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No último mês, foi publicada a Instrução Normativa MinC 17, de 17 de setembro de 2024, uma importante iniciativa que visa desburocratizar os procedimentos administrativos no âmbito do Ministério da Cultura.
Esta normativa não apenas tem como objetivo simplificar processos, como também busca fortalecer a justiça social e a eficiência nas práticas administrativas, respeitando os princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal.
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Entre as novidades mais significativas desta legislação está a conceituação de desburocratização, que se refere à “simplificação de processos e a eliminação de controles meramente formais ou cujos custos superem os riscos envolvidos, contribuindo para um acesso mais justo e equânime aos serviços públicos” (Art. 1º, §1º, IN 17/2024).
Ao permitir uma gestão mais ágil e acessível, o objetivo principal é assegurar que todos os cidadãos, independentemente de sua condição socioeconômica, tenham acesso equitativo às oportunidades de parceria oferecidas pelo ministério.
Um dos pontos centrais da normativa é a simplificação das prestações de contas em projetos culturais, em especial os realizados por organizações da sociedade civil. Agora, a prestação de contas será aprovada quando houver comprovação do cumprimento dos objetivos da parceria, sem a necessidade de uma análise minuciosa da documentação financeira, desde que não existam indícios de irregularidades (art. 4, Inc. I).
Este é um avanço que busca equilibrar o rigor da fiscalização com a necessidade de celeridade, especialmente em projetos de menor porte. Projetos que apresentem inconsistências financeiras, mas sem dolo ou fraude, também poderão ser aprovados com ressalvas (art. 4º, inc. II), sem penalidades adicionais, enfatizando um caráter educativo na avaliação.
Além dessas medidas de simplificação, a IN 17 inclui disposições específicas que ampliam seu alcance e aplicabilidade. A normativa estende sua influência para além do Ministério da Cultura, abrangendo entidades vinculadas e participantes da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB). A instrução também prevê a possibilidade de revisão de projetos culturais no interesse da Administração Pública, seja por iniciativa própria ou mediante solicitação, em conformidade com a legislação vigente (art. 10).
Alinhada à Lei 14.903/2024, conhecida como Marco Regulatório do Fomento à Cultura, a nova medida visa ampliar o acesso de agentes culturais a parcerias com a Administração Pública federal. Esta legislação, amplamente celebrada pelo setor cultural, simplifica procedimentos e elimina barreiras burocráticas que antes limitavam a participação de diversas organizações.
Vale notar que a Instrução Normativa MinC 17 faz referências expressas à Lei 13.019/2014, também conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). O art. 3º proíbe a aplicação das exigências atinentes às Transferências Voluntárias em instrumentos celebrados sob a égide da Lei 13.019/2014, assegurando que as regras específicas do MROSC prevaleçam.
Além disso, o § 2º, I, do art. 4º da IN estende o alcance da norma com relação à simplificação da prestação de contas, abrangendo todos os convênios e instrumentos típicos de transferências firmados antes da vigência da Lei 13.019/2014. Isso garante que tais convênios e parcerias sejam regidos pelas diretrizes simplificadoras da Instrução Normativa, mesmo que anteriores ao MROSC.
Importante dizer ainda que, ao longo de todo o documento, a normativa também faz referência aos Termos de Fomento e Colaboração, instrumentos originalmente previstos na Lei 13.019/2014, confirmando a importância e ampla adoção destes modelos no âmbito das políticas públicas culturais.
Outro aspecto essencial da nova normativa é a segurança jurídica oferecida aos gestores públicos. A simplificação dos processos administrativos e a maior clareza nas regras estabelecidas proporcionam aos gestores maior segurança na tomada de decisões.
Além disso, ao retirar exigências excessivamente formais e focar na gestão por resultados, a Instrução Normativa protege os gestores contra responsabilizações indevidas por falhas procedimentais sem dolo ou fraude. Isso promove um ambiente favorável à inovação, incentivando uma administração pública mais ágil e alinhada ao uso responsável dos recursos públicos.
