Programas de conformidade são aposta da Receita mesmo sem aprovação pelo Congresso

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A aprovação do PL 15/2024, que institui programas de conformidade e define quais empresas podem ser consideradas devedoras contumazes, segue como uma das prioridades da Receita Federal. O fato foi evidenciado no dia 1º de outubro, quando, ao apresentar dois novos programas, o secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, ressaltou que ainda acredita na aprovação da proposta.

Enquanto o projeto não é aprovado, entretanto, a Receita tem dado andamento aos programas que aproximam contribuintes e fisco, entre eles o Confia, voltado a grandes empresas. O piloto do projeto conta com 20 companhias, de setores como energia, combustíveis, bancário e de alimentação.

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Sem a aprovação do PL 15, entretanto, o Confia não deixará de ser um piloto, e a Receita não estará autorizada a derrubar multas em caso de divergência de entendimentos entre fisco e contribuintes. A validação dos programas de conformidade é importante, ainda, porque eles estão sendo utilizados como base para a previsão de tratamento diferenciado em outras matérias tributárias, como preços de transferência e a própria reforma. 

O Confia já impactou até mesmo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que em agosto enviou para a 1ª instância um caso relacionado a um tema tratado no âmbito do programa.

Grandes empresas

Voltado a grandes empresas, o Programa de Conformidade Cooperativa (Confia) estabelece uma relação mais próxima entre Receita e contribuintes, que poderão, por exemplo, abrir os seus planejamentos tributários ao fisco e questionar se a tributação está de acordo. Atualmente, 20 empresas participam do piloto do programa, entre elas Petrobras, Caixa, Nestlé, Braskem, Repsol e Enel.

As companhias já entregaram seus planos de trabalho, nos quais constam mais de 120 temas a serem debatidos com a Receita. Entre os assuntos estão questões tributárias relacionadas a Juros Sobre Capital Próprio (JCP), subvenções, restituições relacionadas à “tese do século” e preços de transferência.

Em alguns casos, para pacificar o tema após diálogo com a Receita, as empresas realizaram consultas, que foram ou serão respondidas pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) conforme alinhado no âmbito do Confia. As soluções de consulta apresentadas pela divisão são vinculantes aos fiscais, que precisam necessariamente aplicá-las em casos semelhantes. 

Em um caso específico, de acordo com uma fonte consultada pelo JOTA, como a empresa já havia sido autuada em relação ao assunto, e portanto não poderia fazer o questionamento, a própria Receita fez uma consulta interna sobre o tema. Ainda, o Confia tem servido para explicitar posições divergentes dentro da Receita. Em um tema específico, sobre Tributação em Bases Universais (TBU), por exemplo, foram identificadas internamente quatro posições distintas sobre uma mesma problemática.

O número de empresas participantes do piloto é superior ao que era previsto inicialmente pela Receita, de 15 companhias. Por outro lado, em um primeiro momento mais de 30 contribuintes demonstraram interesse em integrar o Confia, mas alguns deixaram o processo ao longo do caminho.

A Receita acredita que a aprovação do PL 15 ampliará o interesse das empresas pelo Confia. Isso porque, sem a aprovação da proposta, não é possível a implementação do dispositivo que prevê que, em caso de divergência de entendimentos entre fisco e contribuinte, os tributos serão cobrados sem a incidência de multas. Isso daria a segurança de que após abrirem suas estratégias tributárias ao fisco, as companhias não seriam autuadas para a cobrança dos tributos e das multas pelo não recolhimento.

O PL 15 foi enviado ao Congresso no começo deste ano, mas apesar da concordância em relação às iniciativas de conformidade, travou por conta de divergências em torno dos parâmetros para caracterização dos devedores contumazes. Empresas temiam que a amplitude da redação enquadrasse um número muito grande de companhias no rol de devedores.

Na tentativa de derrubar essa barreira, entretanto, a Receita tenta mostrar que o “selo” de devedor contumaz seria apenas para um número pequeno de empresas. De acordo com um integrante do órgão ouvido pelo JOTA, dos 1.500 maiores contribuintes do país, só 1 poderia ser considerado como devedor contumaz. Já entre os 8.000 maiores contribuintes, 7 se enquadrariam como contumazes.

Preço de transferência e reforma

Apesar da não aprovação do PL 15, os programas de conformidade constam em outras iniciativas tributárias. Na minuta apresentada pela Receita para regulamentação dos preços de transferência, por exemplo, há a previsão de que apenas os contribuintes que estiverem em iniciativas dessa natureza poderão realizar acordos de precificação antecipada (APAs).

A previsão incomodou os contribuintes, e foram feitas contribuições à Receita para que o trecho fosse suprimido. Por meio dos APAs contribuintes e empresas podem alinhar, de forma antecipada, os termos de operações que estarão sujeitas aos preços de transferência.

Os APAs são vistos como fundamentais para a implementação das novas regras sobre preço de transferência, previstas pela Lei 14.596/23. Isso porque o princípio arm’s length, que norteia a norma, traz uma grande complexidade à tributação de operações internacionais entre partes relacionadas, e os acordos prévios poderiam evitar futuras autuações.

O tema dos programas de conformidade também consta na reforma tributária. O PLP 68/24, um dos projetos de regulamentação da EC 132/23, prevê que contribuintes participantes de iniciativas desta natureza terão um prazo menor na restituição de créditos: 30 dias, ao invés dos 60 nas situações gerais.

Ainda, no PLP 108/24, que também regulamenta a reforma, há a previsão de que contribuintes integrantes de programas de conformidade a serem criados pelo Comitê Gestor do IBS terão descontos maiores em multas.

Carf

O Confia também impactou pelo menos um julgamento do Carf. Em 20 de agosto, após pautar um processo envolvendo a Caixa Econômica Federal, a 1ª Turma da 1ª Câmara da 3ª Seção do conselho resolveu, por unanimidade, enviar o caso para a primeira instância administrativa, já que o tema levado à julgamento é um dos debatidos pela estatal no âmbito do programa de conformidade.

Trata-se do processo 16327.720029/2023-63, que envolve autuações de R$ 2,5 bilhões, em valores históricos de 2018. A Caixa defende que os montantes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não entram na base do PIS e da Cofins, posição questionada pela fiscalização.

Em seu voto, a relatora, conselheira Laura Baptista Borges, destacou que este tema é um dos debatidos entre a Caixa e a Receita no âmbito do Confia, e que ficou acordado que a Cosit exporia sua posição sobre a legislação envolvida. Um eventual julgamento do assunto pelo Carf, na visão da julgadora, poderia causar a “perda de objeto” do tema analisado no programa de conformidade.

A posição do Carf é questionada por integrantes da Receita, que acreditam que não seria o caso de retirar o caso da pauta. Sendo devida ou não, entretanto, a decisão mostra que o Carf também está atento ao Confia.

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