O que esperar de um projeto de regulação de plataformas digitais no Brasil?

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Em janeiro deste ano, o Ministério da Fazenda iniciou uma consulta pública para reunir contribuições da sociedade civil, do setor privado e de especialistas sobre a regulação econômica e concorrencial das plataformas digitais.

Essa iniciativa foi impulsionada pelos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, como o PL 2768/2022, e pela pressão de propostas semelhantes que surgem em todo o mundo. Um exemplo significativo é o Digital Markets Act (DMA), aprovado na União Europeia, que impõe regras rigorosas para limitar o poder de mercado das grandes plataformas.

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Diferentemente das discussões sobre regulação de conteúdo, essas propostas econômicas visam criar instrumentos legais para acelerar a análise de casos de abuso de poder econômico e restringir práticas comerciais consideradas ilícitas desde o início.

No modelo atual, essas práticas são analisadas com base nos efeitos sobre o mercado e nos impactos para os consumidores. O direito antitruste, tal como é hoje, se fundamenta em uma análise detalhada para concluir se determinadas práticas prejudicam a concorrência ou se podem ser justificadas e até consideradas pró-competitivas.

É verdade, no entanto, que essa abordagem, embora essencial para garantir que as decisões sejam fundamentadas em evidências robustas, muitas vezes resulta em processos longos e complexos. Com o crescimento das plataformas digitais e o ritmo acelerado das inovações tecnológicas, esses processos longos criaram um ambiente de ceticismo sobre o antitruste tradicional.

A crítica é sobre se o modelo atual seria ou não suficiente para endereçar a tempo os desafios impostos pela complexidade desses mercados e uma aparente concentração de mercado nas big techs.

As novas propostas de regulamentação tentam responder a essas críticas ao definir previamente as condutas ilícitas, facilitando a contestação e promovendo um acesso mais equitativo aos mercados digitais. No entanto, implementar esse tipo de regulação é complexo.

É preciso equilibrar rapidez nos processos e a profundidade necessária para garantir decisões justas e precisas. Há o risco de que uma abordagem acelerada e rígida possa limitar a capacidade dos reguladores de capturar as nuances e complexidades desses mercados, particularmente em um ambiente tão dinâmico.

O desafio não é apenas técnico, mas também político. É preciso construir um consenso sobre como essas novas ferramentas seriam utilizadas e garantir que elas fortaleçam o sistema de defesa da concorrência sem comprometer sua integridade. Essa discussão é fundamental para que o Brasil possa enfrentar os desafios da economia digital de maneira eficaz, protegendo os consumidores e incentivando a inovação.

Propostas que simplesmente proíbem práticas — que podem ser tanto anticompetitivas quanto pró-competitivas, dependendo do contexto — não são a solução. Elas podem criar um ambiente regulatório rígido demais, sufocando a inovação e dificultando a competitividade em um mercado cada vez mais dinâmico.

O modelo regulatório ideal deve ser flexível, capaz de se adaptar rapidamente às mudanças do setor digital e de proteger os interesses dos consumidores, e não dos concorrentes. Tomando como base o DMA, por exemplo, as justificativas centrais para a sua entrada em vigor na Europa são garantir uma “competição justa” e a “contestabilidade dos serviços centrais ofertados pelas plataformas digitais“. No entanto, regras rígidas e uniformes, aplicadas a plataformas com características e singularidades muito diferentes, podem rapidamente tornar a regulação não apenas ineficaz, mas também inadequada e obsoleta.

A complexidade de análise desses mercados reforça a importância de uma abordagem regulatória que seja ao mesmo tempo flexível e adaptável, capaz de acompanhar as rápidas mudanças tecnológicas e as dinâmicas de mercado. Para que o Brasil não caia na armadilha de adotar regras desatualizadas ou excessivamente restritivas, é crucial que o modelo regulatório a ser adotado seja facilmente ajustável, com base na evolução do próprio mercado.

A regulação deve focar mais em viabilizar a proximidade e o monitoramento contínuo do mercado pelo regulador do que em prever condutas do tipo comando e controle — aquelas que, de maneira rígida, proíbem ou autorizam ações em um determinado setor. Um modelo mais dinâmico e interativo permitiria que as autoridades reguladoras não apenas reagissem às mudanças, mas também se antecipassem a elas, garantindo que o ambiente digital permaneça competitivo e justo.

Alguns modelos regulatórios, como o alemão e o inglês, já estão se inclinando para um enfoque mais dinâmico. Na Alemanha, por exemplo, a Lei da Concorrência Digital (GWB) permite uma intervenção mais proativa das autoridades em mercados onde há suspeita de práticas anticompetitivas, sem a necessidade de esperar pela ocorrência de danos concretos. Esse modelo se baseia em uma supervisão contínua e na possibilidade de adaptação rápida das regras conforme o mercado evolui.

De forma semelhante, no Reino Unido, a Autoridade de Concorrência e Mercados (CMA) tem se concentrado em monitorar de perto as práticas das grandes plataformas digitais, adotando uma postura flexível que busca equilibrar a proteção da concorrência com a promoção da inovação.

Mesmo assim, nenhum desses modelos parece atingir de forma certeira o ponto de equilíbrio necessário entre a proteção da concorrência e a promoção da inovação. Embora ambos ofereçam abordagens mais maleáveis e responsivas (em comparação com o DMA europeu), ainda enfrentam desafios significativos para garantir que as regras sejam eficazes sem sufocar o dinamismo do mercado digital.

Mais do que a estipulação de normas e proibições, esse tipo de proposição requer o fortalecimento significativo das capacidades institucionais, com reguladores bem preparados para monitorar o mercado em tempo real e responder rapidamente às novas tendências e desafios.

Além disso, a cooperação entre diferentes órgãos reguladores, tanto nacionais quanto internacionais, é fundamental para lidar com os aspectos globais das plataformas digitais, que operam internacionalmente. Trata-se de fortalecer as autoridades reguladoras, dotando-as de mecanismos eficazes para monitorar e regular o mercado de forma contínua, eficiente e específica.

A longo prazo, a adoção de um modelo regulatório flexível e adaptável pode não apenas evitar os riscos de obsolescência, mas também incentivar um ambiente propício à inovação. As empresas digitais também se beneficiariam de um cenário regulatório mais previsível e menos burocrático, o que estimula o desenvolvimento de novos produtos e serviços. Os consumidores e a eficiência econômica e tecnológica precisam continuar no foco da política antitruste brasileira, com a devida proteção e promoção de um ambiente continuamente competitivo e diversificado.

O grande desafio para o Brasil será propor um modelo de regulação que equilibre a necessidade de controle com a liberdade necessária para que a economia digital continue a prosperar. A chave para o sucesso reside em uma abordagem regulatória que seja proativa e suficientemente equilibrada.

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