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O Cerrado, reconhecido como a savana mais biodiversa do mundo, enfrenta uma crise sem precedentes. O aumento do desmatamento e da conversão da vegetação nativa, especialmente para a produção de soja e pecuária, tem contribuído para a degradação ambiental, a perda de biodiversidade e impactos nas comunidades locais.
Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), disponível no Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), entre janeiro de 2023 e julho de 2024, o desmatamento no bioma foi responsável pela emissão de mais de 135 milhões de toneladas de CO2, o que corresponde a aproximadamente 1,5 vezes as emissões anuais do setor industrial brasileiro.
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Além disso, o Cerrado sofre com queimadas severas. Dados do MapBiomas mostram que entre janeiro e agosto de 2024, foram queimados 4 milhões de hectares, 79% (ou 3,2 milhões de hectares) em áreas de vegetação nativa. A área queimada nos primeiros oito meses de 2024 foi 85% maior em comparação ao mesmo período de 2023. Apenas em agosto, 2,4 milhões de hectares foram afetados pelo fogo, evidenciando a gravidade da situação.
Outro ponto de atenção sobre o Cerrado é a crescente pressão sobre as comunidades tradicionais. A ação de grileiros, que utilizam métodos violentos para expulsar famílias tradicionais, agravam ainda mais a situação. Levantamento de 2023 da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revela que a maioria dos conflitos agrários no Brasil está relacionado à terra (1.724 ocorrências), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225).
Muitos desses conflitos ocorrem no Cerrado, especialmente nos estados da Bahia, do Pará, Maranhão, Rondônia e Goiás, refletindo a luta pela terra e a necessidade de proteger os modos de vida dessas comunidades. Além da violência, a exploração desordenada dos recursos naturais e a degradação ambiental também ameaçam a segurança alimentar e a qualidade de vida dessa população.
No mês passado, participei de uma expedição promovida pelo Observatório do Código Florestal (OCF) com objetivo de conhecer de perto a realidade de alguns dos territórios do bioma e pensar em estratégias para proteção do Cerrado. Visitamos os municípios de Mambaí (GO), Barreiras e Correntina, ambos na Bahia, e pudemos observar áreas impactadas pelo desmatamento, além de conversar com especialistas, técnicos, produtores rurais e comunidades tradicionais. Essas interações nos permitiram refletir sobre os desafios enfrentados na região e pensar em soluções para evitar o colapso do bioma.
Apesar dos desafios, encontramos iniciativas inspiradoras. A primeira parada foi na Cooperativa Central do Cerrado, em Brasília, que reúne diversas organizações comunitárias engajadas em atividades produtivas do Cerrado e da Caatinga. Além de experimentar os sabores das frutas nativas, como o pequi, baru e sucos de coquinho azedo, umbu e tamarindo, foi possível ouvir o relato sobre o papel do conhecimento tradicional e trabalho coletivo das comunidades, que não apenas enriquece a cultura alimentar, mas também é essencial para o manejo, conservação da biodiversidade e a geração de renda, reforçando a importância socioeconômica dos recursos naturais para os povos do Cerrado.
Por outro lado, a escassez de água é uma preocupação evidenciada em toda região. Comunidades, como as de fechos de pasto em Correntina (BA), enfrentam a diminuição dos rios e nascentes essenciais para a agricultura e seus modos de vida, além da contaminação das águas pelo uso intensivo de agrotóxicos. O fenômeno El Niño, agravado pelas mudanças climáticas, desmatamento e uso inadequado dos recursos naturais, contribui para uma seca atípica na região.
E o Código Florestal, onde entra nessa história? A Lei 12.651/2012 é uma das principais legislações ambientais do Brasil e estabelece regras para a proteção e uso sustentável das florestas e demais formas de vegetação nativa no território nacional.
No Cerrado, a legislação exige que imóveis rurais mantenham uma Reserva Legal (RL) correspondente a 20% da área total das propriedades, permitindo que até 80% sejam destinados a atividades agropecuárias, desde que as APPs (Áreas de Preservação Permanente) sejam preservadas. Isso facilita a expansão agropecuária em detrimento da vegetação nativa, que já foi reduzida cerca de 50% de sua cobertura original.
Segundo dados do Termômetro do Código Florestal, o Cerrado possui mais de 31 milhões de hectares de vegetação nativa excedente, ou seja, áreas que podem ser legalmente desmatadas. Isso representa uma oportunidade para a implementação de políticas públicas e de investimentos privados que incentivem a conservação. Um bom exemplo disso é a iniciativa CONSERV, desenvolvida pelo IPAM, que remunera financeiramente produtores rurais que possuem áreas de vegetação nativa passíveis de supressão legal, contribuindo para a preservação dos serviços ecossistêmicos do Cerrado.
Dada a importância do Cerrado para o equilíbrio hídrico e climático do Brasil, além de sua biodiversidade, cultura e o modo vida das comunidades locais, é urgente fortalecer a fiscalização e a punição para atividades ilegais. Precisamos de investimentos em alternativas que combinem o aproveitamento de seu potencial biológico do bioma, a valorização de cadeias produtivas locais, o respeito às comunidades, estratégias eficazes de recuperação ambiental e práticas agrícolas sustentáveis. Somente assim conseguiremos conservar o Cerrado e garantir um futuro mais equilibrado para todos.