Legislação não pode atrapalhar parcerias entre Terceiro Setor e Poder Público

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O Terceiro Setor representa uma parcela significativa das ações sociais em benefício da educação, saúde e assistência social no país, com um impacto positivo especialmente no contexto social e econômico precário que estamos inseridos. E o Direito pode servir como vetor de incentivo à consecução dos objetivos sociais das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Conforme o relatório “A contrapartida do Setor Filantrópico no Brasil”, de iniciativa do Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif), o múltiplo de valor do retorno da contrapartida gerado pelas instituições filantrópicas na saúde foi de R$ 11,35 para cada R$ 1 de imunidade previdenciária; pelas instituições filantrópicas de educação foi de R$ 4,96; por aquelas de assistência social foi de R$ 12,75.

Apenas para referência, com relação aos efeitos econômicos do gasto público, o IPEA concluiu que a cada R$ 1 investido em educação pública, o PIB aumentará em R$ 1,85, pelo simples processo de multiplicação da renda que esta atividade propicia.

Evidentemente, tais números não podem ser interpretados de forma isolada, mas permitem refletir sobre o papel de cada um dos agentes sociais, sejam eles públicos ou privados, na melhoria do bem-estar social. Considerando o eficiente retorno do investimento realizado por instituições filantrópicas em áreas fundamentais para a melhoria das fundações do país, seria razoável concluir que tais agentes desempenham um papel relevante nesse cenário e representam um vetor de impacto social positivo.

Não obstante, vários são os desafios enfrentados pelas organizações da sociedade civil que atuam nessas frentes, com destaque para a dependência de financiamento externo, a concorrência por recursos e dificuldades na diversificação de fontes de renda.

A Lei 13.019, de 31 de julho de 2014, também conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as OSCs, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, termos de fomento ou em acordos de cooperação. A lei também define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil.

O MROSC tem como fundamentos, conforme disposto em seu art. 5º, “a gestão pública democrática, a participação social, o fortalecimento da sociedade civil, a transparência na aplicação dos recursos públicos, os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia”. Com base nesses princípios, foram estabelecidos alguns veículos de formalização de parceria e convênios entre o poder público e as OSCs.

Para a consecução de planos de trabalho de iniciativa do poder público que envolvam a transferência de recursos financeiros entre as partes, deve ser adotado o “Termo de Colaboração”. Já nos casos em que o plano de trabalho seja proposto por organizações da sociedade civil e envolva a transferência de recursos financeiros, deve ser utilizado o “Termo de Fomento”.

Quando não houver transferência de recursos financeiros, as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco devem ser instrumentalizadas por meio de um “Acordo de Cooperação”.

De maneira geral, o principal requisito imposto às OSCs para a formalização dessas parcerias é ser regida por normas de organização interna que prevejam, expressamente, objetivos voltados à promoção de atividades e finalidades de relevância pública e social. Assim, tais instrumentos compartilham de uma base comum, contudo, ao mesmo tempo, mantêm-se diferentes a partir de regras e exigências próprias dispostas na lei, o que traz certa complexidade à formalização de parcerias entre o poder público e OSCs que não dispõem de suporte jurídico especializado.

O Mapa das Organizações da Sociedade Civil, em relatório[1] que mapeou o perfil das OSCIPs e Organizações Sociais (OS) em 2020, concluiu que 93,40% das OSs e 78,94% das OSCIPs não registram vínculos empregatícios formais. Das que registram, as OSs têm 9.233 vínculos de trabalhos formais e as OSCIPs, 44.157. A média é de 8 vínculos por OS e 6 por OSCIP.

Sem muito esforço, é possível verificar que há espaço para uma simplificação de procedimentos, visto que muitas organizações da sociedade civil não possuem recursos financeiros e humanos para cumprir todas as exigências da lei, que define conceitos importantes como “organização da sociedade civil”, “termo de colaboração”, “termo de fomento” e “acordo de cooperação”, mas peca ao não se adequar à realidade do setor no país.

No que tange à cooperação com empresas, embora em grande parte dos casos os benefícios fiscais sejam um grande incentivo à promoção de atividades filantrópicas, sem fins lucrativos, e voltadas à promoção da assistência social, cultura, saúde e educação, a legislação tributária pode apresentar desafios para a estruturação de parcerias, especialmente em relação à dedutibilidade de doações e à aplicação de impostos sobre as atividades das OSCs.

A legislação atual muitas vezes limita o potencial de colaboração entre empresas e OSCs, dificultando a maximização do impacto social das parcerias filantrópicas.

Superar esses desafios exige um esforço conjunto dos agentes sociais, no caso, OSCs, poder público, setor privado e sociedade civil. A criação de um ambiente regulatório mais favorável, o investimento em capacitação e profissionalização, a busca por fontes alternativas de renda e a comunicação transparente são algumas das estratégias que podem contribuir para o fortalecimento das OSCs.

O MROSC estabeleceu normas e procedimentos para as parcerias entre o poder público e as organizações da sociedade civil, buscando aumentar a transparência, a eficiência e a segurança jurídica dessas relações. Além disso, criou mecanismos para que a sociedade civil participe da formulação e do acompanhamento das políticas públicas. Representa, de fato, um marco na regulação do Terceiro Setor no Brasil. No entanto, há espaço para a flexibilização de normas e maior adequação à realidade das organizações sociais, o que certamente possibilitará o crescimento dessas iniciativas.

É papel dos operadores do direito entender qual a prescrição normativa mais eficiente. Nesse sentido, Vasco Rodrigues já citava que o Direito não pode aceitar que fatores externos atrapalhem a obtenção de bons resultados em prol da sociedade.

[1] Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Relatório OSCIP e OS. Junho, 2020. Disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br/arquivos/posts/7883-relatorioososcipfinal.pdf

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