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O ministro Aloysio Corrêa da Veiga assumiu nesta quinta-feira (10/10) a presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e promete investir na cultura de precedentes para dar mais segurança e previsibilidade aos processos. Em entrevista exclusiva ao JOTA, afirmou que incluirá na pauta do Pleno ainda este ano a discussão sobre a aplicação das previsões da Reforma Trabalhista (Lei 13.467, de 2017) em contratos firmados antes da vigência da norma e que ainda estão em vigor ou foram encerrados depois dela.
A discussão que deve ser travada, é se leis posteriores devem ser aplicadas em contratos já existentes antes da norma ou se esse trabalhador têm direito adquirido. O processo que será julgado trata das horas de deslocamento (in itinere), que deixou de ser calculado como jornada de trabalho com a reforma. A decisão, contudo, pode repercutir em outras mudanças como a flexibilização do intervalo intrajornada, o direito à incorporação de gratificação de função e o descanso de 15 minutos para mulheres antes das horas extras, que foi revogado. O processo, afetado como recurso repetitivo 23, deve vincular toda a Justiça do Trabalho.
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Corrêa da Veiga foi enfático ao dizer que somente a Justiça do Trabalho é qualificada para julgar relações de trabalho, regidas ou não pelas Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para ele, novas formas de trabalho sempre surgiram e surgirão, mas diante de lacunas legislativas o Judiciário é obrigado a decidir, quando provocado, de acordo com as regras existentes.
Ao ser indagado sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) ao cassar decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam vínculo de emprego, afirma que esse recurso deve ser utilizado dentro dos limites da lei, ou seja, apenas se esgotadas todas as instâncias e se houver desrespeito à jurisprudência vinculante do STF, em temas iguais. Para ele, a construção de um diálogo entre o Supremo e a Justiça do Trabalho deve marcar sua posição.
Entusiasta da conciliação, afirma que deve continuar investindo nesse meio alternativo para a solução de conflitos na Justiça do Trabalho, uma de suas bandeiras enquanto foi vice-presidente. Em 2023, a conciliação no âmbito do processo de trabalho, no Brasil, resultou em R$ 7 bilhões.
Corrêa da Veiga foi vice-presidente do TST, de 2022 a 2024 e corregedor-geral de Justiça, de 2020 a 2022. Também foi conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2017 a 2019. Formado pela Universidade Católica de Petrópolis (RJ), ingressou na magistratura em 1981, como juiz do trabalho substituto, foi desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) e, em dezembro de 2004, foi empossado ministro do TST.
Confira os principais pontos da entrevista:
JOTA: Qual será o seu principal desafio na presidência do TST?
Corrêa da Veiga: O principal desafio é trazermos a jurisdição para um conteúdo de análise mais profunda dos temas. Porque são temas de convivência social. As regras objetivas precisam ser observadas para que um caminho possa ser seguido por todos, com uma coisa chamada previsibilidade. Eu imagino que vai acontecer isso, e não a surpresa. E a jurisdição precisa estar com esse conteúdo, com essa história e os julgamentos e as decisões precisam sempre ser amadurecidas. Casos iguais precisam ter decisões iguais, para trazer credibilidade e crença no poder Judiciário. E os casos parecidos precisam ser naturalmente debatidos para entender onde está a distinção entre um e o outro, o chamado distinguishing.
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A ideia é passar segurança ao jurisdicionado de que as soluções vão estar numa mesma linha em casos parecidos?
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma noção para todos nós com relação aos temas de repercussão geral. Hoje ele tem mais de mil temas, 1.500 temas já consagrados, em que, naturalmente, por uma análise profunda e debate, se chega a uma tese jurídica. E essa tese jurídica é co-participativa. O processo mudou, o mundo mudou. Então, nós temos uma mudança geral. Não é mais aquele processo individualista do século XIX.
No dia da sua eleição, o seu discurso já tratou da questão da formação dos precedentes. Hoje, o TST tem pendentes de julgamento dois Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) e sete recursos de revista repetitivos. Parte deles deve ser julgado pela sua gestão?
