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A chegada ao poder de Hugo Chávez, na Venezuela, Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, veio junto com o recrudescimento estratosférico das prerrogativas formais de autoridade dos tribunais constitucionais desses países. No início do século 21, esses países enfrentaram processos radicais de refundação institucional, no bojo do chamado Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
Principalmente na Venezuela e no Equador, mas também em menor grau na Bolívia, o aumento da autoridade dos tribunais (escopo de temáticas sobre as quais um tribunal constitucional pode tratar e o leque de atores legitimados para acionar esse Poder) ocorreu concomitantemente aos processos de autocratização e erosão democrática.
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Segundo os manuais, a autocratização e a ascensão de lideranças iliberais ocorre principalmente com o esfacelamento das chamadas instituições contramajoritárias. Como poderia, então, esse processo catalisar um aumento formal do poder dos tribunais cjonstitucionais? A erosão democrática pode ocorrer juntamente com o alargamento da autoridade das cortes?
A resposta para esse dilema passa pela análise histórico-institucional dos países da América Latina. No Brasil e na Colômbia, o aumento da autoridade das cortes se converteu em salvaguarda à democracia.
A atuação defensiva dessas instituições contra os desmandos de presidentes populistas e com pretensões hegemônicas (como Jair Bolsonaro no Brasil e Álvaro Uribe na Colômbia) consolidou cortes hipertrofiadas como baluartes da democracia liberal.
Na Venezuela, no Equador e, em menor grau, na Bolívia, a realidade é outra: cortes anabolizadas com amplas prerrogativas são servis ao regime de ocasião. Em ambientes institucionais instáveis, tribunais constitucionais cujas prerrogativas de autoridade foram incrementadas podem atuar como defensores da democracia. Porém, é irrealista esperar que isso ocorra em países nos quais os níveis históricos de estabilidade institucional das cortes e de democracia não sejam faustos. Trajetórias institucionais erráticas aumentam os custos de decisões desafiadoras por parte dos tribunais constitucionais.
O Brasil possui, na média, a corte mais estável da América Latina, juntamente com a Costa Rica. Mas não podemos esperar decisões independentes das cortes levando em conta somente seus desenhos institucionais de maneira isolada. Tribunais constitucionais não operam no vácuo e estão inseridos em contextos específicos.
O histórico dos países na construção dessas instituições influencia o modus operandi dos atores, suas escolhas e caminhos trilhados. Esse processo, o histórico pregresso e o saldo democrático de um país são tão ou mais importantes que a mera criação de cortes superpoderosas.
É o que ilustra o caso do Chile e do Uruguai. Cortes com poucas prerrogativas e baixa autonomia formal conseguem figurar nas melhores colocações em termos de independência judicial na prática: investimento estrangeiro, confiança, legitimidade e cumprimento das decisões expedidas.
Ou seja, apenas olhar para os desenhos institucionais pode levar a conclusões errôneas sobre a independência judicial. Somente cimentar um vasto rol de direitos em constituições prolixas não municia tribunais contra aventuras autoritárias de lideranças iliberais.
Países não se tornam democracias liberais do nada: há um longo caminho até que se alcance a independência judicial e o Estado democrático de Direito. É impossível dar um cavalo de pau em um transatlântico: instituições geram inércia.
Demagogos com inclinações autocráticas surgem em diversos países. O dano que esses líderes podem gerar irá depender não só da presença formal de normas e mecanismos de independência judicial e checks and balances mas, principalmente, da cultura democrática doméstica, da vigilância da sociedade civil e do histórico institucional acumulado ao longo das décadas.
Apenas se fiar em critérios formais, como autoridade judicial, pode se configurar num tiro que sai pela culatra: em contextos de instabilidade crônica tribunais hiperdimensionados podem servir como arma política para a consolidação de regimes autoritários.
Esse não é o caso do Brasil. Aqui, o problema reside na ausência de autocontenção da corte e das dificuldades internas em torno da construção de um senso de colegialidade, o argumento das 11 ilhas. Mas a experiência histórica brasileira mostra um tribunal verdadeiramente independente na prática e cuja autoridade não se converteu em instrumento dos regimes de ocasião, vide casos como a Ação Penal 470 (mensalão) e as perdas impostas ao governo Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19.