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O Índice Global de Inovação (GII, na sigla em inglês), apresentado pela Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI), não apenas mede o grau da inovação em 133 economias, mas também traça seus rumos globais. Nesta série de artigos (leia os anteriores aqui e aqui), estamos analisando a edição 2024 do GII, divulgado no último dia 26 de setembro, em busca de pistas para aprimorar o ecossistema de inovação brasileiro.
Neste texto, detalharemos o cenário global, considerando os 4 estágios do ciclo de inovação: (1) investimento em ciência e tecnologia; (2) progresso tecnológico decorrente; (3) absorção da tecnologia gerada; e (4) impactos socioeconômicos da inovação.
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Investir em ciência e tecnologia
Os investimentos em inovação conheceram períodos de pujança e se mantiveram resilientes durante a pandemia, com recordes entre 2019 e 2021. Contudo, a tendência de estagnação e declínio a partir de 2022 foi confirmada no último ano – e os próximos se mostram incertos.
A primeira métrica foi a redução de 5% no número de publicações científicas, rompendo crescimento acelerado anterior (novas publicações em 2020 cresceram 8,7% e 8,4% em 2021). Sugere-se que a queda tenha ocorrido em razão de menos pesquisas nas ciências ambientais e relacionadas à Covid-19. Ainda assim, a década de 2013 a 2023 encerra período no qual se registrou um número de publicações acima das projeções.
No quesito investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o crescimento global foi de 5%, um pouco inferior aos números dos anos anteriores (6,6% para 2021 e 6,2% para 2019). Do valor investido, 70% advêm de empresas – pouco mais de US$ 1,2 trilhão. A despeito da diminuição em termos reais, o percentual investido comparado à receita se manteve constante.
Os setores de equipamentos elétricos e de tecnologia da informação e comunicação (ICT hardware) (US$ 300 bilhões) lideraram os investimentos em P&D, seguidos do farmacêutico e de biotecnologia (pouco mais de US$ 250 bilhões). Já o setor de serviços de ICT e software registrou investimentos em patamar abaixo de US$ 250 bilhões. Juntos, esses setores representam 2/3 do investimento global. Dentre eles, o setor farmacêutico teve maior crescimento – de 3% (2022) para 10% (2023).
Quanto aos investimentos de venture capital, percebe-se declínio, com impacto no número de negócios realizados (redução de 10%) e no valor investido (40% menores). Os números remontam ao pós-crise de 2009 e confirmam a incerteza dos investidores de risco.
O gráfico abaixo avalia o redesenho geográfico de destino do investimento em venture capital nos últimos 25 anos:
A América Latina segue com 1% dos investimentos após um quarto de século, demonstrando incapacidade da região em avançar como porto atrativo para investidores.
Outro dado preocupante se revela nas patentes depositadas. O número de depósitos pelo Tratado PCT caiu 1,8% em comparação ao ano anterior. É a primeira retração do indicador desde 2009. Estados Unidos e Japão depositaram menos patentes em 2023 (5,3% e 2,9%, respectivamente), enquanto Índia e Turquia têm movimento oposto (44,6% e 8,5% de crescimento).
Progresso tecnológico
A capacidade computacional tem evoluído rapidamente e em diferentes setores. Mais uma vez o índice atesta a rápida evolução dos computadores, mesmo que a eficiência energética destes não esteja avançando na mesma velocidade. Neste ponto, o custo da energia renovável também atesta tendência de redução para tecnologias fotovoltaicas e para energia eólica (3,9% e 3,5% mais acessíveis, respectivamente).
É inegável que o custo de energias renováveis tem diminuído brutalmente (a energia solar era 710% mais cara que a energia de combustíveis fósseis em 2010; hoje apenas 27%). Mas ainda há desafios tecnológicos para maior competitividade.
O progresso tecnológico é bastante perceptível, segundo a OMPI, na redução do custo de baterias elétricas. Alcançou-se o menor valor: 13,7% mais barato que em 2022. Espera-se que tal tendência se mantenha, com o uso de novos compostos químicos mais baratos como matéria-prima.
Outro progresso está na redução de custos para sequenciamento genético. Pelos parâmetros do GII, o preço para sequenciar DNA humano diminuiu de cerca de US$ 100 milhões (2001) para US$ 500 (2023). Tornar o sequenciamento genético mais acessível permite realização de novas pesquisas na área da saúde.
