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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu duas decisões que colocam em xeque uma das mais importantes garantias constitucionais do cidadão brasileiro: o Tribunal do Júri.
Previsto no artigo 5º da Constituição Federal, o júri é o instrumento pelo qual a sociedade, através de jurados leigos, participa diretamente do julgamento de crimes dolosos contra a vida, assegurando, em tese, a soberania de suas decisões. Contudo, ao analisarmos o impacto das recentes decisões do STF, torna-se evidente que essa soberania, assim como a proteção às liberdades individuais, está sendo progressivamente esvaziada.
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No início de setembro de 2024, o Supremo julgou constitucional a prisão obrigatória decorrente de condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, mesmo que a sentença ainda não tenha transitado em julgado. Em outras palavras, o réu, ao ser condenado, deve ser imediatamente preso, independentemente da possibilidade de recorrer da decisão.
Essa interpretação pode ser vista como uma afronta direta ao princípio da presunção de inocência, também garantido pelo artigo 5º da nossa Constituição. Ao retirar do réu a possibilidade de aguardar o desfecho do processo em liberdade, o STF impõe uma punição antecipada, contrariando um dos pilares fundamentais do nosso sistema penal.
A justificativa, baseada na premissa de que a decisão do júri representa a vontade soberana do povo, acaba sendo uma falácia quando observamos que, em nossa ordem jurídica, o julgamento não é final até o trânsito em julgado. Decisões do Tribunal do Júri podem ser revistas por tribunais superiores, e erros, embora raros, podem e devem ser corrigidos. Portanto, impor a prisão imediata desconsidera a complexidade e a cautela que devem permear qualquer processo criminal, ainda mais quando envolve a liberdade de um indivíduo.
Se isso já não fosse preocupante o suficiente, no dia 2 de outubro de 2024, o STF deu mais um golpe no júri ao permitir que o Ministério Público recorra contra decisões de clemência, ou seja, de absolvição, proferidas pelo Tribunal do Júri. A discussão adquire relevo, na medida em que, se os jurados não fundamentam suas decisões, não se pode recorrer delas, por não conhecer seus fundamentos, os quais podem ser jurídicos ou morais.
Contudo, com essa nova decisão, o STF abre a possibilidade de que absolvições sejam revistas e eventualmente revertidas, trazendo à tona um cenário de insegurança jurídica e minando a confiança na função do Júri como um espaço de efetiva participação popular no julgamento de crimes graves.
Ao permitir que o Ministério Público recorra de absolvições, sem conhecer as razões que lhe ensejaram, o STF interfere diretamente na soberania das decisões do júri. Mais uma vez, coloca-se em segundo plano o papel dos jurados e prioriza-se a intervenção do Estado, por meio de seus agentes.
A essência do júri, que é a confiança na decisão popular, acaba sendo relativizada, criando um paradoxo: a condenação imposta pelos jurados é considerada tão soberana que justifica a prisão imediata do réu, mas a absolvição, também decidida pelos mesmos jurados, pode ser desfeita por meio de um recurso.
Essas duas decisões, somadas, impõem um duplo retrocesso às garantias individuais no Brasil. Por um lado, a prisão obrigatória após a condenação atropela o princípio da presunção de inocência; por outro, a possibilidade de recorrer contra absolvições fragiliza a soberania do júri. O resultado é um Tribunal do Júri esvaziado, cujas decisões perdem força e autonomia, transformando o cidadão que participa como jurado em mero figurante de um espetáculo judicial que pode ser modificado de acordo com os interesses de órgãos estatais.
O Tribunal do Júri sempre foi um símbolo de democracia e de participação popular na Justiça. Retirar sua importância e esvaziar sua soberania é comprometer a essência das liberdades individuais que nossa Constituição buscou proteger. As recentes decisões do STF, ao contrário de reforçar essas garantias, criam um cenário preocupante de maior controle estatal sobre a liberdade e a vida dos cidadãos, na contramão dos direitos e garantias fundamentais que tanto prezamos.
É hora de refletirmos sobre aonde essas mudanças nos levam e o quanto estamos dispostos a abrir mão das garantias individuais em prol de interpretações que, sob o manto da segurança, podem abrir brechas para abusos e injustiças.