Falas mais duras de membros do BC não surpreendem, diz David Beker do BofA

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As falas mais duras de Gabriel Galípolo, diretor de política monetária e favorito para presidir o Banco Central (BC) em 2025, e do presidente da instituição, Roberto Campos Neto, nas últimas semanas não surpreenderam e foram condizentes com o tom do comunicado da última ata do Copom. A avaliação é de David Beker, chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America (BofA). Para ele,  o comunicado da autoridade monetária em sua última decisão já se mostrava mais “hawkish” [tom mais duro com a inflação], o que foi reforçado na ata. 

Para o chefe do banco americano, esse discurso mais duro do BC e de seus líderes, combinado com um menor ruído no fiscal, é o que contribuiu para a recente valorização do câmbio, depois da piora nos últimos dois meses. 

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Na sua visão, com o câmbio apreciado novamente e voltando para baixo dos R$ 5,50, não seria correto subir os juros nesse momento. Beker tem como cenário-base uma manutenção da taxa básica de juros até o final deste ano. E acredita em retomada de cortes em 2025. 

Na seara fiscal, o chefe de economia do banco avalia que, se não conseguir cumprir a meta fiscal, o governo alcançará um déficit pequeno, próximo do limite previsto. Ele enxerga o governo comprometido com o arcabouço fiscal e empenhado em buscar as metas no curto prazo. Porém, explica, esse desempenho ainda está muito aquém do superávit primário necessário para estabilizar a dívida, que ele calcula em 2% do PIB. 

A entrevista é a quinta da série “cenário macroeconômico” que o JOTA tem publicado semanalmente. Confira abaixo os principais pontos:

Expectativa sobre a taxa de juros

Embora a curva de juros precifique alta, nosso cenário-base é de manutenção da taxa Selic neste ano. Não tenho expectativa de alta e tenho de cortes no ano que vem. Mas para isso, não podemos cometer nenhum erro de política econômica. Depende muito do externo também. Parte dos cortes vem de um cenário em que o Federal Reserve (FED) vai iniciar um processo de redução de juros de 0,25% em setembro e outro no final do ano. Então, com esse cenário somado à estabilização, declínio das expectativas, a inflação provavelmente vai caindo com o tempo, estou mais confortável com meu call do que eu estava há uma semana, quando o câmbio não parava de desvalorizar.

Nossa estimativa de juros neutro é acima da do BC. Consideramos 5,5% de juro real neutro. E, na nossa estimativa, o juro está acima do neutro. Na nossa visão, isso já é suficiente para gerar uma conversão para inflação na meta ao longo do tempo. Nesse momento que o câmbio voltou para baixo de R$ 5,50, eu não acho que a decisão correta nesse momento seja subir juros. Agora, se o câmbio voltar a depreciar, o cenário pode mudar. Mas com o cenário de hoje, com câmbio apreciando, não acho. Muito vai depender do fiscal. O ruído caiu bastante.

Não só a gente viu um discurso mais duro dos diretores do BC nos últimos dias, mas a comunicação do BC foi mais hawkish. Tivemos um comunicado que o mercado leu como dovish [tom mais suave em relação à inflação], mas a nossa leitura desse comunicado, em relação ao anterior, era mais hawkish e depois veio a minuta [ata] e ficou sem margem para dúvida.

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Então, formalmente falando, a comunicação do BC já estava mais dura também. E, no limite, as declarações do Galípolo e do próprio Campos Neto são consistentes com essa comunicação mais dura. O que acontecia antes é que o mercado não esperava ou não tinha ouvido o Galípolo nesse tom mais duro. Mas dado que o BC mudou a comunicação porque viu uma necessidade, faz sentido que as declarações venham nessa direção. E se lembrarmos o que estava escrito na minuta, falava que vários membros do Copom já viam muitos riscos para cima na inflação, e agora nos últimos dias sobre a assimetria do balanço de riscos.

Basicamente temos um perfect storm [tempestade perfeita] positivo. Menos ruído no fiscal, um discurso mais hawkish do BC e aí, se você tem um câmbio que aprecia, que já está em R$ 5,45 hoje (a entrevista foi realizada em 13 de agosto), isso significa maior chance de a expectativa de inflação estabilizar e, ao caírem, menor a chance de aumento de juros.

Se vai ter aumento de juros ao longo do tempo, vai depender da evolução dos cenários, como se tem um câmbio mais apreciado, e essa barreira dos R$ 5,50 é importante.

