Vitória apertada de Nunes em SP viabiliza projeto presidencial de Tarcísio para 2026

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Esqueça, caro leitor, cara leitora, o segundo turno das eleições municipais de 2024. Para o futuro da política nacional, o atual ciclo eleitoral apenas é relevante pela capacidade de expressar a força de diferentes segmentos políticos na luta pelo poder em nível federal e, portanto, na sua capacidade de moldar a democracia e, portanto, a ordem constitucional.

Nesse sentido, a conclusão denunciada pelos resultados deste domingo (6) aponta para a ascensão contínua da direita no Brasil. Mas de qual direita estamos falando?

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Em junho passado, apontei neste espaço o surgimento do tarcisismo, uma referência a uma vertente de direita capaz de substituir o bolsonarismo raiz sem, no entanto, deixar de lado práticas incivilizadas na política e formulação de políticas públicas.

Como o nome sugere, sua principal figura é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cujo padrinho político é Jair Bolsonaro (PL). Eis que, ao apoiar o prefeito Ricardo Nunes (MDB) em sua campanha à reeleição em São Paulo, Tarcísio foi contra a ambivalência e oportunismo de seu criador político.

Embora Bolsonaro tenha indicado o ex-coronel da Polícia Militar Mello Araújo (PL) vice na chapa que terminou o primeiro turno à frente do lulista Guilherme Boulos (PSOL) com menos de um ponto percentual de vantagem, o ainda líder-mor da extrema direita nacional só embarcou de fato na campanha de Nunes nos últimos dias.

Isso porque o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) encampou as pautas antissistema que haviam levado Bolsonaro ao poder em 2018, deixando, assim, o capitão diante de um dilema: ou permitir que alguém o substituísse na liderança do radicalismo reacionário ou aliar-se ao potencial rival para domá-lo e, portanto, assegurar a primazia bolsonarista nesse campo político.

O tarcisismo, porém, empoderou-se devido ao fato de Nunes ter, na última hora, atraído eleitores que provavelmente fariam o velório final do PSDB ao votar em Datena, que ainda tinha intenções na casa dos 4% e terminou as eleições com menos de 2% dos votos válidos.

Afinal, como corrente política em potencial, o tarcisismo aglutina — tal como expliquei em entrevista ao jornal português Diário de Notícias — a boçalidade bolsonarista (e agora marçalista), a herança malufista de São Paulo e o verniz técnico-liberal das gestões tucanas na cidade e no estado.

Na atual conjuntura, porém, o PSDB está morto e enterrado. O centrismo populista de Datena parou no radicalismo de Marçal e na necessidade da direita moderada (mas que se alinha ao bolsonarismo) reter o poder. Se o povo quer sangrar o sistema, sangue terá nos limites impostos por velhas e novas elites. Nesse sentido é sintomático que Silas Malafaia, da nova elite dos pastores, se colocou contra o laudo falso divulgado por Marçal relatando que Boulos teria sido internado por usar cocaína.

Vamos aos principais dados do mapa eleitoral paulistano que têm o potencial de se replicar nacionalmente. É verdade que Marçal levou a melhor nas regiões historicamente malufistas, de classe média sem verniz intelectual — trata-se do arco que começa em Santana, na zona norte, atravessa o rio Tietê na altura da Vila Maria, e termina no Tatuapé e na Mooca.

No entanto, Nunes veio logo atrás nessas zonas eleitorais que, em hipótese alguma, vão dar a vitória a Boulos num segundo turno. Ademais, é mais provável que Nunes tenha se saído bem em distritos relativamente pobres da zona sul por conta da realização de obras como creches além, claro, das motofaixas que conectam aquela região da cidade ao centro. O atual prefeito sempre teve como base eleitoral essa parte da cidade e confiou no apoio de seus ex-colegas na Câmara Municipal para expandir essa força eleitoral.

Ainda assim, é Tarcísio quem sai como o grande vencedor deste primeiro turno das eleições municipais porque insistiu na viabilidade de Nunes à revelia de Bolsonaro e, portanto, pode se apresentar como alternativa em 2026 para conter Marçal, que avalia disputar a Presidência. Lula claramente está enfraquecido porque seu partido PT ainda engatinha num doloroso processo de recuperação do seu cacife político pós-Lava Jato no país como um todo.

Portanto, para se reeleger, Lula vai precisar do centrão — mais especificamente do apoio daquele que é o novo MDB: o PSD de Gilberto Kassab, que, no plano nacional, está com Lula, mas em São Paulo está com Tarcísio. Kassab mesmo é o secretário de Governo daquele que ainda se intitula bolsonarista e muito provavelmente sempre terá de acender uma vela ao radicalismo de direita mesmo que faça alguma inflexão mais notória ao centro.

Assim, pode-se dizer que o destino do Brasil em 2026 está nas mãos de Kassab. Fala-se nos bastidores que ele prefere que Tarcísio pleiteie um segundo mandato a governador, mas, depois do muito provável sucesso de Nunes contra Boulos em 27 de outubro, será que não surgirá de vez, na figura do governador paulista, um candidato que se venda como um suposto bolsonarismo light capaz de conter tanto a esquerda quanto o radicalismo de Marçal?

Se Tarcísio apostar suas fichas num projeto nacional em 2026 e for bem-sucedido, não duvido de que pode inaugurar uma nova era na política nacional depois desses últimos dez anos bastante turbulentos.

Lula está em seu ocaso: não há um sucessor óbvio para ele. A esquerda patina e dificilmente terá condições de se reerguer num futuro próximo a não ser que abrace de vez pautas de costumes principalmente advindas do segmento evangélico.

Faço aqui um vaticínio: se Tarcísio se candidatar a presidente em 2026, o seu grupo — que reúne bolsonaristas/marçalistas, malufistas viúvos da ditadura e ex-tucanos — tende a ficar 20 anos no poder. Talvez seja esse novo normal do Brasil: aquilo que muitos chamam de bolsonarismo light — que não existe, pois o bolsonarismo é radical por natureza — vai estar escamoteado nas estruturas do Estado brasileiro em vez de partir para o confronto aberto como ambicionaram Bolsonaro e os golpistas de 8 de janeiro – papel que, hoje, cabe a Marçal.

Reeleito prefeito do Rio de Janeiro em primeiro turno contra o bolsonarismo, Eduardo Paes diz que está na hora de a polarização acabar. De que lado ele e o PSD vão ficar em 2026? Do suposto bolsonarismo light bancado por Kassab, que fundou e lidera seu partido? Ou vão aliar-se a Lula tal como o MDB fez em 2006, quando o petista venceu a eleição em meio ao rescaldo do mensalão?

Ainda que o atual presidente, que está prestes a completar 79 anos, consiga fugir do destino do octogenário Joe Biden — que abandonou a campanha de reeleição à Presidência dos Estados Unidos em meio a um evidente quadro de declínio mental —, o tarcisismo já deu mostras de viabilidade entre as elites — velhas e novas — e o eleitor, seja ele pobre ou rico, evangélico ou católico, negro ou branco, antissistema ou pró-status quo.

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