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Ao elevar o grau de investimento do Brasil, a agência de risco Moody’s criou um bom incentivo para os próximos passos da agenda econômica. A avaliação é de Andrea Damico, fundadora e CEO da Buysidebrazil. Segundo a economista, ao sinalizar critérios como a estabilização da dívida pública e um avanço na contenção de despesas obrigatórias, o relatório contribui para que não seja um discurso “apenas do Haddad e do mercado”.
Mesmo vendo um saldo positivo, Damico pontua que a nota surpreendeu por ter ocorrido logo após uma sequência de episódios negativos para o mercado, como o Auxílio Gás. Para ela, o acúmulo de “deslizes” no fiscal contribuíram para a queda de credibilidade que Fernando Haddad havia conquistado com o mercado em 2023. A elevação da nota é, portanto, nesse contexto, um voto de confiança.
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Sobre a política monetária, a fundadora da Buysidebrazil vê a Selic subindo até 12,5% e parando nesse nível. E avalia que a gestão a ser liderada por Gabriel Galípolo e maioria de indicados pelo presidente Lula, embora tenha “um DNA mais heterodoxo”, deve atuar dentro da institucionalidade do BC. “Por isso, eu não apostaria numa guinada. Não acho que Galípolo vai baixar juros na primeira oportunidade, acho que vão baixar os juros quando a inflação do modelo do BC apontar para isso”, salientou.
Damico é a oitava economista entrevistada da série “Cenários Macroeconômicos” do JOTA. Confira abaixo os principais pontos:
Elevação do grau de investimento
[A nota da Moody’s] me surpreendeu porque a gente veio com uma sequência de alguns eventos de sinalizações [ruins] para o mercado. Em várias delas, o governo voltou atrás. Teve a questão do Vale Gás, do funding da desoneração da folha… Então, tem uma certa tentativa de recuo, mas o problema é que as coisas não voltam ao que eram antes. Você faz um estrago e depois tenta arrumar, mas você não consegue voltar ao que era antes.
Mas não acho que ela [a nota da Moody’s] de todo atrapalha. Ela coloca uma justificativa muito pautada no crescimento e de fato a gente está com um crescimento, que é difícil entender e explicar. Estamos há três anos sendo surpreendidos com o crescimento. Uma parte dessa surpresa tem muito a ver com as reformas que os governos do Temer e Bolsonaro fizeram, que chegaram em um estágio de maturação. Tem, óbvio, a tributária, mas que efetivamente não teve nenhum efeito, nem foi regulamentada ainda, mas é uma sinalização melhor para o futuro. O cerne da justificativa [da agência de rating] está no crescimento, não está tanto no fiscal. Neste, eles fazem um tipo de ameaça, que precisa mostrar um comprometimento para a estabilização da dívida.
Outro elemento que me chamou a atenção é colocarem para materializar o outlook positivo para endereçar as despesas obrigatórias. Citam umas quatro vezes essa questão e é um bom sinal, pois basicamente estão dizendo: “Lula, se você quer o seu fatídico grau de investimento, você vai ter que endereçar as despesas obrigatórias. Reconheço o que você fez até agora, o que outros governos fizeram, mas para dar um passo extra, vai precisar mais.” Eu acho isso educativo porque não é só o Haddad, não é só o mercado falando, o RCN, quem quer que seja, é uma agência de rating que, de certa forma, deu um voto de confiança para o governo e está dizendo o caminho das pedras. E esse caminho das pedras é positivo.
Então, eu vejo que mais ajuda do que atrapalha, porque eu acho que é uma criação de um incentivo bom. Tem que continuar crescendo e precisa também endereçar a questão das despesas obrigatórias para fechar a conta lá na frente.
Política fiscal do governo e sua credibilidade
O mercado acabou não recebendo bem a ampliação das despesas fora do arcabouço. Tem a questão também de estar mirando no piso [da meta fiscal], o debate de ter uma parte significativa ainda das receitas que são extraordinárias. Então, uma parte importante da arrecadação ainda não é recorrente e parte disso está sendo usado para financiar despesas que são recorrentes.