Novidade do GII 2024 é a avaliação do número de novas substâncias ativas introduzidas globalmente, um indicador relevante de propriedade intelectual no setor farmacêutico. Houve aumento de quase 10% frente a 2022, totalizando 69 novos medicamentos. É o maior número desde 2013, com exceção dos anos 2020 e 2021 (81 e 93 lançamentos, respectivamente).
Absorção de novas tecnologias
Pela primeira vez, o GII analisou as taxas de conectividade. A intenção é monitorar a adoção de tecnologias de comunicação. Concluiu-se que 95% da população pode contar com tecnologia 3G e 38% hoje se beneficia de conexões 5G (a utilização comercial ocorre desde 2019).
Há diferenças substanciais entre regiões: Europa lidera utilização da tecnologia 5G, seguida das Américas e Ásia-Pacífico (68%, 59% e 42%, sem recorte entre América do Norte e América Latina). Em contraste, a África tem apenas 6%.
Outro indicador é a venda de carros elétricos. A redução de preço tornou-se atrativa para China, Europa e Estados Unidos – 18% do mercado global foi de veículos elétricos. Índia, Tailândia e Indonésia cresceram em números, mas economias emergentes têm mais dificuldades por conta de altos preços e pouca infraestrutura de recarga.
Também aumentaram os índices de automatização e utilização de robôs. Mais de 550 mil indústrias automatizadas foram registradas, avanço de 5% se comparado ao ano anterior. Indústrias de eletrônicos e automotivas lideram a utilização de robotização (28% e 25% das instalações). Cinco países dominam o mercado: China, Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha.
Contudo, dois indicadores se mostraram insuficientes no GII 2024, a despeito de avanços. O uso de tecnologias sanitárias seguras avançou 1,4%, percentual menor do que em outros anos. Mesmo com melhorias na Ásia, as taxas são insuficientes para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU 2030.
Outro indicador insuficiente se refere à disponibilidade de equipamentos de radioterapia[1] para tratamento de câncer. Mesmo com avanço de 3% no número de equipamentos por habitante, países de renda média baixa e renda baixa ainda registram limitado acesso à tecnologia disponível.
Impactos socioeconômicos da inovação
Finalmente, a OMPI avalia em que medida a inovação tem trazido benefícios socioeconômicos. Nesse sentido, consideram-se indicadores de produtividade, redução de pobreza, expectativa de vida e mudanças climáticas.
Métricas para avaliação da produtividade global demonstram aumento de 1% frente a edições anteriores. Quanto à redução da pobreza, pode-se comemorar redução em 5% do número de pessoas vivendo em pobreza extrema em 2023[2], com 200 milhões de pessoas a menos do que em 2012. Infelizmente, os números superam os verificados pré-pandemia.
Sobre a longevidade da população, o GII indica que há retomada tímida do aumento da expectativa de vida, após retrocessos na pandemia. Hoje, a expectativa média é de 72 anos, 20 anos a mais que em 1960. Mas as diferenças regionais ainda são relevantes – a expectativa de vida no Japão chega a ser 30 anos maior que em países de baixa renda.
A OMPI também atesta baixo impacto do avanço tecnológico nos indicadores de aquecimento global. Avaliou-se o impacto da atividade econômica e estratégias de inovação em benefício de combate aos desafios impostos ao clima. Neste quesito, há confirmação pelo índice, não apenas da maior temperatura global já registrada, como também de que emissões de CO2 estão em ascensão, com níveis acima de anos pré-pandemia. Nenhum avanço foi percebido em 2023, dificultando em muito os compromissos globais assumidos no Acordo de Paris, em 2015.
Conclusão
Os indicadores demonstram consistência e avanços nos ciclos de inovação medidos pela OMPI, incluindo a absorção de novas tecnologias pela população global. Contudo, permanece o desafio de harmonizar acesso a tecnologias em diferentes regiões e os benefícios socioeconômicos e ambientais desses investimentos.
Conjunturas políticas e econômicas instáveis prejudicam investimentos em P&D e podem afetar os ecossistemas de inovação, que demoram a ser construídos e desenvolvidos. Como disse o presidente da OMPI, Daren Tang, são tempos nebulosos e incertos para a inovação global.
[1] Consideram-se equipamentos radioterápicos de aceleração linear para tratamento ou uso paliativo em algumas condições oncológicas.
[2] 712 milhões de pessoas vivendo com menos de USD 2,15/dia.