Com certeza. Inclusive, tem um que eu sou o relator e o ministro Felipe Vieira de Mello, que é o novo corredor- geral, é o revisor, e nós já estamos para colocar em pauta, que é a questão do direito intertemporal, se existe a aplicação da lei reforma trabalhista nos contratos já existentes.
Já tem data para levar a julgamento pelo Pleno? Ainda este ano?
Está preparado. Da minha parte já está pronto, do revisor também. Agora é só encaminhar para a pauta. Mas deve entrar este ano, com certeza.
Nesse caso, tem alguma outra lei anterior à reforma trabalhista em que já existiu discussão semelhante?
Sempre houve um debate muito grande, que é saber se a lei retroage ou não. Se a lei nova vai ser aplicada a casos passados, a casos anteriores. São casos de contratos de trabalho que começaram no passado e ainda não terminaram. Para os contratos que já terminaram não tem grande polêmica. Se o fato social começou e terminou no passado, nós não vamos pegar aqui e dizer, olha aqui, como hoje nós estamos vivendo em uma república, a monarquia não tem nenhum efeito no período em que ela viveu. Não é assim. O sistema jurídico, na ocasião, era de um regime monárquico.
O senhor, como vice-presidente, teve como uma das bandeiras a questão da conciliação. Criou o Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc) no TST, firmou diversos acordos de cooperação técnica com os maiores litigantes da Justiça do Trabalho, para reduzir o passivo ou tentar acordo em temas pacificados. O senhor também demonstrou grande preocupação com a agilidade dos processos. Essas bandeiras também vão, agora, com o senhor para a presidência?
Com toda certeza. A conciliação é uma fase do processo que precisa ser tratada com a importância que ela se reveste. Porque, muitas vezes, o litígio, o processo, vem da incompreensão mesmo. E a função do juiz, nesse caso, é de mediador. Ele não está julgando, ele não está decidindo, não está impondo a vontade do Estado. Ele está apenas mediando, sendo aquele elo entre as partes, até, muitas vezes, trazendo subsídios, mas não decidindo. Apenas orientar para que as partes, empoderadas, porque elas estão sendo ouvidas, possam decidir a controvérsia da melhor maneira. E o resultado é tão importante e é tão interessante que a gente vê o reflexo daquilo. Porque as pessoas passam a acreditar no Judiciário. E, quando elas acreditam no Judiciário, dá uma sensação de que o caminho é esse. Além disso, em 2023, a conciliação no âmbito do processo de trabalho, no Brasil, resultou em R$ 7 bilhões. O Cejusc, em um ano de atuação, mais de R$ 1 bilhão. Na semana da execução trabalhista, que aconteceu recentemente, foram R$ 5 bilhões. E essa estrutura financeira é colocada no mercado e a arrecadação previdenciária é executada.
E com relação aos acordos de cooperação técnica?
Os acordos de cooperação técnica, nós celebramos primeiro com a União, para reduzir as questões de litígio, e foi algo fantástico, porque resultou, só nesse primeiro trabalho, a desistência pela União de mais de 9 mil processos. Houve acordo semelhante com os Correios, Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Procuradoria Geral do Rio de Janeiro. Por meio da cooperação, foram homologados 1.431 acordos nos processos e 14.838 desistências em processos sobre temas já pacificados.
O senhor também atuou na mediação de greves nesse período da vice-presidência.
Sim, nós tivemos casos de greves importantes. Entre elas, dos hospitais universitários, por exemplo, que foi uma delas, em que nós fomos chamados para uma mediação pré-processual. Antes deles entrarem com o litígio, os hospitais universitários entrarem em greve, médicos, enfermeiros, e vir uma decisão em dissídio coletivo de greve dizendo que é atividade essencial, tem que preservar o funcionamento, eles entraram com uma mediação pré-processual para que a vice- presidência e o nosso grupo tentasse ajudar a solucionar o conflito, que era exatamente o acordo coletivo, que resultou, depois de audiências sucessivas, em acordo em menos de 15 dias. Em um litígio poderia durar anos.
