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A apropriação de créditos de PIS e Cofins da não cumulatividade ou a dedução de despesas de IRPJ e CSLL, a depender da situação, pode ser encarado pela Receita Federal como infração à legislação tributária passível de punição mediante aplicação de multas por incorreções no cumprimento das obrigações acessórias, concomitantemente à glosa desses créditos/despesas.
Essa é a realidade enfrentada por vários contribuintes, ao se apropriarem de créditos de PIS e Cofins levados a registro na EFD-Contribuições, quando o agente fiscal entende não ser a despesa passível de apropriação do pretendido crédito.
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Também têm sido alvo de multas dessa natureza os contribuintes optantes pelo Lucro Real que promovem a quitação das estimativas mensais de IRPJ e CSLL via declarações de compensação, comumente acusados de incorreções no LALUR.
No que concerne à apuração do PIS e da Cofins pelo regime da não cumulatividade, é sabido que, anteriormente, vigoravam as Instruções Normativas da SRF 247/2002 e 404/2004, que instituíam restrições ao aproveitamento de créditos não previstas nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, em flagrante ofensa ao princípio da legalidade.
Concluído o julgamento do REsp 1.221.170/PR, no qual o STJ apreciou o Tema Repetitivo 780 [1], a despeito da superação das instruções normativas e da ampliação do conceito de insumo, inclusive com a edição do Parecer Normativo Cosit 5/2018 [2], os contribuintes esbarram em outro óbice para o creditamento: auditorias da RFB que, ao divergirem na interpretação da legislação tributária no tocante aos bens e serviços que geram direito a créditos de PIS e Cofins no regime da não cumulatividade, aplicam multa com base no artigo 57, inciso III, da MP 2.158-35/2001 [3], alegando o cumprimento de obrigação acessória, no caso, a EFD-Contribuições, com informações inexatas, incompletas ou omitidas.
O argumento apresentado pela fiscalização, frequentemente encampado pelas Delegacias de Julgamento, consiste em afirmar que a apontada infração é de natureza objetiva, a teor do que estabelece o artigo 136 do Código Tributário Nacional [4], sendo, por esta razão, correta a aplicação da multa independentemente da boa-fé do infrator, que confiou em vertente doutrinária ou jurisprudencial diversa daquela adotada pelo agente fiscal.
Os contribuintes, por sua vez, sustentam que somente seria possível aplicar tal penalidade caso a empresa registrasse créditos de operações inexistentes ou em valores discrepantes do dispêndio realizado, mas não por apropriar de créditos que, no entendimento do agente fiscal, teriam sido calculados sobre despesas não enquadradas no conceito de insumo.
A aplicação da multa prevista no artigo 57, inciso III, da MP 2.158-35/2001, em tais circunstâncias, tem como efeito forçar o contribuinte a aplicar sempre o entendimento do ente tributante, representando, muitas vezes, claro empecilho à concretização da não cumulatividade do PIS e da Cofins.
Situação semelhante ocorria em relação à multa isolada de 50% sobre a parcela da compensação não homologada, prevista no artigo 74, parágrafo 17, da Lei 9.430/1996, que foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento do RE 796.939 – Tema 736 da Repercussão Geral [5]. Tratava-se de penalidade que, à toda evidência, mitigava o direito dos contribuintes à compensação de valores recolhidos indevidamente ou a maior.
De acordo com o voto do relator, o ministro Edson Fachin, a penalidade é inconstitucional porque “o pedido de compensação tributária não se compatibiliza com a função teleológica repressora das multas tributárias, porquanto a automaticidade da sanção, sem quaisquer considerações de índole subjetiva acerca do animus do agente, representaria, ao fim e ao cabo, imputar ilicitude ao próprio exercício de um direito subjetivo público com guarida constitucional”.
É sob este prisma que o Carf tem analisado a aplicação da multa por incorreções no cumprimento de obrigação acessória no entendimento do agente fiscal e, nesse contexto, não se pode deixar de reconhecer o protagonismo do órgão colegiado na repressão do excesso arrecadatório.
No Acórdão 3102-002.523 [6], de minha relatoria, a 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento, à unanimidade, deu provimento ao recurso voluntário do contribuinte, por entender que “não deve subsistir a multa aplicada por entrega de EFD-Contribuições com omissões, informações incompletas ou inexatas, quando as divergências encontradas pela Autoridade decorrem de divergência na interpretação da legislação tributária no que diz respeito aos bens e serviços que geram direito a créditos de PIS e Cofins no regime da não cumulatividade”.
No referido acórdão, foi invocado o entendimento adotado pelo Carf no Acórdão 1302-006.413 [7], no qual foi julgado o recurso voluntário de um contribuinte autuado pela RFB por ter quitado as estimativas mensais de IRPJ/CSLL via declarações de compensação. Neste caso, além da exigência dos tributos, o contribuinte foi multado por supostas incorreções no LALUR, com base no artigo 8º-A, inciso II, do Decreto-lei 1.598/1977 [8].
No Acórdão 1302-006.413, o Colegiado concluiu que a referida penalidade só poderia ser imposta se houvesse apresentação de informações que, de alguma forma, não refletissem a realidade, e não por mera divergência de entendimento entre a Receita Federal e o contribuinte, quanto à interpretação da legislação tributária.
