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O contencioso administrativo tributário constitui um instrumento poderoso de pacificação e resolução de conflitos na seara tributária, considerando-se a complexidade das questões por vezes ali tratadas, e por se constituir em instância de autocontrole de legalidade da instituição dos tributos.
Se por um lado o sistema administrativo tributário é de uma riqueza ímpar, com autonomia administrativa e legislativa aos entes políticos subnacionais, por outro, se reconhece a sua complexidade, dada a coexistência dos subsistemas instituídos pelos entes estaduais e municipais – quanto a estes se constata a tímida atuação, pela escassez de estrutura que possuem. Na esfera federal, tem-se o Carf, tradicionalmente de composição paritária (com representantes da Receita Federal e dos contribuintes).
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O cenário com que se depara o tributarista na seara administrativa é repleto de um emaranhado de legislações, justificando o clamor pelo regramento de normas gerais, a assegurar previsibilidade e segurança jurídica.
Como destaca Rodrigo Dalla Pria, “(…) as normas sobre contencioso administrativo tributário são regras de ‘Direito Tributário Processual’ – e não de Direito Processual (direito judiciário), propriamente dito”. Ou seja, guardam fundamento de validade no artigo 24, I, e seus parágrafos da CRFB. Somado ao artigo 146, III da CRFB, tem-se estabelecida a competência concorrente aos entes políticos de direito público interno legislarem em direito tributário e em procedimentos em matéria processual (XI), e à União, na fixação de normas gerais (§1º).
Daí o apelo à instituição de normas gerais, na forma do artigo 146 da CRFB, que ensejou ao Senado e ao STF a edição da Portaria Conjunta 01/22, reunindo uma Comissão de Juristas para apresentarem propostas legislativas de adequação do sistema processual tributário, notadamente, do contencioso administrativo.
Ocorre que, nesse ínterim, a EC 132/2023 modificou a tributação incidente sobre o consumo, visando sua unificação e simplificação, inaugurando o modelo dual – IBS (a cargo dos estados, municípios e Distrito Federal) e CBS (de competência da União).
Para dar conformidade e estrutura ao IBIS, o PLP 108/2024, que trata da instituição do Comitê Gestor, dispôs sobre normas gerais referentes ao contencioso administrativo do IBS.
Há, portanto, no Congresso Nacional, em discussão, o contencioso administrativo do IBS, e outro projeto de lei complementar[1], que versa sobre as normas gerais do contencioso administrativo tributário.
Destaque-se o momento de reestrutura do sistema tributário administrativo, para atender aos anseios da sociedade, com eficiência e eficácia, aproveitando a experiência das referidas Cortes Administrativas, situação que impacta no acesso ao Judiciário, ao se obter uma decisão de escol, na esfera administrativa.
E um dos fatores, incontestavelmente, deve-se à constituição paritária desses órgãos (cerca de 77% dos tribunais administrativos)[2], construindo decisões cada vez mais técnicas, dada a profundidade dos debates vertidos pelos seus membros.
A paridade das Cortes Administrativas, constitui tema de expectativa dos juristas, inclusive, a merecer o destaque devido como princípio normativo.
Contudo, o PLP 108, não foi alvissareiro, pois só se estabeleceu a paridade entre os julgadores representantes do fisco e contribuintes na segunda instância de apreciação do processo administrativo tributário (artigos 104 e 106), passando o termo paridade a ser utilizado com mais entusiasmo ao se referir à representatividade equitativa entre os estados e municípios, no âmbito do Comitê Gestor do IBS (art.101).
A situação apontada, reflete, por certo, a crise que se abateu sobre o modelo de composição do Carf, desde a Operação Zelotes, em 2015, que apurava possível prática delitiva por parte dos conselheiros da referida corte.
Mesmo após várias absolvições, houve modificação também no formato de votação do Carf, ora suprimindo o voto de qualidade (Lei 13.988/20), resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte em caso de empate, ora, revogando-se a alteração, restabelecendo o referido critério de desempate (Lei 14.689/23). ADIs foram propostas contra a primeira lei, já alterada.
Todavia, segue a Receita Federal avançando contra a própria estrutura paritária dos tribunais administrativos (conclusões da CGU e do TCU[3] – este pelo Acórdão 336/2021-Plenário)[4].
Em meio às alterações legislativas do sistema tributário, a discussão sobre a paridade das Cortes Administrativas é ponto crucial. Não é o modelo em questão que enseja o cometimento de práticas infracionais pelos julgadores.
A problemática reside muito mais na ausência de parâmetros seguros quanto as garantias, vedações, forma de escolha dos conselheiros, robustecendo a autonomia dos órgãos julgadores, do que no modelo de composição paritária.
Há que se sopesar ainda, o quanto se perde, no abandono do modelo de um tribunal administrativo que promove a dialeticidade necessária às soluções de alto teor técnico.
Impõem-se reconhecer que as decisões proferidas na seara administrativa, por vezes, orientam os tribunais judiciais servindo como fundamento de votos[5].
Mas, infelizmente, deu-se significação semântica à paridade, como forma de participação equitativa dos entes políticos subnacionais, na composição do CG do IBS. O PLP 108, destaca a uniformização das decisões do CG-IBS (art.91, §1º[6] e art.98, §2º), mas prevê em sua cúpula, um órgão integralmente composto por julgadores oriundos do fisco (art. 108). As discussões técnicas, analisadas de forma dialética, se restringem à segunda instância recursal.
Avizinha-se uma ameaça ao modelo de contencioso paritário que vinha se consolidando mesmo diante de regulamentos distintos dos entes políticos, justamente porque atende às exigências de rigor técnico e efetivo nas decisões, constituindo-se em muitas das vezes, na melhor opção das partes.
O modelo previsto para o contencioso do IBS diminui a participação de representantes dos contribuintes e representa um retrocesso na solução adequada dos conflitos tributários.
É imperioso que se aborde adequadamente a questão da paridade de representação das partes do processo administrativo tributário (e não somente entre os representantes dos entes políticos), especialmente, na instância de uniformização de jurisprudência administrativa, sob pena de se transformar a experiência exitosa de quase uma centena de anos, em letra morta e ineficaz.
O PLP 108 acende a luz vermelha sobre possíveis alterações a serem implementadas no contencioso administrativo tributário quanto à sua constituição.
Ao argumento (falacioso) de se combater a corrupção e resguardar o volume arrecadatório, corre-se o risco de se suprimir valores fundamentais que promovem a segurança jurídica, o devido processo legal, a estabilidade e efetividade das decisões administrativas, obtida pelos tribunais administrativos tributários paritários.
[1] DALLA PRIA, Rodrigo. Por um contencioso administrativo tributário unificado e descentralizado. Conjur (artigo publicado em 19 de maio de 2024). Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-mai-19/por-um-contencioso-administrativo-tributario-unificado-e-descentralizado/, acesso em 19/05/2024. DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. 3.ed.revista e atualizada. São Paulo: Noeses, 2024.
[2] PLP 381/2024, que trata de normas gerais sobre processo administrativo tributário.
[3] Relatório de Alto Risco da Administração Pública.
[4] Os relatórios do Ministério da Fazenda têm se voltado contra o modelo paritário, e não propriamente quanto ao critério a de desempate dos julgamentos.
[5] No REsp 1.133.032/PR, o STJ fundamenta sua posição nos pronunciamentos da Fazenda Nacional, via Conselho Superior de Recursos Fiscais.