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Mesmo com maioria formada pela constitucionalidade da concessão de benefícios fiscais a agrotóxicos no julgamento virtual no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro André Mendonça pediu destaque e, com isso, levará a discussão para o ambiente presencial. No plenário físico, os ministros podem manter ou mudar as decisões já proferidas no virtual. A discussão ocorre na ADI 5553.
O julgamento é extremamente complexo porque ultrapassou a fronteira da discussão meramente tributária. Estão em debate temas de proteção ao consumidor, direito à saúde, a defesa do meio ambiente, direitos dos trabalhadores, a produção agrícola nacional, o combate à fome e a competitividade das commodities brasileiras.
Cálculos apresentados nos autos pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), uma das participantes da ação no STF, mostram que o total de benefícios fiscais concedidos pela União aos agrotóxicos em 2017 se aproximou dos R$ 10 bilhões, sendo R$ 6,2 bilhões da desoneração de ICMS e R$ 1,7 bilhão do IPI, R$ 1,5 bilhão de contribuições sociais e R$ 472 milhões de Imposto de Importação – esses dois últimos não são objeto da ação. A Croplife Brasil, que também participa da ação, informou que a volta dos tributos deve onerar o setor em R$8,39 bilhões por ano.
Inclusive, o julgamento em ambiente virtual foi interrompido quatro vezes por pedidos de vista dos ministros Gilmar Mendes, André Mendonça, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
Votos
Embora a maioria dos ministros tenha se manifestado pela possibilidade dos estados concederem as benesses, há entendimentos diferentes mesmo entre as divergências apresentadas. Dessa forma, o cenário formado até a interrupção do julgamento estava assim: dois votos contra os incentivos tributários – essa posição é a do relator, Edson Fachin, e conta com o apoio da ministra Cármen Lúcia. As divergências são dos ministros Gilmar Mendes e André Mendonça.
O voto do relator, ministro Fachin, vai no sentido de que reduzir IPI e ICMS para agrotóxicos é contrário a direitos constitucionais basilares como a proteção ao meio ambiente e à saúde humana. O ministro também defende que os benefícios a essas substâncias ofendem à seletividade tributária do IPI e do ICMS.
Seletividade tributária é um princípio tributário que define que, quanto mais essencial um bem ou serviço, menor deve ser a sua alíquota, e vice-versa.
Fachin coloca na balança a atividade agropecuária e a competitividade agrícola brasileira versus a proteção ao meio ambiente e o direito à saúde. O relator exclui o argumento de que o fim dos incentivos fiscais aumentará o preço dos alimentos. Em seu voto, ele cita que o consumo de agrotóxicos no Brasil está concentrado em quatro commodities, cujo preço é determinado pelo mercado mundial, portanto, não depende da isenção dos tributos para os itens serem menos ou mais competitivos no mercado internacional.
O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista do processo em 2020, votou ao contrário de Fachin. Mendes entende que a concessão dos benefícios fiscais não viola o direito à saúde ou ao meio ambiente equilibrado. Segundo ele, eventual lesividade de um produto não retira o seu caráter essencial, a exemplo dos medicamentos.
Além disso, para ele, no Brasil já existem regras minuciosas para liberar o uso dessas substâncias de modo a garantir que os efeitos negativos sejam minorados e superados pelos benefícios de seu uso. Gilmar também lembra que o atual estágio de desenvolvimento técnico-científico não permite a completa eliminação dos agrotóxicos em um país de clima tropical e dimensões continentais como o Brasil. Por fim, na visão de Gilmar, o benefício deve ser analisado em relação às consequências que produz, qual seja, reduzir o preço dos alimentos.
Já o ministro André Mendonça abriu uma segunda divergência. Para o julgador, os incentivos não são “terminantemente inconstitucionais”. Por outro lado, Mendonça afirmou que, em sua visão, a adoção do critério de toxicidade e ecotoxicidade dos agrotóxicos para graduar as alíquotas estaria alinhada com os valores e princípios da Constituição. O magistrado disse, porém, que não caberia ao Poder Judiciário apontar a solução para o problema, “substituindo os agentes eleitos nas ruas”.
Assim, o ministro votou para fixar um prazo de 90 dias para que o Poder Executivo da União, quanto ao IPI, e o Poder Executivo dos Estados, com relação ao ICMS, promovam “ adequada e contemporânea avaliação dessa política fiscal, de modo a apresentar a esta Corte os limites temporais, o escopo, os custos e os resultados dela.”
A ação
A ADI 5553 foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contra as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio Confaz nº 100/1997, que preveem redução de 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais de agrotóxicos especificados, e alguns itens da Tabela do IPI do Decreto 7.660/2011, que concede isenção total do IPI sobre uma lista de agrotóxicos. Para o PSOL, as normas representam três violações à Constituição: o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à saúde e o princípio da seletividade.
Associações agropecuárias defendem a manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos para manter a produção de alimentos mais barata, pela competitividade da produção agrícola brasileira e evitar aumento de área plantada mantendo a mesma produtividade. Associações de consumidores, ambientais e de saúde coletiva defendem que desonerar agrotóxicos vai contra princípios constitucionais como o direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado.
A PGR se manifestou pela procedência da ação, ou seja, pelo fim das isenções aos agrotóxicos. Já a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu a constitucionalidade das desonerações e sustentou que a concessão dos incentivos fiscais não teria como efeito o estímulo à utilização indiscriminada dos agrotóxicos, mas apenas resultaria numa redução de custos de produção e, com isso, numa redução do preço dos alimentos ao consumidor. Afirmou ainda que existem legislações específicas discriminando o uso dos agrotóxicos no país.