Segundo o relator, o ex-conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias, “a leitura da norma legal em questão não pode levar à conclusão evidentemente absurda de que toda e qualquer divergência da fiscalização quanto à forma como contabilizados determinados valores pelos contribuintes ensejaria a aplicação da multa em questão” e “pensar desta forma, de fato, levaria à absurda conclusão de que toda vez que a fiscalização autuasse o contribuinte (por exemplo, por entender que determinada despesa não seria passível de dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL), dever-se-ia aplicar também uma penalidade pela ‘incorreção’ na obrigação acessória”.
Os julgadores ainda ressaltaram o descabimento da utilização da multa como meio de arrecadação, coagindo o particular à apuração e recolhimento de tributos segundo a metodologia que o ente tributante reputa correta.
Sob tal perspectiva, relembremo-nos da tese fixada pelo Pretório Excelso no julgamento do RE 565.048 – Tema 31 da Repercussão Geral, segundo a qual “É inconstitucional o uso de meio indireto coercitivo para pagamento de tributo – ‘sanção política’ –, tal qual ocorre com a exigência, pela Administração Tributária, de fiança, garantia real ou fidejussória como condição para impressão de notas fiscais de contribuintes com débitos tributários” – na linha do entendimento há muito consagrado nas Súmulas 70 [9] e 323 [10] do STF.
Por fim, não se pode deixar de mencionar o PL 5112/2023, proposto com o intuito de alterar o artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977, a fim de definir as hipóteses de aplicação de multa nos casos de omissão, inexatidão ou incorreção na escrituração do livro de apuração do lucro real.
Como mencionado na exposição de motivos [11], a proposta legislativa, que isenta de multa o contribuinte que apresentar informação inexata no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR) quando houver divergência em relação à interpretação da legislação tributária, encampa o entendimento adotado pelo Carf no Acórdão 1302-006.413.
As decisões do Carf e a proposta legislativa mencionadas neste artigo denotam o repúdio às investidas fiscais tendentes à imposição de multas com o propósito de impedir ou dificultar a dedução de despesas e o aproveitamento dos créditos da não cumulatividade, mediante deturpação da natureza do poder sancionatório.
[1] Tema 780 dos Recursos Repetitivos – Tese fixada: (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.
[2] Parecer Normativo Cosit nº 5, de 17 de dezembro de 2018: Apresenta as principais repercussões no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil decorrentes da definição do conceito de insumos na legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins estabelecida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.221.170/PR.
[3] Art. 57. O sujeito passivo que deixar de cumprir as obrigações acessórias exigidas nos termos do art. 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, ou que as cumprir com incorreções ou omissões será intimado para cumpri-las ou para prestar esclarecimentos relativos a elas nos prazos estipulados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e sujeitar-se-á às seguintes multas:
III – por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas:
a) 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta;
b) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), não inferior a R$ 50,00 (cinquenta reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa física ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta.
[4] Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
[5] Tema 736 da Repercussão Geral – Tese fixada: É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária.
[6] MULTA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. REGISTRO DE CRÉDITOS EM DESCONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DA AUTORIDADE FISCAL. INOCORRÊNCIA. Não deve subsistir a multa aplicada por entrega de EFD-Contribuições com omissões, informações incompletas ou inexatas, quando as divergências encontradas pela Autoridade decorrem de divergência na interpretação da legislação tributária no que diz respeito aos bens e serviços que geram direito a créditos de PIS e COFINS no regime da não cumulatividade. (CARF, Processo nº 16327.721121/2020-06, Acórdão nº 3102-002.523 – 3ª Seção/1ª Câmara/2ª Turma Ordinária, sessão de 18 de junho de 2024)
[7] MULTA PREVISTA NO ARTIGO 8º-A, INCISO II, DO DECRETO-LEI 1.598 DE 26/12/1977. ECF. Não pode ser considerada como incorreção, para fins de aplicação da penalidade prevista no Artigo 8º-A, inciso II do Decreto nº 1.598/77, a divergência entre o contribuinte e a fiscalização, na interpretação da legislação tributária. A penalidade não pode ser utilizada como forma de impor ao contribuinte o entendimento do agente autuante sobre a forma de quitação das estimativas mensais devidas durante o ano-calendário. (CARF, Processo nº 15746.720390/2020-43, Recurso De Ofício e Voluntário, Acórdão nº 1302-006.413 – 1ª Seção de Julgamento / 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 15 de março de 2023)
[8] Art. 8º-A. O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8º, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu § 3º, ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas:
I – equivalente a 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento), por mês-calendário ou fração, do lucro líquido antes do Imposto de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no período a que se refere a apuração, limitada a 10% (dez por cento) relativamente às pessoas jurídicas que deixarem de apresentar ou apresentarem em atraso o livro; e
II – 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto.
[9] Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
[10] Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
[11] A 2ª Turma do Conselho Administrativo de Recursos Ficais – CARF decidiu, em votação unânime, que “não pode ser considerada como incorreção, para fins de aplicação da penalidade prevista no Artigo 8º-A, inciso II do Decreto nº 1.598/77, a divergência entre o contribuinte e a fiscalização, na interpretação da legislação tributária”. (…) De fato, não é razoável a aplicação de multa apenas por discordância na forma de interpretação da legislação no momento de escrituração do LALUR, ainda mais se essa escrituração reflete exatamente o procedimento adotado pela empresa.