Exigência de apresentação de CND para concessão da recuperação judicial

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Com a promulgação da lei 14.112/2020, não se verificou qualquer modificação no artigo 57 da Lei 11.101/05, mantendo-se o texto no sentido de exigir das empresas em recuperação judicial as certidões negativas de débitos tributários, nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, para fins de concessão da recuperação judicial.

Basicamente, a exigência de CND’S tributárias para fins de concessão da recuperação judicial sempre fez parte do texto legal. Todavia, a referida previsão era objeto de relativização, fazendo com que, ao longo dos anos, fosse consolidada a jurisprudência nacional[1] no sentido de dispensar as empresas devedoras da apresentação de tais documentos.

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A relativização do dispositivo legal decorria do fato de que, em sentido contrário ao disposto no art. 155-A § 3o do CTN, não havia lei específica sobre o parcelamento do crédito tributário (municipal, estadual e federal) das sociedades em recuperação judicial. E, ainda que previsto no § 4o do referido artigo, acerca de que, na “inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial”, as condições de parcelamento seriam completamente inalcançáveis para as empresas em situação de recuperação judicial.

Posterior ao ano de 2014, embora promulgadas leis atinentes ao parcelamento de dívidas tributárias para empresas em recuperação judicial (como por exemplo o art. 10-A da Lei n. 10.522, com redação dada pela Lei 13.043/2014 e prazo para pagamento de até 84 meses), estas sempre dispuseram de limitação temporária exígua para fins de pagamento, com prazos inferiores, inclusive, ao “REFIS” de 180 meses ou o “PROFUT” de 240 meses.[2]

Considerando que inalterado o artigo 57 da Lei 11.101/05 com a reforma da Lei 11.101/05, não se previa, de modo preciso, uma modificação jurisprudencial acerca da matéria, no sentido de obstaculizar a concessão da recuperação judicial de empresas sem CND’s. Entretanto, a prática demonstrou o contrário, mediante o entendimento do STJ através do REsp 2053240, o qual, em suma, dispôs acerca da validade na exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial.

Ocorre que, conforme se verifica do voto do ministro Marco Aurélio Bellizze, foram justamente os benefícios fiscais concedidos pela Lei 14.112/2020[3], bem como a Portaria n. 2.382/2021 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que alteraram a interpretação do STJ, de modo a entender que a exigência da CND relativa aos débitos fiscais federais, para fins de concessão da recuperação judicial, não vai de encontro aos princípios da preservação da empresa e de sua função social.

Por outro lado, diante da ausência de qualquer previsão legal e/ou portaria acerca de benefícios fiscais às recuperandas no âmbito da Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, restou mantido pelo STJ, de forma coerente, o entendimento pela dispensa das certidões negativas, para fins de concessão recuperação judicial.

Destaca-se, ainda, que a não apresentação da certidão negativa fiscal federal apenas implica no sobrestamento do processo recuperacional até a efetivação da medida, uma vez que se trata de crédito extraconcursal e não sujeito aos efeitos da recuperação judicial.

Importante salientar que, conforme os termos da discussão constante do julgamento do REsp 2053240-SP, os verdadeiros objetivos da exigência legal de apresentação de CND para a concessão da recuperação judicial, estão teoricamente alinhados com a principiologia do sistema de insolvência brasileiro, tanto no viés econômico quanto no viés jurídico.

Quando pensamos na exigência por um espectro econômico, a apresentação da CND demonstra aos integrantes do procedimento recuperacional que a empresa recuperanda está preocupada com o adimplemento de seus débitos de ordem tributária e que, da mesma forma, conduz uma gestão responsável economicamente onde, ao menos aparentemente, o cumprimento do plano de recuperação não será obstado pelas dívidas perante o fisco (que, normalmente, são extremamente elevadas).

Sob uma visão lógico-jurídica, tendo em vista a não sujeitos dos créditos de natureza tributária ao processo de recuperação judicial, o parcelamento concede a segurança, tanto à recuperanda quanto aos seus credores, de que a empresa não sofrerá diversas e incontáveis restrições patrimoniais oriundas de execuções fiscais, o que também poderia impedir o soerguimento empresarial.

Contudo, será mesmo que, na prática, a interpretação literal e restritiva do artigo 57 da Lei 11.101/2005 é a melhor forma de resolução da problemática?

De fato, conforme as razões do precedente recente do STJ, a Lei 14.112/2020 resolveu parcialmente a problemática quanto às opções especiais de parcelamento às empresas em situação de crise, justamente a questão que, anteriormente, fundamentava o entendimento de dispensa da CND e inaplicabilidade do artigo 57 para fins de concessão da recuperação judicial.

Porém, diante desse novo cenário, um novo problema fez-se cada vez mais presente: a demora na atuação do fisco para analisar e homologar os pedidos de parcelamento.

Diversos casos recentes demonstram que, muitas vezes, por mais que seja constatada a diligência ativa e insistente por parte da recuperanda em obter o parcelamento especial e, por conseguinte, a CND para a concessão da recuperação judicial, a inércia do fisco em analisar e dar prosseguimento ao trâmite administrativo, impede a empresa em recuperação de obter a tutela de direito pretendida em tempo razoável.

