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Os problemas envolvendo a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS das bases de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) parecem não ter fim.
Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois de longos anos de discussão, tenha finalmente concluído o julgamento da matéria pela sistemática dos recursos repetitivos, tema 1182, a onda de litigiosidade pode vir a ganhar um novo ciclo.
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É que o Poder Executivo federal, após o recente trânsito em julgado dos casos envolvidos no Tema 1182, ocorrido em 14.08.2024, se manifestou, em outras palavras, no sentido de que não cumprirá a decisão do STJ. Exatamente isso: o Executivo não seguirá o precedente do Judiciário.
O posicionamento do poder público foi emitido via comunicado institucional, disponibilizado no sítio da Receita Federal na internet, em 20.09.2024. Nele, o órgão fazendário relata que emitiu, nos últimos meses, alertas de conformidade aos contribuintes. Isso para que estes corrijam aquilo que seriam, na ótica da RFB, “irregularidades” envolvendo a matéria.
Tudo sob pena de fiscalização e lavratura de auto de infração. Segundo as palavras contidas na aludida comunicação, ela serviria para fins de orientação das empresas. Mais precisamente, ela demonstraria “exclusões indevidas” que “não encontram amparo jurídico na legislação fiscal, tampouco na jurisprudência qualificada do Superior Tribunal de Justiça”.
O problema central do mencionado comunicado no que se refere ao não cumprimento do precedente judicial é basicamente o seguinte: dentre as situações denominadas pelo Executivo de “irregularidades” estão exatamente as hipóteses relativamente às quais o STJ decidiu que os contribuintes têm direito à exclusão dos benefícios de ICMS das bases de cálculo de IRPJ e CSLL. Explica-se.
Ao definir o Tema 1182, o STJ estabeleceu três teses. Nas teses 1 e 2, o tribunal deixou fora de qualquer dúvida razoável a seguinte conclusão: benefícios de ICMS como redução de base de cálculo e/ou de alíquota, isenção e diferimento podem ser excluídos das bases de incidência de IRPJ e CSLL, desde que atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar 160/2017 e art. 30, da Lei 12.973/2014). Isso consta textualmente das referidas teses.
Entretanto, o referido comunicado do Executivo foi em sentido diametralmente oposto ao decidido pelo STJ. De acordo com a RFB, em tais hipóteses (redução de base de cálculo e de alíquota, isenção e diferimento) não haveria “resultado de benefício”. Portanto, “qualquer exclusão do lucro real a esse título” “torna-se arbitrária e sem amparo legal”.
Ou seja: em que pese a literalidade do precedente do STJ ao assegurar o direito aos contribuintes quanto ao ponto, o Executivo advertiu as empresas no sentido de que estas não devem excluir tais benefícios de ICMS da apuração de IRPJ e de CSLL.
Essa contradição, para além de causar perplexidade entre os operadores do Direito Tributário, é grave sob o ponto de vista jurídico, sobretudo por implicar menosprezo a princípios constitucionais básicos e fundamentais estabelecidos pela CF/88.
Em primeiro lugar, o comunicado desrespeita o princípio do Estado democrático de Direito. Segundo este, qualquer pessoa que seja, pública ou privada, está submetida ao Direito. Não apenas o particular, mas também os poderes republicanos devem observar os deveres e as proibições definidos pelas instituições a quem a CF outorgou o poder de dizer o que é devido. No que se refere à força normativa das decisões judiciais, todos podemos, como se sabe, mediante o devido processo legal, contestá-las.
Isso é assegurado pelo Direito. Todavia, tendo referidas decisões se estabilizado em razão da coisa julgada e cumprindo elas a função de precedentes vinculantes, tais como o tema 1182 do STJ, esses pronunciamentos judiciais devem ser cumpridos, inclusive, é óbvio, pelo poder público. Trata-se de garantia à estabilidade da ordem democrática em nosso Estado.
Em segundo lugar, o comunicado do Executivo implica manifesta violação ao princípio da separação dos poderes, cláusula pétrea da CF/88. É fácil perceber que o conteúdo do comunicado do Executivo, no ponto acima mencionado, está em contradição com aquilo que foi decidido pelo Judiciário.
Lembre-se, nesse aspecto, que a Fazenda Nacional sustentou suas razões por anos neste processo. Houve inúmeras etapas em que o debate de teses e entendimentos ocorreu. Todavia, no final, como se vê, a tese que prevaleceu foi a de que os aludidos benefícios de ICMS (redução base de cálculo e de alíquota, isenções e diferimentos) podem ser excluídos da apuração de IRPJ e de CSLL, desde que atendidos os requisitos legais.
Ao não aceitar o resultado do processo e ao dar a entender que irá autuar contribuintes que basearem suas condutas na decisão do STJ, o Executivo afronta a autoridade dos precedentes judiciais. Mais do que isso, o Executivo afronta a autoridade do próprio Judiciário, a quem, nesta situação, o Sistema Jurídico brasileiro atribuiu a função de dizer o Direito em última instância. Mas não é só isso.
A afronta também é ao que determina o Legislativo, já que, ao desrespeitar um precedente, o Executivo viola igualmente as normas jurídico-legais cuja interpretação final foi dada pelo Judiciário. Ou seja, o desrespeito aos poderes é, por assim dizer, duplo. Afronta-se, a um só tempo, o Judiciário e o Legislativo.
Em que pese tudo isso, os problemas não param no menosprezo aos princípios constitucionais acima expostos. O efeito concreto deste comunicado tende a ser uma nova onda de litigiosidade quanto ao tema. A Receita Federal autuará os contribuintes. Estes irão ao Judiciário e ao Carf para se defender. Isso para que, nesses âmbitos, lhes seja assegurada a força normativa do tema 1182 do STJ.
Enquanto isso estiver ocorrendo, todos perdemos. Perde-se em segurança jurídica, dada a instabilidade das relações jurídicas no que se refere ao tema. Perde-se em liberdade, já que o particular estará intimidado para exercer suas atividades econômicas. Perde-se, ainda, em preservação do interesse público, dado que novas causas sobre um tema já decidido representam desperdício de dinheiro público e potenciais ônus sucumbenciais em desfavor do erário.
Seja como for, o que se espera é que o Executivo revise seu posicionamento. Referido comunicado deve ser repensado e reescrito, para o fim de passar a espelhar aquilo que o STJ realmente decidiu e não aquilo que o poder público gostaria que o tribunal tivesse decidido. Essa é a única medida capaz de, neste caso, preservar o Estado de Direito e a Separação de Poderes.