para os procedimentos, foram criadas duas câmaras de mediação tributária, uma na Procuradoria-Geral do Município e outra na Secretaria Municipal da Fazenda – para lidar com cobranças que ainda não foram judicializadas.
Já o estado de São Paulo aprovou uma nova lei de transação tributária em 2023, que inclui, além da expansão do número de parcelas do pagamento da dívida, a possibilidade de utilização de precatórios para desconto de até 75% do débito. O próximo edital previsto, segundo Inês Maria dos Santos Coimbra, procuradora-geral do Estado de São Paulo, deve ser sobre o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores). “A Procuradoria se propôs a fazer um grande trabalho de divulgação”, diz. Há um canal oficial para que o contribuinte pudesse dar sugestões sobre como o processo deveria ser. “O modelo de consensualidade é um jogo de dois, e se nós não estivermos abertos para ouvir o outro lado, a coisa não vai funcionar”.
A transação é apenas uma das modalidades de consensualidade, e há espaço para elaborar outras soluções, como os exemplos de estados e municípios mostram, afirma a procuradora. “Você muda a cultura, um paradigma para a cobrança humanizada, mas também falar de consensualidade no lançamento, no controle de legalidade, antes da execução fiscal e na própria execução fiscal”, diz.
“ChatPGFN”
Além da boa e velha conversa e troca de experiências, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também tem apostado em novidades tecnológicas para trazer mais eficiência na recuperação dos créditos. Um dos exemplos é o uso de inteligência artificial para, a partir de processos já classificados, ter uma sugestão de precedentes para processos ainda não classificados. Uma outra aplicação é um sistema que tem como entrada processos judiciais e uma estrutura específica de metadados – como partes envolvidas, temas, etc.
Além de um sumário com os metadados, o sistema também gera dois resumos, um maior e outro menor, para diferentes necessidades. “Usamos a IA para produtividade e velocidade, mas a decisão final é do ser humano”, diz Ronaldo Agra, líder de equipe de desenvolvimento do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), empresa vinculada ao Ministério da Fazenda.
E a expectativa para o futuro são as entregas do “ChatPGFN”, um projeto da PGFN em parceria com o Serpro, que utiliza o modelo open source Mistral. Ainda em desenvolvimento, a tecnologia já sumariza petições iniciais, mas a expectativa é que seja capaz de resumir pareceres e se tornar um assistente conversacional para os processos. “É claro que vamos entrar no mundo da IA generativa, mas com responsabilidade”, diz Daniel de Saboia Xavier, coordenador do Laboratório de Ciência de Dados e Inteligência Artificial da PGFN. “Não existe pretensão ou possibilidade de qualquer “GPT” da vida substituir todo esse trabalho que já foi feito por colegas para ferramentas de tecnologia de recuperação de créditos”.