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Diz Byung-Chul Han que a modernidade, com o avanço tecnológico, vive a sociedade da transparência, a qual reputa que “[A]s ações se tornam transparentes quando se tornam operacionais, quando se subordinam a um processo passível de cálculo, governo e controle”[1].
Em igual sentido, mas numa outra roupagem, Gilles Deleuze crê que a humanidade caminha para a sociedade do controle cujo funcionamento não é prioritariamente pelo confinamento das pessoas ou das informações, mas por um controle contínuo e comunicação instantânea[2].
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Relacionar tributação e sustentabilidade tendo a governança corporativa é inexorável apontar que a disponibilidade de informações, de maneira confiável, segura e tempestiva, e a conformidade de condutas dos contribuintes se mostra como zênite dessa relação.
A Governança Corporativa Tributária como o conjunto de práticas e condutas em conformidade com a legislação tributária ganha um aspecto relevante a todos os stakeholders, porque o Estado deixa de ser o único destinatário desses dados para serem colocados em análise sob o escrutínio da sociedade.
Isto veio com toda evidência a partir do alvoroço existente no Tax Shaming praticados por grandes empresas multinacionais que, em função de planejamentos tributários sofisticados e internacionais, deixaram erodir as bases tributárias de suas jurisdições originárias (principalmente Estados Unidos e Grã-Bretanha).
O fato de ter havido um processo “geológico” à arrecadação tributária local fez gerar o BEPS (Base Erosion Shifting Profit) como medida de salvaguarda para que os recursos tributários não ficassem represados em outra jurisdição, que obstasse qualquer vantagem tributária direta ou indireta sobre a renda dos contribuintes.
Esses movimentos internacionais repercutem no Brasil inevitavelmente, muito embora exista um paradoxo institucional em sua adoção pelas autoridades brasileiras. A dualidade é de que os instrumentos sofisticados que buscam a manutenção da arrecadação local são adotadas como se fossem a pedra angular em face da evasão ou até mesmo da elusão fiscal.
Contudo, o movimento contrário disso está na possibilidade de reversão e alocação imediata desses recursos tributários à sociedade. Ou seja, quanto maior o equilíbrio fiscal arrecadatório haverá um aumento na prestação dos serviços estatais revertidos à sociedade. Este é o debate que existe em países anglo-saxões, por exemplo.
Como sabido, no Brasil, o debate apenas fica sob o aumento da arrecadação tributária, em vistas de equilibrar o déficit orçamentário, porém sem nunca discutir o tamanho fiscal do Estado brasileiro ou de combater efetivamente as mazelas educacionais, de saúde e segurança, tais quais existem com primor nos países mais desenvolvidos e que discutem com veemência a aplicação dos planos de ação do BEPS, seja pelos seus pilares bidimensionais (Pilar 1 e Pilar 2).
Tanto é que a MP 1264/2024, em conjunto com o ineditismo de haver uma Instrução Normativa 2.228/2024 já publicada, trouxe as regras do Pilar 2 da OCDE para ajustar a tributação mínima efetiva de 15% por meio do adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A Governança Corporativa Tributária não basta apenas no cumprimento fidedigno à legislação tributária (daí o comply with), seja por meio da obrigação principal, seja da acessória, mas o contexto atual aponta para que haja uma divulgação dessas informações tributárias de maneira ampla a todos os stakeholders; assim o fisco deixa de ser exclusivamente um destinatário regular dessas informações. Isso permite que a conciliação dos dados consiga fazer com que se compreenda para além do cotejo entre o quanto a empresa reporta de tributos a pagar (no passivo) em contrapartida à incorrência de uma despesa e a projeção do fluxo de caixa de quando haverá o pagamento daqueles tributos, mas que qualquer usuário das informações compreenda a possível diferença entre a alíquota nominal dos tributos e a alíquota efetiva.
Inexoravelmente, quando se pensa em sustentabilidade e voltando-se aos critérios do ESG com a tributação, o “G” da governança é que ganha destaque justamente por essas razões, uma vez que a expectativa da sociedade é que o desenvolvimento sustentável indique que a empresa está devidamente pagando seus tributos ao governo, bem como isto seja bastante visualizável, e sob a óptica de Byung-Chul Han, com “olhos visíveis” que confiram imediatamente o condão da transparência.
E a transparência das informações tributárias somente se mostra a partir de relatórios que possam fornecer tais informações. Isso é importante destacar pelo fato de que os relatórios de sustentabilidade estão atualmente relevantes para que as empresas divulguem suas informações em prol dos critérios ESG. Apenas destacamos que a Resolução CVM 193/2023 determinou que as companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras divulguem informações a respeito da sustentabilidade e dos impactos climáticos, notadamente, em vigência voluntário para este ano sobre as IFRS S1 e S2.
