Lavagem de dinheiro no mercado de bets: influencers e meios de pagamento

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O crime de lavagem de dinheiro, encontrando-se na literatura estrangeira também a expressão “branqueamento de capitais” (blanqueo de capitales, blanchiment d’argent), tem adquirido recente notoriedade a partir de operações realizadas pelas autoridades policiais que investigam as plataformas virtuais de apostas esportivas e jogos online no país.

Tais investigações são amplamente divulgadas na mídia diante não só da expansão no país dessa modalidade de aposta, como também por terem alcançado empresas e pessoas populares, especialmente influencers com milhares de seguidores nas redes sociais, e artistas famosos. Entre os investigados também estão prestadoras de serviços que intermediam a transferência de valores – meios de pagamento – entre os apostadores e as respectivas plataformas de apostas.

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Diante disso, é preocupante o desconhecimento da definição jurídica da lavagem de dinheiro, o que leva a interpretações distorcidas em torno dessas investigações.

As plataformas de apostas foram descriminalizadas pela Lei 13.756/2018, com regulamentação positivada pela Lei 14.790/2023, a qual estabelece as regras para as chamadas apostas de quota fixa, dispondo sobre a destinação do produto da sua arrecadação e a sua exploração comercial.

Já o crime de lavagem de dinheiro, regulamentado pela Lei 9.613/98, se caracteriza pelo ato de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (art. 1º).

Tendo em vista os referidos contratos realizados entre tais plataformas, influencers, artistas e empresas de meios de pagamento, tanto parte da mídia, quanto o senso comum e uma parcela de juristas acabam por partir de embasamentos teóricos evidentemente desconectados de uma leitura mais atenta da lei.

Como bem definem Vladimir Aras e Ilana Martins Luz, a lavagem de dinheiro é o “conjunto de procedimentos fraudulentos realizados com o objetivo de conferir ao capital obtido com a prática de infração penal uma aparência lícita que justifique a sua utilização no mercado formal lícito ou o seu aproveitamento para fins privados[1].

Na mesma linha, Marcelo Batlouni Mendroni ensina que a lavagem de dinheiro se caracteriza quando são utilizadas “as atividades comerciais e as instituições financeiras, tanto bancárias, como não bancárias, para introduzir montantes em espécie, geralmente divididos em pequenas somas, no circuito financeiro legal”, com o agente desassociando “o dinheiro de sua origem – passando-o por uma série de transações, conversões e movimentações diversas”, e, na última fase, criando “justificações ou explicações aparentemente legítimas para os recursos lavados, sendo o dinheiro “incorporado formalmente aos setores regulares da economia”[2].

Assim, são essenciais, para a compreensão da materialidade do crime, a desassociação do dinheiro de sua origem e a tentativa de lhe garantir aparência lícita através de procedimentos fraudulentos, dissimulatórios e de ocultação ao bem ou ao montante adquirido. A lavagem de dinheiro, resumidamente, é configurada quando há a ocultação ou dissimulação da origem ilícita de bens ou valores frutos de infrações penais.

É preciso observar que um contrato firmado entre as casas de apostas e os influencers para que estes realizem a publicidade ou um contrato com uma empresa de meios de pagamento para transferência de valores com os apostadores, mesmo que os respectivos valores sejam originados de infração penal, por si só não configuram lavagem de dinheiro pelos contratados, pois não há qualquer dissimulação ou ocultação da natureza dos valores por parte destes, já que são públicas e notórias as atividades as quais exercem e pelas quais estejam sendo contratados para realizarem e licitamente regularizados.

Assim, tanto a prestação de serviços de meios de pagamento quanto a publicidade de influencers por meio de redes sociais ou de quaisquer outras mídias possíveis não implicam necessário enquadramento no tipo penal de lavagem de dinheiro, tendo em vista a ausência de dissimulação ou ocultação da sua origem, ou seja, ausência “da transformação da coisa, com a eliminação ou encobrimento dos elementos que demonstram sua origem ilícita”[3].

Conforme entendimento doutrinário, e já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, “a lavagem de dinheiro, assim como a receptação é, por definição um crime derivado, acessório ou parasitário, pressupõe a ocorrência de um delito anterior”[4], e a participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem oculta ou dissimula.

Porém, é igualmente relevante a assertiva do STJ de que “o mero proveito econômico do produto do crime não configura lavagem de dinheiro, que requer a prática das condutas de ocultar ou dissimular”[5]. Assim, não há que se falar em lavagem de dinheiro se os serviços contratados com o suposto produto do crime não obscurecem a origem dos valores acordados, como em contratos lícitos de influencers para a realização de publicidades em mídias sociais e de prestação de serviços de empresas de meios de pagamento.

Dessa maneira, as Leis 13.756/2018 e 14.790/2023, associadas às portarias emitidas pela Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda (SPA/MF), vêm para regulamentar esse setor de inegável crescimento exponencial no Brasil, e, ao mesmo tempo, condicioná-lo a um maior controle público e ao compliance, buscando mitigar ilícitos penais que a ele podem estar correlacionados.

Não se exclui o fato de que a lavagem de dinheiro é um crime passível de ocorrência em tal nicho de mercado. Mas é igualmente válido dizer que não é aceitável realizar leitura juridicamente insustentável da redação normativa e um viés interpretativo desproporcional ao tipo penal que ampliem a responsabilidade desse crime para terceiros cujas atividades econômicas são dotadas de licitude e cujo vínculo de autoria e materialidade não é possível de acordo com a legislação pátria.

[1] ARAS, Vladimir; LUZ, Ilana M. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei n. 9.613/1998. São Paulo: Grupo Almedina, 2023, p. 23.

[2] MENDRONI, Marcelo Batlllouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo, Atlas, 2015, p. 180-184.

[3] ARAS, Vladimir; LUZ, Ilana M. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei n. 9.613/1998. São Paulo: Grupo Almedina, 2023, p. 27.

[4] STJ, AP 458, Relator p/ Acórdão Min. Gilson Dipp, Corte Especial j. em 16/09/2009.

[5] STJ, AP 458, Relator p/ Acórdão Min. Gilson Dipp, Corte Especial j. em 16/09/2009.

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