Próximo Banco Central

O Banco Central no Brasil tem construído uma história de credibilidade nos últimos anos. Mesmo antes da independência, os presidentes davam autonomia operacional para o BC focar em atingir seus objetivos. Então eu assumo que o BC, mesmo depois da transição, vai fazer o que for preciso para trazer a inflação para a meta. É uma instituição crível e, no limite, a pessoa sentada na cadeira tem um mandato. Se precisar, para cumprir o mandato, subir juros, vão subir. Vejo uma instituição com credibilidade, um BC independente, que é uma coisa positiva, temos um corpo bastante técnico. Então o BC vai continuar fazendo o que tem que ser feito para trazer a inflação para meta.

Sobre a sucessão, eu não tenho uma aposta, acompanho as notícias, que dão a entender que Galípolo é o favorito, mas o que ele falou [no evento em 8 de agosto] não me surpreendeu, falou o que tinha que ser falado. O BC está fazendo o que tem que ser feito. Ainda não temos os elementos para concluir que o BC precisa subir juros. Talvez o mercado não esperasse que ele [Galípolo] falasse o que falou, mas foi consistente com a comunicação do BC.

E a reação do mercado não é só por isso, você também tinha um nível de valuation e de ativos reprimido, uma posição técnica do mercado, então você está combinando tudo, uma mudança de discurso do BC, com menos ruído fiscal, com um câmbio depreciado, e mudança na posição técnica no mercado. Essa confluência de fatores fez com que a gente pudesse ver esse movimento relativamente rápido de volta dos preços dos ativos, em particular a moeda.

Intervenção no câmbio

Historicamente, o câmbio sempre teve que preencher uma série de condições para o BC intervir. O Real, de fato, tem operado descolado de outras moedas, mas não tem tido um comportamento disfuncional do mercado. A intervenção normalmente é bem sucedida quando acontece em um nível no qual a moeda já está claramente desvalorizada e não performando em relação aos pares. E, para ser efetiva [a intervenção], você tem que acompanhá-la por uma mudança de fundamentos.

Então o cenário ideal para intervenção seria se anunciam uma medida grande para o fiscal e combinar com câmbio realmente distorcido. O BC tem que ser cuidadoso nessa tomada de decisão. É um processo de gestão e essas discussões são boas. Significa que o BC está vendo se existe a real necessidade ou não. Chegamos a um dólar em R$ 5,80, agora está em R$ 5,50 e não teve intervenção. Então vai intervir agora? Você vai jogar o câmbio, que já está em movimento de apreciação, existe a necessidade nesse momento de intervir?

Política fiscal

O ruído caiu bastante, porque estamos em esforço concentrado, eleições municipais, não sei qual a explicação. Mas a queda do ruído, o falar menos, o corte já anunciado (que o mercado num primeiro momento não recebeu bem), não temos tido grandes notícias no âmbito fiscal e não ter notícias é melhor do que ter notícias ruins.

Mas eu gosto de separar o fiscal em curto, médio e longo prazo. Há um problema estrutural nele. A discussão de curto prazo é se vamos cumprir a meta. Temos um novo arcabouço que, mesmo se entregar um resultado [perto] de zero, que é a meta, ou um déficit pequeno (nossa projeção), ainda está muito aquém do superávit primário para estabilizar a dívida.

Não estou querendo menosprezar a discussão de curto prazo, mas, no limite, para conseguir atingir uma estabilização da dívida/PIB precisamos gerar muito primário e isso vai demorar. Essa é um pouco a preocupação de longo prazo. Pelas metas, ainda vai demorar muito para conseguir pelo menos 2% de PIB de superávit primário.

Ainda, no curto prazo,  quando olhamos o tamanho do déficit fiscal que o Brasil está gerando ou se comprometendo a gerar, ele é até muito melhor do que muitos países que a gente acompanha, mas não é suficiente para o objetivo final que seria a estabilidade da dívida.

Corte de gastos e meta fiscal

A gente não esperava um corte grande. O governo está mostrando que quer fazer o que for necessário para cumprir as metas. O discurso da equipe econômica não mudou. Eles sempre reforçam que vão tentar. O mercado fala que é difícil. Sim, cumprir a meta é um desafio constante. Nossa visão é que se não conseguirem cumprir, vão ficar muito próximos. Vejo um governo comprometido com essas metas.

Dito isso, o ajuste vai continuar vindo muito mais do lado da receita do que da despesa. Então se o mercado tinha a expectativa de um grande ajuste do lado da despesa, não sei se tinha, acho que não, pelo menos não deveria, já que desde o começo ficou claro pelos anúncios do governo que não ia ter.

