Comparando os ambientes virtual e presencial de julgamento no STF

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A análise do processo decisório das cortes constitucionais tem sido objeto de estudo sob diferentes perspectivas teóricas, que buscam compreender como os juízes tomam suas decisões e quais fatores influenciam esse processo.

Tradicionalmente, os estudos quantitativos acerca do comportamento judicial têm se concentrado na Suprema Corte, tanto no Brasil quanto internacionalmente[1]. Os teóricos gravitam em torno de dois modelos principais, aparentemente antagônicos[2]: de um lado, o modelo atitudinal, que sustenta que os juízes tomam decisões com base em suas preferências ideológicas, sem constrições legais significativas[3]; de outro, o modelo legal, que enfatiza os limites que a lei e a doutrina impõem à discricionariedade judicial, influenciando fortemente as decisões dos magistrados[4].

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Nesse contexto, podemos sintetizar as investigações em torno dos seguintes eixos: o que a corte e seus ministros fazem? O que a corte e seus ministros querem? E quais os limites que a corte e seus ministros enfrentam? Por mais complexo que seja o desenho institucional de uma corte, se não há limites para sua atuação e de seus ministros, os esforços para responder às perguntas acima são infrutíferos[5].

Nesta série de artigos, buscamos contribuir para essa discussão ao analisar como o desenho institucional dos plenários virtual e presencial do Supremo Tribunal Federal (STF) molda tanto o processo quanto o resultado das decisões, influenciando a própria construção da jurisprudência constitucional.

Essa análise é orientada pelo conceito de bidimensionalidade do precedente constitucional, que se desdobra nas dimensões material (o que é decidido) e procedimental (como é decidido), ambas vinculantes, indissociáveis e essenciais para a compreensão completa dos precedentes[6].

Tanto o plenário virtual quanto o presencial oferecem diferentes oportunidades e constrangimentos para a formação de consensos, dissidências e para a manifestação das preferências individuais dos ministros. Nesse sentido, o referencial teórico adotado considera que o comportamento dos juízes é influenciado por um conjunto de valores subjacentes, que podem variar em peso e importância dependendo do modelo teórico adotado. O maior desafio para os teóricos é que uma mesma decisão pode ser explicada tanto pela perspectiva política quanto pela legal[7].

Nesta análise comparativa, integrando os achados quantitativos e qualitativos obtidos nos artigos anteriores, buscamos compreender como o desenho institucional impacta diretamente o processo decisório e molda os resultados das decisões.

A revisão da literatura foca na relação entre a estrutura institucional e os resultados das decisões judiciais, baseando-se em estudos de novo institucionalismo e de escolha estratégica (Murphy, 1964; Maltzman, Spriggs e Wahlbeck, 2000), além do modelo integrado de Bailey e Maltzman (2011), que sugere que as preferências políticas dos juízes são constrangidas tanto por normas legais quanto por contextos institucionais.

A metodologia desta série baseou-se na análise empírica de 17.986 decisões proferidas no plenário virtual e 96 decisões no plenário presencial do STF, todas referentes ao ano de 2023. No ambiente virtual, investigamos principalmente ações rotineiras e recursos de menor complexidade, enquanto o plenário presencial concentrou-se em casos de maior relevância constitucional. Essa abordagem permite uma compreensão aprofundada das dinâmicas de formação de consenso e dissenso em cada ambiente, bem como do impacto do tempo de julgamento sobre os resultados.

Este artigo finaliza a série ao propor que a análise do STF não deve ser feita apenas em termos de preferências individuais ou tendências ideológicas, mas considerando como o desenho institucional — o modo de decidir — influencia decisivamente a formação dos consensos e o conteúdo final das decisões.

Em última instância, as diferenças entre os ambientes virtual e presencial revelam que o processo decisório é tão moldado pelo contexto em que ocorre quanto pelos próprios julgadores[8]. Assim, torna-se fundamental examinar como a virtualização dos julgamentos e o modelo de entrega das decisões — especialmente o per relator — podem acentuar problemas como a monocratização, a pseudo-colegialidade e o déficit deliberativo. Esses fatores impactam diretamente a estabilidade jurisprudencial e a formação de uma cultura de precedentes sólidos no Brasil.

