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O presente artigo de opinião visa discutir se a metodologia de dosimetria e aplicação de sanções administrativas prevista na Resolução CD/ANPD 4/2023 resulta na imposição de multas aos infratores da Lei 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em observância ao princípio da proporcionalidade.
A Lei 13.709 prevê, em seu artigo 52, as sanções administrativas aplicáveis pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) aos agentes de tratamento de dados em razão das infrações cometidas às normas da referida lei.
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Dentre as sanções ali previstas estão a multa simples, de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito provado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos tributos, limitada, no total, a R$ 50 milhões por infração, e a multa diária, observado o limite previsto para a multa simples, que deve observar a gravidade da falta e a extensão do dano ou prejuízo causado (art. 51, incisos II e III, da Lei 13.709).
Ainda no citado dispositivo legal, o Parágrafo 1º dispõe que as sanções serão aplicadas após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa de forma gradativa, isolada ou cumulativa, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os seguintes parâmetros e critérios: a gravidade e a natureza das infrações e dos diretos pessoais afetados; a boa-fé do infrator; a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a condição econômica do infrator; a reincidência; o grau de dano; a cooperação do infrator; a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar o dano, voltados ao tratamento seguro e adequado de dados, na forma da lei; a adoção de política de boas práticas e governança; a pronta adoção de medidas corretivas; e a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção.
A fim de estabelecer as metodologias para orientar o cálculo do valor-base das sanções de multa, o art. 53 da Lei 13.709 previu que a ANPD ficaria a cargo de defini-las por meio de regulamento próprio.
Assim, em 24 de fevereiro de 2023, a ANPD editou a Resolução CD/ANPD 4, contendo o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, publicada no dia 27 de fevereiro daquele ano.
Na referida resolução, é apresentada uma fórmula de cálculo matemático que utiliza diversos critérios para se chegar ao valor da multa, como o grau da infração (leve, média ou grave, conforme especificado no normativo), percentual do faturamento, grau do dano (com valores que variam de 0 a 3) e circunstâncias agravantes e atenuantes, além de mecanismos para manter o valor dentro dos limites legais.
É com base na Resolução CD/ANPD 4 que estão sendo aplicadas as multas aos infratores pela Autoridade. O questionamento que se faz é se tal metodologia de dosimetria atendem ao princípio da proporcionalidade, bastião orientador da aplicação de medidas sancionatórias, especialmente no direito administrativo, por força da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Isso porque, a própria Resolução CD/ANPD 4 dispõe, em seu art. 27, que a metodologia de dosimetria prevista no normativo pode ser afastada em caso de constatado prejuízo à proporcionalidade entre a gravidade da infração e a intensidade da sanção.
Ora, se tal precaução foi inserida na norma é porque a metodologia de dosimetria pode não atender ao princípio da proporcionalidade.
Na seara do direito administrativo sancionador, o referido princípio se presta a adequar as sanções impostas no caso concreto à equidade exigida pela norma. Com base em seus três fundamentos – adequação dos meios utilizados aos fins perseguidos, necessidade da medida imposta no caso concreto e proporcionalidade como ponderação entre os danos causados e os resultados obtidos – o princípio da proporcionalidade busca justamente a realização da justiça, com o objetivo da sanção não se tornar demasiadamente dura e nem insuficiente para reprimir e coibir a prática infracional[1].
Nas palavras de Steinmetz (2001) sobre o tema, a relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser proporcional, racional, não excessiva e não arbitrária[2].
De origem no direito alemão, a observância do princípio da proporcionalidade impõe-se ao agente julgador na seara sancionadora, sendo aplicado com base em uma avaliação criteriosa da infração cometida e de todas as circunstâncias que cercam o ato infrator, com o objetivo de aplicar a respectiva sanção de forma harmônica e justa segundo as normas do ordenamento jurídico pátrio.
Nesse passo, como chegar à justa medida que o princípio busca? Tal resposta não é fácil, mas talvez não venha com base em metodologias e critérios previamente estabelecidos, mas sim na capacidade julgadora do agente público responsável pela aplicação da medida sancionadora.
Senão vejamos: em julho de 2023 a ANPD aplicou as duas primeiras multas a empresas que descumpriram a Lei 13.709, de 2018[3]. As multas foram impostas em razão da ausência de comprovação de base legal para tratamento de dados pessoais e do não atendimento à ANPD quando a empresa foi solicitada a fazê-lo.
Dessa forma, foram impostas duas multas de R$ 7.200 cada, totalizando R$ 14,4 mil. O valor de cada multa foi limitado a 2% do faturamento bruto a empresa, considerada de pequeno porte.