Ficou um certo sabor amargo em relação ao relatório bimestral [de receitas e despesas], por mais que a gente veja o esforço do governo, principalmente do Ceron, repetindo que vai cumprir a meta. Mas a questão do auxílio gás, por exemplo, e depois a tentativa do Haddad de fazer um funding da reoneração, tributando setor produtivo e atropelando o Congresso, sem conversar. Esse tipo de coisa, não sei se é uma falta de malícia, ingenuidade ou se é muito do mindset deles que não conseguem se libertar, mas esse tipo de situação, e tivemos algumas, traz uma percepção pior do fiscal. E isso afeta a curva longa, câmbio, bolsa, etc. Não basta ser sério, precisa parecer sério.
Eu acho que tudo isso justifica ficar ressabiado porque eles estão buscando essa credibilidade. Se fosse a equipe do Paulo Guedes fazendo tudo isso, seria “ah, tudo bem”. Teria talvez uma tolerância um pouco maior, mas eles estão à busca de credibilidade, querem ganhar essa confiança do mercado.
O primeiro ano do Haddad foi muito bom e o mercado reagiu a isso, mas desde o começo deste ano foram acontecendo vários deslizes, para não dizer escorregões. Teve o lançamento da política industrial, a mudança da meta, foram várias gotinhas que foram se acumulando nesse pote e o resultado disso é uma perda de credibilidade.
Ao longo de 2023, Haddad conseguiu ganhar essa credibilidade, mas esse ano ele acabou – por conta desses deslizes que não são só dele, mas do governo em geral – perdendo um pouco no fiscal. Mais pela sinalização do que propriamente pelo valor específico de uma medida, R$ 2 ou 3 bilhões para lá, para cá, tem números até maiores, mas menos pelo valor e mais por essa sinalização.
Revisão de gastos
A forma que o governo conseguiria comprar a credibilidade do mercado, seria atacar as [despesas] obrigatórias. Tem a questão dos militares, também, seria algo já com efeito de sinalização importante. Mas talvez não resolvesse tanto o problema. Realmente teria que ter um endereçamento mais firme em saúde e educação e nas obrigatórias em geral.
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Qual é a questão do mercado? É “olha, eles estão fazendo todo ajuste pelo lado da receita, não tem a menor disposição para cortar gastos, principalmente nas despesas obrigatórias”. Esse é o discurso do mercado, algo como “olha, tudo bem, você pode ter receita extraordinária e fechar a conta externa, mas a conta no longo prazo não fecha, porque as despesas obrigatórias crescem mais do que os fatídicos 2,5% do teto de despesa. Então você tende a ter despesas discricionárias negativas no longo prazo para fechar a conta dos 2,5%, real”
Pode ter também um ajuste nas discricionárias, sempre tem que mexer, tem várias discricionárias que poderiam ser ajustadas, mas não resolve o problema porque o maior, o grosso das despesas, está nas obrigatórias. Então é para fechar a conta, é para ter minimamente equilíbrio de médio prazo e precisam emplacar as obrigatórias.
Futuro do arcabouço
Eu acho que eles conseguem levar [o arcabouço até 2026]. Assim como estão levando em 2024 meio que “na barriga”, eu acho que conseguem ainda até o final do mandato de Lula.
Então, deixa para o outro governo a bomba, para resolver se vai realmente atacar as obrigatórias. Ainda tem algumas coisas ainda para fazer e de repente fechar essa conta sem ter uma grande implosão do arcabouço. Mas, por exemplo, no ano que vem a gente ainda tem 0,5% de déficit. Então, falta 0,5% de arrecadação extra. A não ser que eles estejam dispostos a atacar alguma coisa nos gastos, que seria o ideal.
Próximo Banco Central
Eu sinceramente acabei me surpreendendo positivamente tanto com o Galipolo quanto com os demais indicados pelo Lula.
Apesar daquele fatídico dissenso [no Copom de junho], que foi um game changer, você vê que o BC tentou ajustar a comunicação e acabou entregando os juros. É muito mais de sinalização e percepção do que propriamente até das ações. Acho que eles têm um DNA mais heterodoxo mas, ao mesmo tempo, estão dentro da institucionalidade do BC e estão dizendo com todas as letras que vão segui-la. Por isso, eu não apostaria numa guinada. Não acho que Galipolo vai baixar juros na primeira oportunidade, acho que vão baixar os juros quando a inflação do modelo do BC apontar para isso.
