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Estamos em uma era em que os desafios têm camadas e mais camadas de complexidade e incerteza. Sentimos a necessidade de nos reinventar diariamente. Nesse percurso, não adianta querer saber todas as respostas, prosperamos quando fazemos as provocações certas. Há anos falamos sobre sustentabilidade, mas conceitos como ecoeficiência, justiça climática e equidade ainda parecem muito novos no modelo mental de se fazer negócios.
Como líder jurídica em áreas que tratam da relação empresarial com as pessoas, a sociedade e o meio ambiente – trabalhista, cível, ambiental, criminal – e diante da crescente profusão de dilemas sociais e ambientais, percebi que precisava me reconectar com algo mais profundo para desenvolver estratégias que atendessem às reais necessidades e oferecessem soluções mais eficazes. O que me levou de volta à Escola de Belas Artes, onde aprofundei raízes históricas de conflitos socioculturais.
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Paralelamente, o mundo corporativo seguia em transformação, reconectando-se às demandas do ESG (aspectos sociais, ambientais e de governança) e aos novos paradigmas regulatórios, especialmente no plano climático. A sustentabilidade foi o nosso ponto de convergência.
Os caminhos não precisam ser lineares e cada trajetória possuirá singularidades a serem respeitadas. Mas, em meio a essa jornada, a criação da cadeira jurídica socioambiental pareceu o passo mais acertado. Por meio de uma perspectiva holística, integrando Direito e sustentabilidade, é possível construir mecanismos que combatam violações, ofereçam respostas equânimes e gerem valor em todas as dimensões: acionistas, colaboradores, fornecedores e clientes.
Tal atuação abriu espaço para o desenvolvimento de uma estratégia empresarial mais criativa e consistente, para além do discurso. Conjunção que passou a ser uma ferramenta de vanguarda, assegurando direitos e deveres e alinhando toda a indústria em torno de uma nova visão que habilita o crescimento a longo prazo.
Entretanto, o cenário climático ameaça a estabilidade de todo o ecossistema econômico à medida que acentua os riscos de uma realidade já intensamente cambiante. De acordo com o último relatório do Fórum Econômico Mundial, os eventos climáticos extremos representam o segundo maior risco corporativo no curto prazo, perdendo apenas para a desinformação. Segundo dados da Organização Mundial de Meteorologia, os eventos extremos já resultaram na morte de mais de 2 milhões de pessoas e em prejuízos globais na ordem de US$ 4,3 trilhões.
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou novo protocolo para calcular e precificar as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, já existem mais de 100 regulamentações climáticas apenas na esfera federal. Embora o volume de processos judiciais que tratam de indenizações por impactos no clima – cerca de 80 casos, segundo o Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno da PUC-Rio – ainda seja baixo, esse tipo de litigância tende a aumentar expressivamente à medida que cresce a percepção social sobre os danos climáticos e sua conexão com a pegada ecológica das organizações.
A experiência internacional não aponta um cenário promissor. Grandes empresas e países estão sendo obrigados judicialmente a revisar seus planos de descarbonização para dar conta de cumprir as respectivas metas, como ocorreu no caso de uma famosa multinacional petroleira e do governo suíço. No setor privado, já há casos de conselheiros sendo responsabilizados individualmente.
Agentes reguladores e participantes do mercado financeiro ao redor do mundo, incluindo o setor de seguros, estão desenvolvendo taxonomias e estratégias que assegurem a resiliência de suas operações. A sustentabilidade torna-se um imperativo para o desenvolvimento dos negócios.
No Brasil, o Banco Central lidera a agenda de finanças sustentáveis com normas como BCB 139, 140 e as Resoluções CMN 4943, 4944 e 4945, que exigem das instituições financeiras o gerenciamento dos riscos socioambientais, incluindo o climático. A Superintendência de Seguros Privados, com a Circular nº 666, também impõe obrigações para a gestão desses riscos.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a Resolução 193, coloca o Brasil na vanguarda da transparência de informações de sustentabilidade ao adotar o Padrão Global de reporte financeiro do ISSB (International Sustainability Standards Board), em alinhamento com a IFRS Foundation, responsável por ditar o padrão contábil mais adotado no mundo.
Tal movimento pretende o disclosure de informações relacionadas à sustentabilidade com objetivo de nivelar as empresas e fundos para investidores de todo o mundo, afinal, nas palavras de Warren Buffett, “quando a maré baixa, é que a gente descobre quem está nadando pelado”. Se pensar que “o investidor ganha mais quando coloca dinheiro em uma empresa que está melhorando as práticas de ESG e diminuindo os seus riscos”, vale lutar por práticas sustentáveis porque elas se refletem no valor da empresa.[1]
O que antes era visto como diferencial se tornou categórico para grandes negócios: os investidores estão em busca de empresas com uma adequada agenda de sustentabilidade; os corajosos irão se beneficiar. Cabe à administração garantir que as empresas se adaptem a tempo de aproveitar esse momento.
A alta liderança, como guia do propósito, missão e estratégia de uma grande organização, tem o papel crucial de alinhar-se à mentalidade emergente e moldar os próximos capítulos de nossa história. Não seria o momento de criar novas posições institucionais para atender às demandas do nosso tempo? A cadeira jurídica socioambiental deve possuir a capacidade de construir visões prospectivas, promover a conformidade e avaliar os riscos de sustentabilidade, especialmente o climático, em todas as atividades de uma empresa.
Com uma sensibilidade apurada para captar diferentes perspectivas e as reais necessidades por trás de cada demanda, além de um profundo conhecimento do universo corporativo e forte engajamento na liderança horizontal de diversas áreas, a posição jurídica socioambiental se torna cada vez mais estratégica nas organizações, garantindo o cumprimento transversal dos compromissos empresariais e capturando as melhores oportunidades do mercado.
A especialidade ambiental e em direitos humanos, aliada ao conhecimento significativo em matéria de governança, compliance e riscos, não só viabiliza, como potencializa, toda a estratégia de sustentabilidade. A gestão de fornecedores, a seleção dos investimentos, a aplicação de limites e restrições para novos negócios também precisam incorporar os mesmos mecanismos de aferição e tratamento de impactos socioambientais.
Vale lembrar que todas as informações, ao serem divulgadas, tornam-se vinculantes na medida em que influenciam o volume e a direção dos investimentos, bem como a decisão de clientes e parceiros. Logo, o walk the talk precisa ser radical se as empresas e seus administradores não quiserem se surpreender com pedidos de prestação de contas e indenizações.
Devemos nos adequar à urgência do nosso tempo. A degradação ambiental e as injustiças sociais não são questões para um futuro distante – estão evidentes aqui e agora. Tampouco vale a pena deixar de fazer o que estiver ao nosso alcance para promover um futuro viável. Para enfrentar esses desafios, a alta administração precisa de uma combinação de membros com diferentes experiências, compreensão adequada de riscos e oportunidades e uma visão imersa nos imperativos socioambientais e nas transformações que essa agenda requer. Afinal, não mudar pode custar muito.
[1] INSPER. Como as práticas de ESG impactam os preços das ações. 2023. Disponível em: https://www.insper.edu.br/pt/noticias/2023/4/como-as-praticas-de-esg-impactam-os-precos-das-acoes. Acesso em: 10 out. 2024.