Será que se mostrou necessária a utilização da metodologia prevista na Resolução CD/ANPD 4, ou se chegaria ao mesmo valor, ou a valor semelhante, pela simples observância, pelos agentes públicos sancionadores, do princípio da proporcionalidade?
Ou indo além, não seria passível de questionamento o valor das multas e, por esse motivo, aplicável o art. 27 da Resolução CD/ANPD 4, que prevê o afastamento da metodologia de dosimetria em casos de constatado prejuízo à proporcionalidade entre a gravidade da infração e a intensidade da sanção?
Ou ainda, como se constataria o prejuízo à proporcionalidade? Seria elaborada uma nova metodologia para esse fim?
Como se pode constatar, definir se uma sanção é proporcional ou não é tarefa difícil, não se resumindo à aplicação de metodologias que poderão – frise-se aqui, poderão e não deverão – aplicar a sanção justa à infração cometida.
Esse dilema sempre esteve presente no direito administrativo sancionador, não é algo novo. Muito pelo contrário. Mas a elaboração de uma metodologia para esse fim, por mais louvável que seja a iniciativa e feita com base em técnicas apropriadas, não é suficiente para garantir que será aplicada a sanção mais justa. Ainda mais quando reforçada pela própria norma que a utilização da metodologia pode ser afastada por prejuízo à proporcionalidade.
Nunca é demais destacar as palavras de Rozza (2009), no sentido de que a aplicação de uma sanção desproporcional, além de injusta, pode promover a ruína da atividade administrativa sancionadora do poder público[4].
Assim, advoga-se que para além de metodologias engessadas, na aplicação de sanções aos administrados o critério a ser utilizado pelo agente público deve ser a sua noção de equidade e justiça, que ao aplicar a norma ao caso concreto deverá buscar a justa medida entre o ato praticado, com tudo que o envolve (intenção do agente, gravidade do ato, vantagem obtida, agravantes e atenuantes, extensão do dano, condição econômica dos envolvidos, medidas posteriores voltadas à contenção e reparação do dano etc).
Não por acaso, a própria Lei 13.709 trouxe, em seu artigo 51, os parâmetros e critérios a serem utilizados na aplicação das sanções previstas na referia norma.
Por si só, tais parâmetros e critérios são suficientes, sob o ponto de vista da proporcionalidade, para que o agente sancionador atue em sua função decisória e defina a sanção a ser aplicada, em especial na fixação da multa, sem ser necessária a utilização de quaisquer metodologias definidas na norma, que poderão, aí sim, resultar em sanções desproporcionais, muito provavelmente aquém das justas e adequadas ao caso concreto.
Até porque, é função do agente público competente para decidir sobre a aplicação da sanção definir o seu tipo e sua extensão, com base em sua discricionariedade e observando os limites previstos na lei, sendo capaz de observar todas as circunstâncias que envolvem o ato infrator com base em sua análise técnica e criteriosa, fruto do raciocínio jurídico sobre o tema.
Ademais, o próprio princípio da proporcionalidade já é um parâmetro a ser observado, sem necessitar se apoiar em metodologias ou critérios além dos que advém de sua própria observância, desde que manejados de forma apropriada e responsável pelo agente público que decide a aplica a sanção.
Frise-se que a intenção aqui não é abolir qualquer metodologia voltada à aplicação de sanções, muito menos criticar a iniciativa da ANPD, mas apenas trazer ao debate o questionamento acerca da necessidade de uma fórmula matemática para se chegar a uma sanção justa, quando a operação do agente sancionador, muitas vezes complexa, sem dúvida, pode chegar a sanções mais factíveis e adequadas a serem aplicadas no caso concreto.
Por óbvio, o tema não se esgota por aqui. Mas substituir o pensamento e a análise crítica do operador do direito por metodologias engessadas e limitantes talvez não seja o caminho mais acertado para a realização do princípio da proporcionalidade no âmbito do direito administrativo sancionador, que deve buscar, sempre, na forma da lei, a aplicação de sanções justas e adequadas aos administrados infratores.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
ROZZA, Cláudio. Processo administrativo disciplinar & comissões sob encomenda. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2010.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
[1] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 208/209.
[2] STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 149.
[3] Disponível em https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-aplica-a-primeira-multa-por-descumprimento-a-lgpd Acessado em 23 de agosto de 2024.
[4] ROZZA, Cláudio. Processo administrativo disciplinar & comissões sob encomenda. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 58.