O lapso temporal de atuação, geralmente extenso e indeterminado, por parte do fisco, tem culminado na suspensão dos processos de recuperação judicial, justamente antes da obtenção da tutela definitiva do direito, mediante a sentença de concessão. Em que pese muitos entendam que somente a recuperanda reste prejudicada nessa situação, todos os envolvidos e interessados acabam suportando o ônus da morosidade do procedimento de parcelamento por parte do fisco.

As despesas e a atividade empresarial da recuperanda não são suspensas, mas os mais diversos credores, incluindo os trabalhistas, credores fornecedores, colaboradores e fomentadores seguem sem receber o seu crédito por tempo indeterminado, mesmo após a aprovação do plano.

Nesse contexto, observa-se uma tendência da jurisprudência pátria em compatibilizar o novo entendimento do STJ com a realidade fática do caso concreto analisado.

Demonstrando essa tendência, durante o Congresso de Reestruturação e Recuperação Empresarial, em Cuiabá, o juiz Marcos Sanches, da Vara de Recuperação Judicial e Falências de Vitória, mencionou um caso em que a recuperanda estava há oito meses diligenciando ativamente em busca da obtenção da CND. Em suas palavras: “Se tivesse aplicado o entendimento do STJ, não seria homologado o plano de recuperação judicial. Nesse caso, teria de aplicar a jurisprudência anterior”. Segundo ele, a empresa conseguiu se reerguer no mercado após a sua decisão[4].

Em São Paulo, por exemplo, quando do julgamento do Agravo de Instrumento 2153349-52.2024.8.26.0000, de relatoria do Des. Maurício Pessoa, em 19/07/2024, o TJSP entendeu pela relativização da exigência literal do artigo 57 para que, alternativamente à apresentação da CND, fosse possível que a recuperanda comprovasse a impossibilidade de obtenção das certidões decorrente de “injustificada ou abusiva relutância do fisco”.

No Rio Grande do Sul, observa-se uma tendência no mesmo sentido: a alternativa de apresentação de detalhamento do passivo tributário demonstrando as providências já tomadas pela recuperanda para a regularização das dívidas, a fim de obter a concessão da recuperação judicial (vide decisão proferida pelo Magistrado Gilberto Schafer, em 11/09/2024, no processo de 5240968-38.2023.8.21.0000).

Nesse sentido, é possível constatar que o entendimento do STJ após a edição da Lei 14.112/2020 encontra respaldo jurídico tanto no artigo 57, cuja aplicação era, até então, afastada, quanto pela edição de lei especial, atualmente vigente, de parcelamento do crédito tributário.

Contudo, em que pese a incontestável fundamentação teórica, baseada na subsunção dos dispositivos legais supramencionados, o cenário brasileiro demanda um olhar especial quanto à exigência das CND’s como requisito indispensável para a concessão da recuperação judicial.

Assim, os tribunais pátrios deverão, por lógico, aplicar o entendimento do STJ, mas, diante da realidade brasileira, onde reina a ineficiência e inércia do fisco em analisar e homologar os diversos pedidos de parcelamento especial, deverá haver a interpretação da exigência conjuntamente com a demonstração da diligência da devedora em regularizar o seu passivo fiscal e obter a CND, em verdadeiro juízo de ponderação, sob pena de violação aos princípios basilares da lei e ao princípio da duração razoável do processo.

Não é legalmente coerente que todas as pessoas envolvidas no processo recuperacional (sejam elas jurídicas ou físicas) suportem o ônus da demora injustificada e imprevisível do fisco, sem receber o que lhe é devido. Todas essas questões deverão ser consideradas pelos tribunais diante do novo entendimento do STJ supra analisado.

[1] REsp n. 1.187.404/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/6/2013, DJe de 21/8/2013.

[2] Scalzilli, João Pedro; Spinelli, Luis Felipe; Tellechea, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005. 4ª Edição. São Paulo: Almedina. 2023. p. 835-836.

[3] (i) a melhora das condições de parcelamento dos débitos existentes para com a Fazenda Nacional, ainda que não vencidos até a data do pedido de recuperação judicial (parcelamento em até 145 meses para empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino e cooperativas; 132 meses para devedores que desenvolvem projetos especiais; e 120 meses para os demais); (ii) o estabelecimento de percentuais mínimos a serem aplicados sobre o valor da dívida consolidada; (iii) a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para a liquidação de até 30% da dívida consolidada e parcelamento do saldo em até 84 (oitenta e quatro) vezes, de forma escalonada, nos termos ali fixados; (iv) a possibilidade de parcelamento dos débitos para com a Fazenda Nacional relativos aos tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub-rogação e ao imposto sobre o IOF, retido ou não recolhido ao Tesouro Nacional, em até 24 meses, nos termos ali escalonados; (v) a possibilidade de submissão à Procuradoria Geral da Fazenda Pública proposta de transação relativa a débitos inscritos em dívida ativa da União, como alternativa aos parcelamentos acima referidos, às demais modalidades de parcelamento instituídas por lei federal ou às modalidades de transação por adesão eventualmente postas à disposição, com redução da dívida em até 70% de desconto sobre o valor total da dívida, mas que não pode incidir sobre o principal, e até 100% de desconto sobre correção, juros, multa e encargo legal, observado o parcelamento em até 145 meses para empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino e cooperativas; 132 meses para devedores que desenvolvem projetos especiais; e 120 meses para os demais.

[4] Disponível em: Exigência de CND pode ser relativizada na recuperação judicial, afirma juiz (conjur.com.br)

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