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A possibilidade de reeleição para a chefia do Executivo tem impactado significativamente o orçamento municipal. Pesquisa recente constatou que, entre 2005 e 2020, prefeitos em primeiro mandato receberam mais transferências de recursos e gastaram mais do que aqueles em segundo mandato[1].
De 2005 a 2012, essa diferença se distribuía entre os anos anteriores à eleição como forma de cumprir as regras de final de mandato da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei Eleitoral, que têm por objetivo arrefecer distorções nos ciclos orçamentários por razões políticas.
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Já a partir de 2013, com o fim do financiamento privado de campanha e o aumento da influência política nas transferências via emendas parlamentares, a discrepância entre recursos recebidos e gastos por prefeitos em primeiro e segundo mandato aumentou e passou a se concentrar no próprio ano eleitoral, sugerindo que essas regras já não estão sendo mais tão efetivas em coibir o uso do orçamento em períodos próximos à reeleição.
Prefeitos que podem se reeleger recebem em média R$ 338 per capita a mais no ano do pleito e gastam R$ 218 per capta a mais, no mesmo período, do que aqueles impossibilitados de concorrer a um terceiro mandato consecutivo.
O problema é que essa sazonalidade causa imprevisibilidades e descontinuidades das políticas e serviços públicos para a população local, resultando em uma situação fiscal positiva ilusória no período eleitoral, que se transforma em penúria nos outros anos.
No primeiro turno das eleições municipais de 2024, essa estratégia orçamentária parece ter tido especial eficácia para reeleição, sobretudo por meio do trunfo das emendas parlamentares.
Levantamento do jornal Folha de S.Paulo, com foco nas emendas parlamentares, mostrou uma relação direta entre a quantidade média de recursos por eleitor recebidos por um município e a taxa de reeleição dos prefeitos.
Nos entes onde as emendas somaram menos que R$ 847,90 por eleitor, 78% dos candidatos conseguiram ser reeleitos. Quando os valores se aproximaram de R$ 1.700, a taxa de reeleições foi para 86%. Em arremate, dos 116 prefeitos que receberam valores superiores a R$ 2.543,70 por eleitor, quase todos (114) se mantiveram no posto[2].
O maior poder angariado pelo Parlamento brasileiro sobre o orçamento público em anos recentes, cuja destinação tende a observar critérios político-partidários, em detrimento de parâmetros técnicos, relacionados a priorizações distributivas empiricamente demonstráveis, tende a aprofundar o cenário descrito, reforçando o viés de permanência dos prefeitos em primeiro mandato, que se mostram mais competentes para angariar transferências e realizar mais gastos, incrementando sua visibilidade para o eleitor.
Isso se dá tanto pelo maior controle das agremiações sobre fluxo de verbas, que se reflete na tendência a privilegiar aliados que ocupam o posto de chefe do Executivo municipal, quanto pela sazonalidade dos gastos, com relevante aumento em anos de disputa eleitoral, com prováveis efeitos cognitivos – viés de curto prazo – nas populações das cidades, o que a literatura denominou de voters as fiscal liberals[3].
A assimetria de informação entre prefeitos e eleitores faz surgir um problema agente-principal, no qual congressistas e prefeitos capturam o orçamento e usam ilusões fiscais para induzir os votantes, gerando benefícios concentrados em detrimento da população como um todo, que sofrerá depois das eleições com a má alocação dos recursos públicos. Essa estratégia parece estar sendo tão bem-sucedida a ponto de arrefecer, inclusive, o voto por motivações ideológicas.
A situação faz emergir a necessidade premente de reformas que aumentem a efetividade das regras de final de mandato e que proporcionem maior previsibilidade e estabilidade às transferências e aos gastos locais, associando mecanismos de cooperação federativa com fundamentos do marco orçamentário de médio prazo e de transparência fiscal.
Além disso, importante que seja incrementado o alinhamento entre controle da destinação da verba e responsabilidade pelas consequências em nível nacional. Um desafio complexo e, por ora, sem solução à vista.
[1] FERREIRA, Débora Costa; BUGARIN, Maurício. Reeleição, regras fiscais e federalismo: incentivos eleitorais no Brasil. Cadernos de Finanças Públicas, v. 24, n. 1, 2024.
[2] Emendas parlamentares distorcem competição eleitoral. Folha de São Paulo, em 9 de outubro de 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/10/emendas-parlamentares-distorcem-competicao-eleitoral.shtml. Acesso em 22 out. 2024.
[3] JONES, M. P.; MELONI, O.; TOMMASI, M. Voters as fiscal liberals: incentives and accountability in federal systems. Economics & Politics, v. 24, n. 2, p. 135–156, 2012.