Ajuste nas baterias e produção na Indonésia provocam queda do níquel, inclusive no Brasil

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Nas últimas semanas, Anglo American e Vale divulgaram comunicados nada animadores para a pequena indústria brasileira de níquel: a primeira decidiu vender suas minas que tinha há décadas em Goiás, e a segunda diminuiu a estimativa de produção do mineral para este ano.

Alguns meses antes, a Atlantic Nickel, uma das maiores produtoras do Brasil, demitiu em massa funcionários terceirizados, e a Horizonte entrou em recuperação judicial antes mesmo de iniciar suas operações no Pará.

Ao público, a presidente da Anglo American disse que as vendas passam pelo interesse da empresa de focar na produção de metais mais importantes para o grupo, como o minério de ferro extraído em Minas Gerais, sua maior operação no Brasil. Já a Vale explicou a investidores que a queda se dá pela venda de parte das ações da empresa em uma mineradora de níquel da Indonésia.

O principal motivo, porém, segundo quem acompanha esse mercado são os baixíssimos preços do níquel nos últimos meses, motivados pela enxurrada de oferta e a diminuição da demanda –cenário no mínimo curioso, visto a importância desse mineral para a transição energética, fomentada pela sua necessidade na produção de baterias elétricas.

Na quinta-feira (26), por exemplo, a tonelada do mineral era comercializada por US$ 16,8 mil em contratos futuros, quase metade do preço negociado no início do ano ou quase um terço do pico de março do ano passado.

Como grande parte das movimentações em mercados minerais, a origem dessa queda vem da Ásia. Isso porque, a partir de investimentos chineses, a Indonésia conseguiu crescer sua produção de níquel de forma avassaladora nos últimos anos, saltando de 10% para quase 60% do mercado global em apenas 10 anos –e deve continuar crescendo.

Hoje, o país do sudeste asiático extrai 1,8 milhões de toneladas de níquel por ano, muito à frente da Filipinas, a segunda maior produtora do mundo, com 400 mil toneladas. Em comparação, a indústria brasileira produziu 89 mil toneladas no ano passado.

“Na década de 2010, muitos investidores chineses começaram a buscar fontes alternativas de níquel e a Indonésia foi a escolhida. Esses projetos ficaram prontos após a Covid, o que fez a oferta aumentar significativamente em um curto período de tempo”, explica Kwasi Ampofo, chefe de metais e mineração na BloombergNEF.

Os investimentos chineses propiciaram à Indonésia a descoberta de uma nova rota tecnológica para transformar em escala um tipo de níquel de baixa qualidade em alta qualidade e fornecer matéria-prima para a confecção de baterias para veículos elétricos.

Essa descoberta, contestada ambientalmente por usar grandes quantidades de carvão, mudou uma lógica antiga dessa indústria: até então, por razões geológicas, países tropicais extraíam níquel laterítico, de baixa qualidade e que alimentavam as indústrias de aço inoxidável. Já países não tropicais, como Canadá e Rússia, extraíam sulfeto de níquel, considerado de alta qualidade e por isso matéria-prima para a indústria de eletrônicos.

“Essa tecnologia existe há 50 anos, mas todos os outros que tentaram implementar tiveram problemas de custo ou a utilização foi menor do que o esperado. Mas de alguma forma os indonésios conseguiram aperfeiçoar essa tecnologia e ficou mais barato produzir níquel a partir de lateritas”, afirma Ampofo.

A descoberta da Indonésia, então, ajudou a aumentar a quantidade de níquel de alta qualidade em um mercado antes dominado por Rússia, Canadá e Austrália, ainda que a maior parte da produção indonésia ainda seja para alimentar a indústria de aço. A maioria da produção brasileira também é para alimentar siderúrgicas, mas a Atlantic Nickel, que opera uma mina na Bahia, extrai níquel de alta qualidade.

A demanda por outro lado não acompanhou o crescimento da oferta; e as razões também passam pela Ásia. A mais comum, que causa frequentes flutuações no preço do níquel, é a movimentação na economia da China. Como a maior parte do níquel extraído no mundo alimenta a indústria do aço, quando a economia do país cresce menos que o esperado, a construção civil demanda menos mineral.

Além disso, nos últimos anos a indústria de veículos elétricos também passou a ditar o ritmo da produção de níquel. O desânimo com a velocidade que o mundo desenvolvido substituirá seus carros à combustão por veículos elétricos frustrou a expectativa de mineradoras que haviam aumentado suas produções de níquel, apostando no crescimento da demanda pelo mineral. Para alguns consultores, é improvável que a Europa, por exemplo, consiga até 2035 converter toda a sua frota de carros emissores de poluentes.

“Geralmente, quem mandava nos ciclos era a construção civil; ou seja, se o mundo está bem, todo mundo constrói; assim como o contrário. Eu tenho 40 anos de consultoria, então já passei por vários ciclos, mas o ciclo de carros elétricos e da mudança da fonte energética está sendo muito curto, com muita especulação nesse princípio”, diz Porfírio Cabaleiro Rodrigues, consultor de mineração e diretor da GE21.

Pesa também contra a indústria do níquel a decisão de algumas montadoras de carros elétricos, como a BYD e a Tesla na China, optarem por baterias que não têm níquel em seu componente. Hoje, segundo analistas, as baterias LFP (feitas de lítio, ferro e fosfato) são mais baratas que as NMC, feitas de níquel, manganês e cobalto. Além disso, os metais da primeira tem fornecedores mais diversificados, o que garante maior segurança às fabricantes.

Essa combinação de fatores fez com que o preço despencasse e importantes mineradoras fechassem minas ao redor do mundo, como a BHP fez com um de seus principais complexos na Austrália. É incerto, porém, se essas suspensões poderão atrapalhar a demanda futura do mineral. A BloombergNEF, por exemplo, estima constante crescimento do uso de níquel até 2035, principalmente guiada pela produção de veículos elétricos.

No Brasil, uma mineradora britânica aposta que a demanda por níquel voltará a acompanhar a oferta em até três anos. A Brazilian Nickel tenta implantar no Piauí uma planta para produzir 25 mil toneladas do mineral até 2028, a partir de uma nova tecnologia na indústria capaz de transformar o lítio de baixa qualidade em alta qualidade. Há dois anos, eles testaram as operações a partir de uma produção de mil toneladas, exportada, inclusive, para fabricantes de baterias.

A empresa é uma junior miner, companhias conhecidas por criar projetos de extração de minerais a fim de vendê-los para grandes mineradoras. Sem financiamento próprio, ela busca mais investidores –até então, o principal é a TechMet, cujo um dos acionistas é o DFC, banco estatal de desenvolvimento dos EUA.

“O mercado no curto prazo é desafiador, porque o que estamos vendo são preços bastante baixos que não são suficientes para os investidores ganharem uma quantidade significativa de dinheiro. Mas a demanda superará a oferta nos próximos anos e, com a indústria buscando diversificação no fornecimento de minerais críticos, acreditamos que o Brasil é uma fonte fantástica de suprimento”, diz Mark Travers, CEO da empresa.

Por Pedro Lovisi

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