Não podemos esquecer que há um primário, um déficit pequeno, mas a dinâmica do [déficit] nominal é o que acaba importando para a dívida. E aí o mercado está precificando alta de juros, então a discussão do monetário importa muito. A política fiscal e monetária estão muito interligadas.

Arcabouço fiscal

Teríamos que aperfeiçoar o arcabouço, criar as condições de cumprimento. Sabemos que tem uma indexação muito grande dos gastos com a receita e seria bom que o governo encarasse. No ano passado a discussão dessa possibilidade era zero, eu não acho que ainda é o cenário base, mas eu acredito que o governo está percebendo que esse crescimento desses gastos obrigatórios vai complicar a situação para o arcabouço. Então ele vai depender de o governo tomar alguma decisão sobre alguns gastos que têm uma representatividade importante no orçamento. É  difícil. mas, há seis meses, a chance de mexer que era perto de zero, agora está subindo.

Teremos constantemente a necessidade de medidas para fazer com que esse arcabouço seja cumprido. As dificuldades que o governo vai enfrentar tendem a crescer ao longo do tempo. É difícil hoje, vai continuar sendo, talvez seja mais difícil. E de novo, não só pela despesa, mas também pela receita. Os desafios para gerar mais receitas são cada vez maiores.

O que poderia ser feito, por exemplo, seria a desvinculação de alguns gastos em relação à receita, não queria citar gastos específicos. Mas, principalmente, a desvinculação do salário mínimo. É um tema muito delicado, tem argumentos para não desvincular, mas em termos de percepção fiscal, se não queremos mudar as regras de aumento do salário mínimo, a gente pode discutir desvincular algumas das despesas.

Em termos de estabilização, essas desvinculações seriam muito bem vistas, ajudariam a reduzir prêmio de risco. Mas não estamos nesse momento. Acho que esse tempo e essa vontade de fazer e essa chance de fazer depende muito das condições globais. Lembrando que quando o juro americano está muito alto, a barra sobe muito. Se eventualmente discutimos juros mais baixos, mas sem recessão americana, talvez a barra seja mais baixa. O externo é muito importante para avaliarmos qualquer tolerância do mercado ao fiscal do Brasil.

Reformas econômicas estruturais

Não podemos escapar de reformas estruturais. Há uma necessidade constante de fazermos entregas estruturais, como fizemos algumas muito importantes nos últimos anos com a reforma da previdência, reforma trabalhista e independência do BC. 

Esse governo, por exemplo, está perseguindo a reforma tributária, uma discussão que temos há décadas. Essa reforma vai resolver o fiscal? Não, e não é o objetivo. Mas pode melhorar a produtividade e aumentar o potencial ao longo do tempo. Não vai acontecer no curto prazo, mas é uma reforma necessária para reduzir as distorções do sistema tributário brasileiro. Os impactos vão ser positivos, mas é um processo longo, vai demorar para conseguirmos capitalizar em cima. 

Teremos que ter uma nova reforma da Previdência. Desvinculação dos gastos, são coisas que vão ter que ser encaradas. A reforma da renda é uma coisa que o governo falou que ia fazer e está pendente.

Sobre uma eventual reforma da renda melhorar o ambiente econômico, depende  de qual vai ser feita. Vão colocar uma tributação de dividendos e compensar com redução na tributação das empresas do IR e PIS Cofins? Então se for uma reforma como acontece no mundo inteiro, de você reduzir a carga de IR nas empresas, talvez sim. Mas hoje não existe [uma reforma da renda].

Crescimento Econômico

Temos estado sempre com uma perspectiva mais otimista do que o mercado. Nós temos 2,7% de crescimento do PIB para esse ano. E para o ano que vem, 2,5%, também acima do consenso. Isso também ajuda um pouco na questão fiscal.

O PIB potencial estimamos em 2,2%. Algumas das mudanças estruturais que mencionei geraram um aumento de PIB potencial. O mercado de trabalho tem surpreendido para melhor nos últimos dois anos e o mercado esperava uma alta do desemprego que não aconteceu. Aparentemente a NAIRU [taxa de desemprego não aceleradora da inflação] do Brasil é menor do que estimam. 

Então, não acho que eu esteja vendo algo que ninguém está vendo, mas estamos incorporando nos nossos modelos que o PIB potencial é mais alto. Mas a discussão sempre é sobre o longo prazo. As discussões de política econômica vão nos dizer se esse 2.2% vai crescer ou vai cair, por isso é tão importante que a gente continue perseguindo reformas estruturais, fiscais, tudo isso que no final vai definir se temos capacidade como país de continuar aumentando nosso PIB potencial. 

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