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Se fizéssemos uma pesquisa entre consumidores sobre conhecimento e entendimento de expressões nas resoluções emitidas pelas agências reguladoras, quais seriam as respostas? Alguns exemplos de perguntas poderiam ser: o que é dado de autenticação em sistemas (Resolução CD/ANPD nº 15/2024)? O que é preterição de passageiro (Resolução Anac nº 400/2016)? O que é franquia de volume de dados trafegados (Resolução ANATEL nº 765/2023)? O que é autoconsumo remoto (Resolução Aneel nº 1000/2021)? O consumidor compreende esses termos?
A falta de entendimento é um obstáculo significativo para o exercício da cidadania e para a efetividade das políticas públicas regulatórias. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou em 2022 o documento Regulatory Reform in Brazil ponderando que a complexidade normativa regulatória gera ineficiências de mercado, dificulta a participação e o controle social.
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A entidade reforçou a recomendação de uso da linguagem simples em todo o ciclo regulatório. Certamente, caso não entendam o texto, os regulados podem ter dificuldades para cumprir as determinações regulatórias (o que aumenta o risco de não conformidade), e os cidadãos em situação de vulnerabilidade informacional não conseguirão exercitar integralmente seus direitos e conhecer seus deveres.
Lendo e estudando cuidadosamente as resoluções citadas neste artigo, é possível encontrar outras palavras desconhecidas para a população, jargões regulatórios setoriais, frases não objetivas. Nem sempre o conteúdo de um documento regulatório é acessível ou adaptado àqueles que não estão familiarizados ao setor regulado.
Recente decisão do 5º Juizado Especial Cível e de Relações de Consumo de São Luís (MA) reconheceu que o formulário Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI), indicado em resolução da Aneel, e utilizado pela distribuidora de energia elétrica na comunicação com consumidores, deve ser elaborado em linguagem clara e simples. A decisão afirmou que o excesso de termos técnicos prejudicou a compreensão e a defesa da consumidora (Processo nº 0803080-35.2023.8.10.0015).
Dados do Censo Demográfico de 2022 realizado pelo IBGE revelaram que, dos 163 milhões de pessoas de 15 anos ou mais de idade, 151,5 milhões sabiam ler e escrever um bilhete simples e 11,4 milhões não sabiam. O resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que avalia o conhecimento e as habilidades dos estudantes na faixa etária dos 15 anos em matemática, leitura e ciências demonstrou, em 2022, que 50% dos estudantes brasileiros não têm o nível básico em leitura, considerado pela OCDE o mínimo para exercer sua plena cidadania.
Neste cenário, a busca pela linguagem simples e acessível à população é cada vez mais relevante, direcionada a contribuir para uma gestão regulatória mais eficiente. A linguagem simples (plain language ou lenguaje claro) é uma técnica de comunicação utilizada para transmitir informações de maneira simples, objetiva, direta, clara e empática.
Na prática, sugere técnicas que podem auxiliar na produção de textos mais acessíveis, tornando a jornada do cidadão mais fluida e agradável. Não é sinônimo de informalidade, sacrifício da precisão, ou distorção de sentido, porque mantém a qualidade técnica da informação. As diretrizes auxiliam de modo que o leitor encontre facilmente o que precisa, entenda o que lê e utilize a informação. Assim, a comunicação deve ser: relevante, compreensível e utilizável.
O incentivo ao uso da linguagem simples no setor público é um movimento global, sendo possível identificar boas práticas nos Estados Unidos, Canadá, Bélgica, Finlândia, México, Noruega, Suécia e Reino Unido. Em 2023, foi publicada a norma técnica internacional de padronização ISO 24495-1:2023 sobre a linguagem simples: princípios e diretrizes de governo.
No Brasil, ações concretas estão sendo adotadas nos governos estaduais e municipais, no Poder Judiciário (capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal [STF] e pelo Conselho Nacional de Justiça [CNJ]), e no Poder Legislativo incentivando a utilização da linguagem simples em suas comunicações e demais atos. A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11), determinou que todo órgão e entidade pública divulgue informações em linguagem de fácil compreensão.
A Lei nº 13.460/17 definiu que os agentes públicos e prestadores de serviços públicos utilizem linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos. Em julho de 2024, foi publicada a norma ABNT NBR ISO 24495-1:2024 – Linguagem Simples – Parte 1: princípios e diretrizes norteadores –, com a tradução da norma internacional.
No ambiente regulatório há iniciativas pontuais. Destaca-se o plano de ação implementado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) desde 2021, para incorporar os princípios da linguagem simples na cultura organizacional, traduzindo o “hidrologiquês” (uso de termos característicos do setor de águas), inclusive divulgando uma trilha de formação e aprendizagem, com conjunto de atividades.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) buscou aplicar na Resolução Normativa n° 1.000/2021 as diretrizes da linguagem simples – um avanço, mas, é possível ampliar o uso com a adaptação de muitos termos técnicos. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) iniciou o projeto Por Dentro da Aviação, que utiliza linguagem simples e visual para os regulados de todos os segmentos da aviação.
E, comemoro a aplicação das diretrizes da linguagem simples no aperfeiçoamento do questionário para a pesquisa de satisfação e qualidade percebida, realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em junho de 2024, com as sugestões encaminhadas após reunião do Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (CDUST).
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Em agosto de 2024, foi instituída a Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória, no âmbito do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG). E, o uso de linguagem simples, clara e concisa foi contemplado enquanto diretriz, para que “as regulações sejam acessíveis e as partes interessadas possam facilmente compreender seus direitos e suas obrigações” (Decreto Federal nº 12.150/2024). Busca-se o melhoramento sistemático do processo regulatório com a adoção desta boa prática. Importante medida. A sociedade espera que ações sejam executadas neste sentido para simplificar e desburocratizar o setor regulatório.
Embora a implementação da linguagem simples na regulação mude conforme o contexto, as principais diretrizes sugerem o uso de frases curtas e objetivas, escritas no discurso direto, apresentando uma sequência lógica das ideias. Propõem a utilização de vocabulário comum e mais conhecido na sociedade, assim evitando o “burocratês”, o “regulamentês” e o “juridiquês”, com aqueles jargões complexos.
Um documento regulatório acessível deve considerar o que os cidadãos e os regulados precisam saber: o nível de interesse, especialização e habilidades de alfabetização/interpretação dos leitores; além do contexto na utilização das informações.
A adoção de uma comunicação mais clara e acessível requer uma mudança cultural nas instituições regulatórias, que tradicionalmente têm se apoiado em uma linguagem excessivamente técnica e complexa. É sabido que o desafio é enorme! Contudo, deve ser prioridade estratégica na gestão regulatória, incluindo a capacitação dos servidores.
Necessária também a indicação de uso da linguagem simples pelos procedimentos de Análise de Impacto Regulatório (AIR), de modo a buscar constantemente o equilíbrio entre os termos técnicos e a compreensão da informação pelos regulados e cidadãos, e a redução da assimetria informacional.
Modelar e redigir os documentos regulatórios utilizando as ferramentas da linguagem simples permitirá melhor entendimento pelos regulados, e maior participação, inclusão e acesso aos serviços pelos cidadãos. Deste modo, haverá uma importante contribuição para que o processo regulatório seja eficiente, ágil, transparente e inclusivo.