Governança ESG na recuperação judicial de empresas

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Nos últimos anos, a pauta ESG de governança e gestão de empresas, projetos e investimentos é uma tendência cada vez mais presente nos setores público e privado. Trata-se de agenda relacionada às estratégias corporativas ligadas aos impactos ambientais, sociais e de governança nas organizações, em suas atividades econômicas e, em geral, na execução dos negócios.

Para o sucesso destas estratégias, os propósitos socioambientais e de boa governança corporativa deverão interagir e contribuir para o desempenho organizacional e também econômico, de modo a permitir a sustentabilidade e a resiliência da própria atividade empresarial, sem deixar de observar a sua função social e o interesse de suas partes interessadas (stakeholders).

Nesse sentido, toda e qualquer estratégia ESG corporativa, para que alcance seu êxito, precisa levar em conta esta dinâmica e sistêmica articulação entre os fatores ambientais, sociais e de governança e também os econômicos, a exemplo da prevenção e do controle em face dos riscos de prejuízos que exponham a organização à falência de sua estrutura e atividades.

Ao se pensar sobre o sistema de princípios, políticas e mecanismos que dirigem, monitoram e organizam uma empresa, claro é o papel da governança corporativa. Com o olhar da agenda ESG, este instituto assume dupla função: atua como estrutura-base ao gerenciamento dos fatores ambientais, sociais e organizacionais, e constitui eixo de desempenho da gestão empresarial.

A boa governança corporativa não apenas compõe uma das três dimensões da agenda ESG, inserida na letra “G”, como também, e sobretudo, representa o quadro fundamental para que o conjunto de ações ESG na empresa seja implementado e internalizado no “core business” e nos objetivos da organização, desde a liderança, composição de órgãos, tomadas de decisão e controles de transparência, integridade e compliance.

Em se tratando de recuperação judicial ou extrajudicial de empresas, os sistemas e mecanismos de boa governança corporativa são fundamentais para o sucesso da reativação da atividade empresarial. O tema tem destaque na reestruturação do negócio, na alocação eficiente de recursos e na quitação efetiva de débitos frente aos credores.

Tomando-se como exemplo o mecanismo do plano de recuperação, cujas funções principais são preservar a empresa, manter os empregos, os contratos existentes e as condições financeiras da organização, as estratégias de governança ESG demonstram grande vinculação, não só com o referido plano, como também com os objetivos gerais da recuperação empresarial.

Conforme os requisitos do art. 53 da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falências), todo o plano de recuperação de empresas necessita observar a discriminação detalhada dos meios de recuperação escolhidos, a viabilidade econômica de sua execução e a avaliação dos bens e ativos da empresa em recuperação.

Trata-se de mecanismo com impactos diretos na estrutura, atividades e nos interesses de acionistas, empregados, credores e demais partes interessadas no negócio. Tanto a concepção como a fiscalização e propriamente o êxito do plano deverão observar seus impactos sociais e de governança, potenciais ou concretos, gerados pelas ações e diretrizes deste instrumento.

Conforme seu regramento e aplicação, o plano de recuperação deve rever os processos decisórios e o exercício do poder de controle sobre a empresa em análise, reorientando questões intimamente ligadas ao eixo “G” de governança, fomentado pela agenda ESG.

Essa relação entre sistemas de governança corporativa efetivos, alinhados aos propósitos ESG, e a recuperação de empresas possui alguns exemplos recentes, como nos grandes casos de repercussão nacional e internacional, envolvendo as companhias Americanas[1] e Gol Linhas Aéreas[2].

No caso das Americanas, uma das maiores recuperações judiciais da história do país, há questões caras à boa governança e à agenda ESG, como nos controles internos e na prestação de contas e informações de gestão. Inclusive, há impactos causados a uma gama extensa de stakeholders, como investidores, empregados e rol significativo de fornecedores[3].

Nesse contexto, a governança corporativa, em especial a alinhada com propósitos e impactos ESG, tem uma dupla incidência em termos de recuperação empresarial: compõe o rol de causas à crise e à falência de empresas e também configura um dos meios de recuperá-las.

Se entre os propósitos da recuperação judicial está a manutenção dos negócios empresariais e de toda a cadeia de relações jurídicas, contratuais, econômicas e sociais existentes, a governança ESG é fator-chave ao seu êxito.

A implementação de medidas de boa governança é essencial não somente para o sucesso no cumprimento do plano de recuperação judicial ou extrajudicial, mas também para sua aprovação. Na medida em que os credores são, nos termos dos artigos 45 e 163 da Lei 11.101/2005, os responsáveis por aprovar ou rejeitar o plano proposto, o aumento da confiança na organização – consequência da adoção de estratégias ESG efetivas – é decisivo para que um número suficiente de interessados apoie o plano de reestruturação da empresa.

Dado que o plano de recuperação – judicial ou extrajudicial – almeja recuperar a atividade empresarial, todo o conjunto de interesses e impactos ESG, que se relacionam direta ou indiretamente com o negócio, estarão também dependentes do sucesso deste instrumento. Além disso, a própria homologação judicial do plano depende de requisitos de governança junto a credores, entre estes, os de natureza tributária, trabalhista, contratual, comercial e fiduciária de bens móveis ou imóveis, entre outros.

Para companhias e empresas em recuperação e que possuam dívidas junto à União Federal, casos recentes confirmam a especial incidência de iniciativas de governança com impactos ESG, na forma de contrapartidas em transações com a Fazenda Nacional[4], afirmando a relação destacada nesta análise.

Nessa perspectiva, a governança corporativa à luz da agenda ESG denota relação clara com a recuperação da atividade empresarial, em especial na aprovação, controle e conclusão dos planos de recuperação. Essa inter-relação tem destaque quando a falta da boa governança – relevante vetor ESG – é fator-chave à quebra e à falência de empresas e ao insucesso dos negócios em geral no mundo corporativo.

[1] UOL. Justiça aprova plano de recuperação da Americanas após fraude. 2024. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2024/02/26/justica-aprova-plano-de-recuperacao-da-americanas-apos-fraude.htm

[2] AGÊNCIA BRASIL. Em recuperação judicial, Gol tinha dívidas acima de R$ 20 bi em 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-01/em-recuperacao-judicial-gol-tinha-dividas-acima-de-r20-bi-em-2023

[3] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM. Atualização de informações relativas a fatos no âmbito da companhia aberta Americanas S.A. – Em Recuperação Judicial. 22.12.2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2023/atualizacao-de-informacoes-relativas-a-fatos-no-ambito-da-companhia-aberta-americanas-s-a-2013-em-recuperacao-judicial

[4] VALOR ECONÔMICO. Empresa reduz em 80% dívida com União com ações ESG. 02.10.2023. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/10/02/empresa-reduz-em-80-divida-com-uniao-com-acoes-esg.ghtml

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