Dessa forma, o estudo da dimensão procedimental não apenas conecta forma e substância de maneira indissociável, mas também evidencia a necessidade de equilibrar eficiência processual com colegialidade deliberativa, ampliando a legitimidade dos precedentes constitucionais.

Análise comparativa dos dados dos processos julgados nos plenários presencial e virtual do STF

A análise comparativa entre os dados dos processos julgados nos plenários presencial e virtual do STF revela insights importantes sobre a distribuição, celeridade e impacto das decisões proferidas em cada ambiente decisório.

Baseando-se em abordagens teóricas como o novo institucionalismo (Thelen e Steinmo, 1992) e a escolha estratégica (Maltzman, Spriggs e Wahlbeck, 2000), torna-se evidente que o desenho institucional molda o comportamento dos magistrados e, consequentemente, o conteúdo das decisões.

O plenário virtual, com seu foco na eficiência e na agilidade, contrasta diretamente com o plenário presencial, que privilegia a deliberação profunda e o debate público. Essa comparação é fundamental para entender como o desenho institucional afeta não apenas o volume e a eficiência dos julgamentos, mas também o conteúdo das decisões e o papel estratégico do STF na defesa da Constituição.

Distribuição de processos entre os plenários:

O plenário virtual lida com um volume significativamente maior de processos, especialmente ações de natureza rotineira e recorrente, como o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) — com mais de 7.000 casos em 2023 — e o Habeas Corpus (HC), que somou mais de 3.000 casos. Esse volume reflete o papel do plenário virtual como o principal instrumento de gestão processual, responsável por julgar demandas de menor complexidade que requerem decisões mais céleres e homogêneas.
Em contraste, o plenário presencial trata de um número muito menor de processos, concentrando-se em ações de natureza constitucional mais complexa, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Esses casos exigem maior debate e análise detalhada, visto que envolvem questões cruciais para o controle de constitucionalidade e a proteção de direitos fundamentais.

Eficiência e celeridade no plenário virtual:

O tempo médio de tramitação dos processos no plenário virtual é significativamente menor — em torno de 330 dias, com uma mediana de 131 dias — comparado ao plenário presencial, cujo tempo médio chega a 2.150 dias, com uma mediana de 1.185 dias. Essa diferença ilustra a função mais automatizada e ágil do plenário virtual, que permite a resolução rápida de casos de menor complexidade e decisões monocráticas.
Essa celeridade reflete não apenas a eficiência do plenário virtual, mas também seu impacto no descongestionamento do sistema judiciário, ao passo que libera o plenário presencial para tratar de questões mais complexas que demandam deliberação mais minuciosa.

Atuação dos ministros nos ambientes virtuais e presenciais:

No plenário virtual, alguns ministros, como Edson Fachin e Alexandre de Moraes, se destacam pelo volume expressivo de processos julgados, refletindo uma distribuição mais eficiente e intensiva do trabalho entre os magistrados nesse ambiente. Isso permite que os ministros lidem com uma quantidade elevada de casos, mantendo a celeridade necessária.
No plenário presencial, os ministros concentram-se em processos mais estratégicos e complexos, frequentemente envolvendo audiências públicas, maior participação das partes, e temas de grande impacto para a jurisprudência constitucional. Esses processos têm um papel fundamental na construção de precedentes robustos e na interpretação da Constituição.

Complexidade vs. volume:

O plenário virtual, dada sua agilidade, é mais apropriado para julgar ações rotineiras e recursos como ARE, HC, e Reclamações (Rcl), que geralmente envolvem menor grau de controvérsia. O ambiente virtual permite que esses casos sejam resolvidos de maneira eficiente, com foco na uniformidade decisória.
Em contrapartida, o plenário presencial é utilizado para ações de maior relevância constitucional, como ADI, ADPF e Recursos Extraordinários (RE), que demandam análise aprofundada e debates abertos entre os ministros. Esses casos são fundamentais para o controle de constitucionalidade e exigem maior deliberação para que precedentes adequados sejam formados.