Aliás, quando se fala em inovação, frequentemente o conceito é associado à incorporação de novas tecnologias ou à digitalização de processos. No entanto, inovação envolve a criação e adoção de novos processos, produtos e métodos que aprimorem o desempenho em termos de eficiência, eficácia e efetividade, gerando resultados mais impactantes para a sociedade[1].
Esta abordagem evidencia que a inovação pode ser aplicada também na reformulação de práticas administrativas tradicionais, como exemplificado pela IN 17/2024, tornando a gestão pública mais dinâmica.
É chegada a hora de avançar na racionalização e eficiência das prestações de contas. Há pelo menos uma década existem estudos e pesquisas[2] que evidenciam que as políticas públicas que envolvem cooperação e participação no Brasil carecem de inovações técnico-jurídicas e a IN dá um importante passo nesse sentido.
A nova norma do Ministério da Cultura responde às necessidades do setor cultural, que num passado recente teve seu ministério reduzido à condição de secretaria e foi tratado de forma truculenta e desconectada da diversidade do setor cultural brasileiro. Nosso país precisa superar definitivamente o uso da burocracia governamental como instrumento de criminalização da sociedade civil [3].
Quando isso acontece, só resta às OSCs e aos agentes culturais buscarem socorro no Poder Judiciário, ingressando com medidas processuais de urgência para salvar os seus projetos, garantindo a correta aplicação da lei, afastando entraves burocráticos muitas vezes usados como pretexto para sufocar iniciativas.
A IN está também em consonância com outra importante norma inovadora que trouxe disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público, a Lei 16.655/2018 (que alterou em parte a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB).
Entre outros comandos a LINDB estabelece para as esferas administrativa, controladora e judicial a vedação de que as decisões sejam tomadas com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as suas consequências práticas. Assim, as normas do Executivo, bem como os procedimentos adotados, devem ser justificadas, demonstrando a necessidade e a adequação das medidas impostas. Tais medidas não devem acarretar ônus ou perdas anormais e excessivas aos envolvidos, nem desconsiderar os obstáculos e dificuldades reais que possam enfrentar.
Como se vê a IN traz boas inovações do ponto de vista técnico-jurídico, demonstrando imersão nas necessidades e tendências não apenas da gestão pública, mas também do setor cultural. Medidas como essas são fundamentais para reduzir o receio de entidades culturais em firmar parcerias com o governo. A simplificação dos processos administrativos surge como uma solução eficiente para fomentar a aproximação entre a sociedade civil e o Estado, sem que isso implique em uma perda de controle ou de responsabilidade.
Sendo assim, é essencial que o governo continue implementando mecanismos como a IN 17, que apresentam efeitos práticos e promovem uma maior aproximação entre a Administração Pública e os agentes culturais. A normativa facilita o desenvolvimento de projetos culturais ao reduzir barreiras burocráticas, priorizando a eficiência administrativa sem comprometer a transparência e a integridade dos processos.
Com essa simplificação, o Ministério da Cultura fortalece o setor cultural, promovendo uma colaboração mais eficaz, justa e inclusiva, o que beneficia tanto os produtores culturais quanto o público em geral, que se beneficia dos produtos gerados.
[1] Mulgan, Geoff; Albury, David. Innovation in the public sector. London: Strategy Unit; Cabinet Office, 2003.
[2] JUNQUEIRA, Luciano Prates; FIGUEIREDO, Marcelo; STORTO, Paula Raccanello; REICHER, Stella Camlot; GERBER, Konstantin; GOLFIERI, Márcia; GASPAR, Áureo; TOZZI, José Alberto. Modernização do Sistema de Convênio da Administração Pública com a Sociedade Civil. Brasília: Ministério da Justiça. 2012. Disponível em https://sbsa.com.br/modernizacao-do-sistema-de-convenios-entre-a-uniao-e-entidades-da-sociedade-civil-pensando-o-direito/
[3] STORTO, Paula Raccanello; LOPES, Laís de Figueirêdo Lopes; BARBOSA, Daniel Chierighini. Criminalização burocrática das organizações da sociedade civil [livro eletrônico]. Brasília, DF: Cáritas Brasileira, 2023. Disponível em https://sbsa.com.br/12756/