Como o senhor enxerga o futuro das relações de trabalho?
As relações de trabalho são evolutivas, não é? Você já ouviu falar em mecanógrafo? Pois é. A mecanografia, uma forma de automação para a impressão, era uma atividade profissional regulada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E o mecanógrafo, como era uma atividade exaustiva, tinha uma regulamentação de intervalo. A cada 90 minutos, tinha 10 de intervalo. O mecanógrafo não existe mais hoje. Assim como o fax, o pager, o telex. Hoje, nós temos algoritmos, não temos mais empregadores. Temos nuvem, smartphone. Então, o mundo do trabalho mudou também.
Como fica a Justiça do Trabalho com todas essas mudanças?
Nós temos a divisão dos poderes. Há casas que são responsáveis, competentes, que podem criar uma regulação objetiva para poder consolidar a atividade com a força dessas mudanças. E enquanto há lacuna na lei, cabe ao Judiciário. Ele não pode deixar de julgar. Então, chegou, ele tem que julgar e vai decidir com os elementos que ele tem. E o que nós precisamos entender é que quem entende de relação de trabalho é a Justiça do Trabalho. Essa é a grande questão. Nós somos responsáveis e somos formados e somos especializados para conciliar e julgar as relações de trabalho. Relação de trabalho não é relação de emprego. É relação de trabalho, é atividade produtiva. E a relação de trabalho pode ter diversas normas de regência. Dentre elas, a CLT, que embora tenha 80 anos, ainda está numa atualidade incrível. Uma jovem senhora que tem uma atuação fantástica. E outras modalidades de prestação de serviço, cuja lei de regência é outra. Mas relação de trabalho, aquilo que decorre da relação de trabalho, quem cabe julgar, quem entende, é a Justiça do Trabalho.
E essas relações de trabalho são todas regidas pela CLT?
Existem pessoas que acham que o juiz do trabalho vê a CLT em tudo. Tudo para ele é CLT. Não é verdade. Mas é claro que aquilo que mais está voltado para uma relação típica do trabalho, nós não podemos chegar e dizer “não, isso aqui é outra coisa”. E nós estamos no século XXI, um quarto de século. E ainda estamos falando em trabalho escravo, trabalho análogo. Então, são chagas que nós precisamos corrigir e acabar. E não é o direito do trabalho que é responsável por isso. Não é a justiça do trabalho, é a sociedade como um todo.
Como o senhor enxerga a atuação do Supremo nas reclamações que tratam de pejotização e uberização?
O Supremo Tribunal Federal tem a reclamação como preservação da autoridade de sua competência, conforme o sistema processual e a Constituição Federal. Agora é preciso ser utilizada nos limites que a lei prevê. Muitas vezes ela vem de uma decisão, sem esgotar todas as instâncias. Há uma pretensão, antes de o sistema de jurisdição poder corrigir, de que existe um um freepass para o Supremo, que, naturalmente, vê que a decisão é contrária à tese de repercussão geral ou à tese de aplicação obrigatória. É claro que para toda a tese jurídica do Poder Judiciário contrária ao que foi definido no Supremo nesses casos, a reclamação é o meio capaz de cassar. O que é preciso entender é se há desrespeito às decisões do STF, ou se há, naturalmente, enfrentamento de temas que não são iguais. E aí fica o debate. E esse é o diálogo que precisa crescer nesse sentido. Nós fizemos acordos de cooperação com o Supremo Tribunal Federal, inclusive com uma troca de banco de dados, que nós precisamos ter conhecimento de tudo que está se passando no país. E essa aproximação, estabelecer o diálogo, é uma das funções mais relevantes para que nós possamos aprimorar tudo.
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O TST tem a intenção de abordar essa questão da uberização, da pejotização, em um processo que crie precedentes mais amplos?