Além disso, mais precisamente para o campo tributário, a GRI (Global Reporting Initiative) possui relatório específico para informações tributárias, qual seja: a GRI 207 – Tributos. A discussão que envolve é compreender a materialidade (o impacto dessas informações) e como elas devem ser divulgadas. A forma pela qual a informação tributária é divulgada à sociedade é sensível, merecendo uma sinergia entre todos os departamentos sobre o quê está sendo divulgado e o porquê aquilo está incutido em sua cadeia de valor.
Contudo, o fato de haver o pagamento do tributo em si se mostra um pouco mais complexo à medida que a sociedade não compreende a mecânica da apuração tributária ou a sua própria complexidade. Imaginemos que uma situação de uma empresa que, por uma opção gerencial, incorreu em prejuízo fiscal ao longo de 2 anos, ao mesmo tempo, formou saldos credores de ICMS e da contribuição ao PIS e da Cofins. O que haverá de relatar neste caso? Para um tributarista ou um contador, a resposta imediata será: os próprios valores negativos referente a cada um dos tributos.
Mas a população em geral que deparar com essas informações organizadas compreenderá que a empresa não está pagando os tributos ao Estado pela própria mecânica da apuração? À primeira vista, não; desde que haja a correlação entre o dado quantitativo com a qualitativa, qual seja: a explicação de que a legislação tributária, pelos ajustes de adições e exclusões no Lucro Real e a técnica da não cumulatividade, permite o regular não pagamento dos tributos. Ainda assim, aparentemente, haveria uma desconfiança natural sobre essas informações pela própria formação cultural brasileira quanto à relação de tributos e arrecadação.
O princípio da cooperação tributária entre fisco e contribuinte deve ser praticável e não só lido como um mandato de otimização para que algo se concretize, tal qual como introduzido recentemente no § 3º do art. 145 da Constituição Federal. No entanto que, de fato, existam medidas crescentes que afastem a imanente visualização cartunescas de embates entre Tom e Jerry. O Programa Confia é o grande norteador dessa intenção de aproximação entre contribuintes e fisco, contudo isto precisa também ser estruturado em nível estadual e municipal.
Não basta a União criar um programa, quando ainda se tem problemas quixotescos sobre creditamento de ICMS que envolvem a boa-fé do adquirente, quando mais o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cristalizou a sua Súmula 509[3] de que o comerciante de boa-fé pode aproveitar os créditos de ICMS de uma nota fiscal que foi posteriormente declarada inidônea, os quais poderiam ser facilmente resolvidos sem qualquer embate em contencioso tributário. Muitas vezes o pagamento das contas massivamente, como forma de gestão em tesouraria, é mal compreendido pelas autoridades tributárias, as quais ainda esperam um cheque específico ou recibo de pagamento.
O que reforçamos ao longo dos nossos textos é que o tributário ou o tributo estão incluídos em todas as outras letras dos critérios do ESG, e se alguém acredita que a sigla poderia ser “ESGT”, na verdade, a sua localização é implícita aos critérios ambientais, sociais e de governança.
Alcançar o desenvolvimento sustentável é a meta que esperamos trilhar nos próximos anos, de acordo com a agenda esperançosa da ONU para 2030, mas faltam quase cinco anos para garantirmos que os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável estejam aptos a se concretizar como políticas governamentais. Nossa intenção não é criar cenário desolador ou distópico, mas que o governo, a curto, médio e longo prazo, igualmente incuta em suas raízes procedimentais e decisórias que ele é o signatário dessas metas, não deixando à mercê a sustentabilidade exclusivamente para as empresas.
Os ambientes de reforma tributária, seja do consumo, seja do Imposto de Renda que está por vir (se é que já não veio com o ingresso do Pilar 2 ao ordenamento jurídico brasileiro), precisam cotejar a sustentabilidade não somente em benefícios fiscais, mas que haja um debate com a sociedade a respeito da alocação desses tributos e o aprimoramento da confiança entre fiscos e contribuintes que confira transparência para ambas as partes.
Voltemos a Byung-Chul Han que a confiança somente existe “em uma situação que conjuga saber e não saber. Confiança significa edificar uma boa relação positiva com o outro, apesar de não saber dele; possibilita ação, apesar da falta de saber. Se de antemão sei tudo, já se torna supérflua a confiança”[4]. É nisso que acreditamos haver entre sustentabilidade e a tributação.
[1] Cf. Sociedade da transparência. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, Rio de de Janeiro: Vozes, 2017, p. 10.
[2] Cf. Conversações. Tradução de Peter Pal Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1992, p. 216.
[3] É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.
[4] Cf. Sociedade da transparência. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, Rio de de Janeiro: Vozes, 2017, p. 111.