O papel do plenário virtual no descongestionamento do STF:

O plenário virtual desempenha um papel crucial no descongestionamento do STF, ao absorver e julgar rapidamente uma quantidade expressiva de processos menos complexos. Sua eficiência permite que o plenário presencial concentre seus esforços nos casos de maior relevância constitucional, como os que envolvem direitos fundamentais ou a interpretação de preceitos constitucionais sensíveis.
Ao otimizar a tramitação de processos menos controversos, o plenário virtual ajuda a garantir que o STF possa manter sua função de guardião da Constituição sem comprometer a eficiência e a celeridade, ao mesmo tempo em que prioriza debates mais complexos no plenário presencial.

Resultados

A análise comparativa entre os plenários virtual e presencial do STF evidencia a separação funcional entre os dois ambientes, que se complementam na busca pela eficiência e profundidade decisória.

O plenário virtual, responsável por 99,47% das decisões em 2023, mostra-se essencial na redução do acúmulo de processos e na celeridade dos julgamentos, especialmente em casos menos complexos.

Já o plenário presencial, embora responda por apenas 0,53% dos julgamentos, destaca-se por lidar com questões de maior complexidade constitucional e por ser o palco das deliberações mais estratégicas e visíveis, sobretudo na formação de precedentes robustos em controle de constitucionalidade.

O papel dos ministros também varia significativamente entre os dois ambientes: no virtual, a distribuição de processos é mais intensiva e eficiente; no presencial, o foco está em debates mais profundos e audiências complexas. O estudo do trânsito entre esses ambientes, mediado pelo mecanismo do destaque, bem como os critérios de escolha dos processos a serem julgados, surge como uma agenda de pesquisa promissora, necessária para entender as implicações do desenho institucional no processo decisório do STF e na isonomia procedimental na jurisdição constitucional brasileira.

Modos de entrega da decisão judicial no STF: da seriação presencial à decisão pelo relator digital

As transformações nas dinâmicas de julgamento do STF, impulsionadas pela virtualização dos processos e pelos ambientes digitais de deliberação colegiada, têm modificado não apenas a forma de proferir decisões, mas também a substância dessas decisões e a cultura jurídica em torno dos precedentes e da estabilidade jurisprudencial.

Historicamente, o STF adotou um modelo de julgamento seriatim em suas sessões presenciais, caracterizado pela apresentação sequencial dos votos dos ministros. Nesse formato, após a liberação do processo pelo relator e a inclusão na pauta pelo presidente, cada ministro expunha seu voto individualmente, seja acompanhando o relator, seja divergindo ou pedindo vista. Essa estrutura permitia a explicitação das divergências e a construção coletiva da decisão, mas também dificultava a identificação de uma ratio decidendi unificada, o que limitava a consolidação de uma cultura de precedentes claros e consistentes.

Com a introdução dos ambientes virtuais de julgamento, essa lógica foi significativamente alterada. A virtualização trouxe um modelo que se aproxima do per curiam, adaptado à realidade brasileira como per relator. Nessa configuração, a maioria das decisões é centrada no voto do relator, com os demais ministros apenas confirmando ou discordando de forma sucinta, sem elaborar votos detalhados.

Isso facilita a identificação de uma ratio decidendi mais clara, o que pode contribuir para a uniformização da jurisprudência. Por outro lado, a redução das manifestações individuais limita o pluralismo de ideias e a profundidade dos debates, aspectos intrínsecos ao modelo seriatim.

Ainda que o modelo per relator favoreça a clareza e a eficiência das decisões, ele não resolve o problema persistente da instabilidade jurisprudencial. Historicamente, o STF tem revisitado e alterado decisões em intervalos curtos, o que compromete a segurança jurídica e dificulta a aplicação consistente dos precedentes pelos tribunais inferiores.

Exemplos notáveis incluem mudanças abruptas de entendimento em temas como a correção remuneratória de servidores públicos, expurgos inflacionários, competência da Justiça do Trabalho para danos decorrentes de contratos de trabalho, e a “tese do século”.