Ah, com toda certeza. Queremos estabelecer um diálogo sim. Nós colocarmos também a nossa visão social do mundo.Mas estabelecer um diálogo interinstitucional e institucional. Esse diálogo, para nós, é imprescindível. Ampliação do diálogo. O pronunciamento judicial trabalhista, ele tem sido manifestado dentro dessas questões todas, que são, de fato, polêmicas, não é? A resposta é que vale a pena investir nesses pressupostos. No dia que nós tivermos uma jurisdição consagrada para cumprir os precedentes, em que cada um faça a sua parte, o primeiro grau de jurisdição abra a ampliação da prova e do fato para poder dar o direito dentro do segmento daquilo que é previsível e julgar igualmente aquilo que é igual, os tribunais regionais e o tribunal superior farão a sua parte. O regional de revisão das decisões primeiras. E nos tribunais superiores, não pode ter aquele que vai cassar a decisão dos outros, revisar, não é uma instância revisora. É uma instância de obrigatoriedade, de pacificação da jurisprudência, para que ela tenha uniformidade e, naturalmente, verificar o cumprimento daquelas regras de previsibilidade, segurança. Naturalmente, se não, o processo não termina nunca.
O senhor concorda com a visão de alguns advogados de que existe um enfraquecimento da Justiça do Trabalho?
Não concordo. É uma retórica. De vez em quando aparece essa pauta do enfraquecimento da Justiça do Trabalho, mas a Justiça do Trabalho tem uma grandeza que já é demonstrada, já sedimentada. O fato de haver reforma de decisões da Justiça do Trabalho, isso é do sistema de justiça. Cada um na sua competência. Se eu tenho a competência constitucional, como é o caso do STF, para rever e aplicar a Constituição Federal interpretando nessas relações objetivas, é atribuição da competência. Isso não me enfraquece. Ao contrário, é preciso que as instituições sejam fortalecidas no regime democrático para que cada uma delas atue na sua área de competência.
O que achou do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tratou das homologações dos acordos extrajudiciais?
É o que nós já estamos fazendo. Não tem novidade nenhuma. É o que a vice-presidência já fez.
E a questão da proibição da homologação do acordo parcial?
Essa questão do acordo parcial é preciso entender porque o que se pretende aí é quitação geral, não é mesmo? E o acordo parcial impediria a quitação geral. A questão é o universo do acordo. Agora, acordo é vontade das partes. É empoderamento das partes, claro. Não é algo que tem que ser realizado. Tem que ser construído. E a construção do acordo vai naturalmente envolver todos. Agora, enfim, é uma questão que temos que evoluir. Se o acordo parcial ele envolve naturalmente apenas uma parcela, isso tem que ser estudado. Tem que ser pensado.
A reforma trabalhista trouxe mudanças significativas para a CLT. Depois de sete anos da sua entrada em vigor, o senhor acha que ela conseguiu o seu objetivo declarado de aumentar a empregabilidade?
Não é reforma que vai aumentar a empregabilidade.Quem aumenta a empregabilidade é a economia. É a lei da oferta e da procura. É preciso que eu tenha um padrão de pleno emprego, e o pleno emprego eu consigo com atividade econômica. Não há capital sem trabalho e não há trabalho sem capital. Então, são interligados. O que vai, naturalmente, criar as oportunidades de emprego é, naturalmente, o padrão econômico, é a produtividade, é exatamente o mercado absorvendo toda a linha de produção.
Como o senhor vê hoje as potencialidades para tecnologia, especialmente a inteligência artificial. O senhor acha que isso pode ajudar na prática da atividade judicial?
O maior banco de dados do mundo está na nuvem. Nós precisamos criar isso, um banco de dados, para que nós possamos enriquecer com as experiências e não esquecer as experiências. Cícero disse que o homem que esquece a sua história corre um sério risco de repetir tragédias. Então, a história é a base da construção do mundo e a gente não vai repetir os erros, conhecendo a história. Essa história hoje está facilitada nesse banco de dados, na inteligência artificial, na tecnologia da informação. Nós temos hoje uma fonte de pesquisa que em segundos traz uma resposta.