Até mesmo porque você vai ter os primeiros meses de qualquer banqueiro central em que eles costumam ser mais hawkish. Então, para ganhar essa credibilidade do mercado e, de novo, tem os deslizes de sempre, às vezes o DNA fala um pouco mais alto, mas no geral a impressão é que eles estão tentando andar dentro do script.
Alta da taxa Selic
Temos juros parados em 12,5% no ano que vem, com a parada do ciclo de alta em março. A rigor, se você for ver pelo modelo do BC que deu 3,5% de inflação no horizonte relevante, já contando com 100 pontos de juros que estavam lá no Focus, se a gente fosse chegar em 3% [centro da meta], precisaria de mais 200 pontos, ou seja, um ciclo de entre 250 e 300 pontos no total.
A gente acha que o câmbio é mais baixo [do que os R$ 5,60 no modelo do BC]. O Brasil vai abrir um diferencial de juros significativo, o Fed estamos contando com 100 pontos [de corte], isso vai gerar um maior apetite por risco lá fora, então os países emergentes vão receber mais recursos. Esse final de ano ainda é complicado para o câmbio em termos de fluxo porque sazonalmente a gente tem uma saída financeira muito grande em novembro e dezembro, então a gente tem R$ 5,50 para o final do ano, mas ao longo do ano que vem entendemos que vai se consolidar o mundo com um processo de easing global, capitaneado pelos Estados Unidos e nós estaremos aqui subindo juros, sem um horizonte de queda.
Crescimento econômico e potencial do Brasil
O mercado de trabalho, por exemplo, ajudou a ter uma NAIRU menor, algo que o próprio Banco Central reconhece. Ninguém consegue cravar isso, mas possivelmente ela é mais baixa porque se a gente tivesse os padrões antigos de NAIRU, a inflação de serviços era para estar 8%, 10%, e não em 4,5% ou 4%.
Os juros estavam restritivos mas, teoricamente, eles teriam que ter batido na taxa de desemprego e não aconteceu. E o mercado de trabalho hoje segue mais apertado. Se a gente for olhar, até mesmo fazendo alguma compensação na taxa de participação para a NAIRU, mas assim, a inflação de serviços está nesse platô. Parou de cair, mas ela não reacelerou, a gente não foi para 6%, 7%. Ela está lá nesse intervalo de 4 a 4,5%, que é insuficiente para o BC. Ele talvez queira ver esse número mais perto de 4%, 3,8%, mas abaixo de 3% nunca vai ter. Sempre vai ser acima do headline, aqui e no mundo inteiro.
A gente não descarta essa ideia [do Brasil ter um potencial de crescimento maior]. Eu, particularmente, acho que está mais para 2,5% do que para 2%. Tenho dificuldade de achar que é 3%, apesar de não conseguir descartar. Abaixo de 2% eu não compro.
Tem algumas pessoas que falam que o PIB do Brasil é 1,5% e não acho mesmo, abaixo de 2% não é, por tudo que a gente construiu nos últimos anos, como a reforma da previdência, que permitiu que a gente tivesse um juro real um pouco mais baixo. Tem a tributária, que acho que é meio que um consenso que também deve elevar o PIB potencial mais para o futuro, não agora.
Na Buyside estamos com 2,9% [de crescimento] para este ano e 1,8% para o ano que vem. O deste ano consideramos mais puxado por consumo e demanda, puxando os serviços principalmente, enquanto os 3% do ano passado foram mais concentrados no agro.
Em 2025, a gente espera uma desaceleração do consumo e do investimento, que pode ser atribuída ao monetário, esses 200 pontos aí contam e ao fiscal cliff que a gente espera que aconteça. Um terceiro fator são os precatórios que, neste ano, foram importantes para estimular a demanda. A gente teve uns R$ 100 bilhões que foram distribuídos no final de 2023 e em fevereiro mais R$ 30 bilhões quase.