Nos casos mais complexos, que representam apenas cerca de 0,5% dos processos e são destinados ao julgamento presencial, o STF mantém o modelo seriatim, permitindo que os ministros apresentem votos sequenciais e detalhados, frequentemente registrando divergências. Isso reflete a necessidade de um debate aprofundado e de múltiplas perspectivas jurídicas em temas de grande impacto social.

Portanto, o modo de entrega das decisões no STF hoje reflete uma dualidade adaptada ao contexto digital: enquanto nos julgamentos virtuais predomina o modelo per relator, com decisões centralizadas no relator, os julgamentos presenciais continuam marcados pelo modelo seriatim, caracterizado por uma maior pluralidade de vozes e pela possibilidade de divergência explícita.

Essa dualidade traz desafios e oportunidades. O modelo per relator nos julgamentos virtuais pode promover celeridade processual e clareza dos precedentes, mas é essencial que o STF assegure a estabilidade jurisprudencial, evitando mudanças frequentes e abruptas de entendimento que comprometam a segurança jurídica. A percepção de que os precedentes podem ser revisados a qualquer momento desestimula os tribunais inferiores a segui-los consistentemente.

A reconfiguração das funções do relator e a transformação estrutural do processo decisório colegiado, impulsionadas pela digitalização, exigem uma reflexão mais ampla sobre o papel do STF na consolidação de uma cultura de precedentes confiável. É preciso equilibrar inovação e adaptabilidade com o compromisso de estabilidade e previsibilidade das decisões judiciais.

O persistente problema da monocratização no STF

O fenômeno da monocratização das decisões no STF tem sido objeto de intenso debate na literatura, dada a preponderância do exercício individual da jurisdição constitucional em detrimento da deliberação colegiada. Essa prática intensifica uma individualização do processo decisório que, embora eficaz em termos de celeridade, compromete o caráter coletivo das decisões. Desde 2000, as decisões monocráticas representam cerca de 87% do total proferido pelo tribunal.

Diversos autores têm abordado essa questão, com denominações como “11 ilhas” (Mendes, 2010), “palco de solistas” (Mendes, 2012), “11 Supremos” (Falcão, Arguelhes e Recondo, 2016), “11 Estados soberanos” (Recondo, 2018) e “Ministrocracia” (Arguelhes e Ribeiro, 2018), refletindo a percepção de que o STF atua muitas vezes como um conjunto de instâncias individuais, em vez de um órgão colegiado unificado.

A centralização das decisões no relator é reforçada por dados que indicam que, em 99% das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e em 96% dos casos de repercussão geral, o voto do relator é o vencedor (Oliveira, 2011; Medina, 2016). Essa centralização evidencia uma monocratização material do STF, que prevalece mesmo com as inovações trazidas pelos julgamentos virtuais.

Dois aspectos principais ilustram essa problemática. Primeiro, os dados mais recentes mostram que, em 2023, das 105 mil ações julgadas pelo STF, 87,6 mil foram decididas monocraticamente (83%). Em 2022, esse percentual foi de 86%. Isso demonstra que, mesmo com a implementação de julgamentos virtuais, a estrutura decisória do STF continua amplamente monocrática.

O segundo aspecto é a pseudo-colegialidade promovida pelos julgamentos virtuais, especialmente no modelo per relator. Embora aparentem aumentar a colegialidade, esses julgamentos frequentemente resultam em um colegiado meramente formal, em que os demais ministros apenas confirmam o voto do relator sem apresentar fundamentações próprias. Essa prática, apesar de eficiente, limita o processo deliberativo e compromete a legitimidade das decisões.

Com 99% dos julgamentos ocorrendo em ambiente virtual, a interação entre os ministros é reduzida, e o debate aprofundado é prejudicado. Embora a eficiência processual seja alcançada, a qualidade da deliberação colegiada é sacrificada, transformando a colegialidade em uma formalidade mais do que em um processo substantivo de construção coletiva da jurisprudência.

Apesar das inovações tecnológicas, o STF enfrenta o desafio de promover uma colegialidade deliberativa em suas decisões. O equilíbrio entre eficiência processual e qualidade do debate jurídico é fundamental para garantir que a colegialidade não seja apenas simbólica, mas um mecanismo efetivo de enriquecimento da jurisprudência e de fortalecimento da legitimidade das decisões judiciais.

Conclusão

A presente série de três artigos ofereceu uma análise detalhada e comparativa dos dois principais ambientes decisórios do Supremo Tribunal Federal: o plenário virtual e o plenário presencial. Examinamos como o desenho institucional desses ambientes impacta diretamente o processo decisório, moldando tanto a forma quanto o conteúdo das decisões.

Nesse contexto, o conceito da bidimensionalidade do precedente constitucional — desdobrado nas dimensões material (o que é decidido) e procedimental (como é decidido) — emergiu como fundamental, revelando como o modo de julgamento influencia a formação dos precedentes.

No primeiro artigo, destacamos que o plenário virtual, com sua eficiência e celeridade, tornou-se o ambiente de julgamento por excelência, responsável por 99,5% das decisões proferidas em 2023. Essa predominância reflete a necessidade de racionalização e agilidade processual no STF, com foco em ações rotineiras, recursos e questões de menor complexidade.

O plenário virtual favorece a formação de consensos rápidos e, muitas vezes, unânimes, otimizando o fluxo de trabalho do tribunal. Todavia, essa celeridade suscita importantes reflexões sobre os critérios de escolha dos casos remetidos a esse ambiente, especialmente quanto à profundidade do debate e à complexidade das questões constitucionais envolvidas.

No segundo artigo, direcionamos nossa atenção ao plenário presencial, onde são julgados os casos de maior complexidade constitucional, como Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). Nesse ambiente, observamos uma maior frequência de dissenso e deliberações mais aprofundadas entre os ministros. A interação presencial entre magistrados, partes e a opinião pública reforça a importância do plenário presencial como espaço de diálogo público e controle de constitucionalidade.

Embora represente uma fração mínima dos julgamentos totais do STF (apenas 0,5% das decisões em 2023), esse plenário exerce um papel essencial na construção dos precedentes constitucionais mais relevantes. A introdução de julgamentos bifásicos e votos em conjunto indica uma possível aproximação ao modelo per curiam, promovendo maior clareza e coesão nas decisões. Contudo, para que essas inovações contribuam efetivamente para uma cultura de precedentes, é necessário um compromisso institucional contínuo com a consistência e previsibilidade jurisprudencial.

No terceiro artigo, a análise comparativa entre os dois ambientes decisórios evidenciou que a forma de julgamento influencia diretamente o conteúdo das decisões e a formação dos precedentes. Enquanto o plenário virtual se destaca pela celeridade, o plenário presencial, com suas interações interpessoais diretas, proporciona um espaço propício ao dissenso, ao debate aprofundado e à deliberação colegiada. A transmissão ao vivo dos julgamentos presenciais pela Rádio e TV Justiça reforça o plenário presencial como um canal de diálogo direto entre o Tribunal e a sociedade, ainda que esse ambiente atue como uma arena quase simbólica de julgamento.

Do ponto de vista teórico, a literatura revisada — conforme Epstein e Knight (1998) e Murphy (1964) — destacou que o modelo institucional e as escolhas estratégicas dos ministros são cruciais para entender como o processo decisório é moldado. Esses referenciais revelam que a estrutura institucional afeta tanto as preferências individuais dos magistrados quanto a forma como elas se manifestam, influenciando a escolha dos processos a serem julgados em cada ambiente decisório.

A plasticidade entre os ambientes de julgamento merece ser explorada, especialmente por meio do mecanismo do destaque, que permite a transferência de casos do plenário virtual para o presencial. Essa ferramenta exige uma análise cuidadosa sobre os critérios que orientam essa transição e suas implicações para a isonomia procedimental na jurisdição constitucional brasileira. O destaque não apenas regula o trânsito entre os dois ambientes, mas também expõe questões a um maior escrutínio público, conectando o STF diretamente à sociedade e reforçando o papel simbólico e prático do plenário presencial.

Entretanto, a análise revelou um persistente problema de instabilidade decisória e a ausência de padrões consistentes de reprodução da jurisprudência, que se manifestam como obstáculos à formação de uma cultura de precedentes sólidos no Brasil. A frequente revisão de entendimentos e a falta de uniformidade nas decisões comprometem a previsibilidade jurídica e a confiança nas instituições.

Essa instabilidade é agravada pelo modelo de entrega das decisões nos julgamentos virtuais, onde a centralização no relator e a falta de deliberação colegiada efetiva limitam a discussão aprofundada e a consolidação de entendimentos jurisprudenciais estáveis.

Adicionalmente, as novas dinâmicas de julgamento no STF, impulsionadas pela virtualização dos processos e pelos ambientes digitais de julgamento colegiado, têm impactado significativamente o modo de entrega das decisões judiciais. Nos julgamentos virtuais, a tradicional seriação presencial — na qual cada ministro apresenta seu voto de forma sequencial — cede lugar a um modelo centrado no relator, que chamamos per relator.

Nesse formato, a maioria dos acórdãos é decidida por unanimidade, com os ministros acompanhando o voto do relator sem apresentar fundamentações próprias. Embora isso promova celeridade processual, resulta em uma transformação estrutural no processo decisório colegiado, redimensionando o papel do relator e alterando a dinâmica deliberativa do tribunal.

Essa mudança evidencia o persistente problema da monocratização no STF. Apesar das inovações tecnológicas que poderiam ampliar a colegialidade, as decisões monocráticas ainda representaram 83% do total de ações julgadas em 2023. Além disso, a pseudo-colegialidade dos julgamentos virtuais — onde a interação entre os ministros é limitada e a possibilidade de debate aprofundado é reduzida — configura uma monocratização material, em que a decisão, embora formalmente colegiada, é efetivamente individual.

As dinâmicas apontadas acentuam um déficit deliberativo no processo decisório do STF. A falta de debates aprofundados e a limitada troca de argumentos entre os ministros comprometem a qualidade e a legitimidade das decisões. O modelo per relator e a pseudo-colegialidade contribuem para esse déficit, uma vez que os ministros frequentemente não apresentam votos individualizados ou fundamentações próprias, limitando a riqueza do processo deliberativo. Esse cenário dificulta a formação de precedentes consistentes e robustos, essenciais para a segurança jurídica e a construção de uma cultura de precedentes no país.

Para aprofundar a compreensão dessas dinâmicas e buscar soluções efetivas, futuros estudos poderiam explorar como os fenômenos identificados nesta série se manifestam em outras cortes superiores ou em contextos internacionais, permitindo uma comparação mais ampla e a identificação de tendências globais.

Além disso, a realização de entrevistas ou pesquisas qualitativas com ministros, advogados e partes envolvidas poderia oferecer insights adicionais sobre as percepções e experiências práticas relacionadas aos temas discutidos. Essa abordagem multidimensional contribuiria para um entendimento mais profundo dos desafios enfrentados pelas cortes constitucionais na era da digitalização, possibilitando a elaboração de estratégias mais eficazes para equilibrar a necessidade de celeridade com a preservação da qualidade deliberativa.

Estabelecer padrões consistentes de reprodução da jurisprudência é essencial para consolidar uma cultura de precedentes no Brasil, fortalecendo a segurança jurídica e a confiança da sociedade no Judiciário. Essa série de artigos destaca que o STF enfrenta o desafio de conciliar a necessidade de eficiência processual com a manutenção de uma colegialidade substantiva, a estabilidade jurisprudencial e a superação do déficit deliberativo.

A virtualização trouxe avanços significativos em termos de celeridade, mas também revelou questões críticas relativas à participação efetiva dos ministros no processo decisório e à formação de precedentes consistentes. O futuro da jurisdição constitucional brasileira dependerá da articulação adequada entre a dimensão material e a procedimental, bem como do equilíbrio entre celeridade, profundidade e estabilidade nas decisões judiciais, garantindo que a jurisdição constitucional seja exercida de forma isonômica, transparente e efetivamente colegiada.

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[2] Maveety, Nancy (ed.). The Pioneers of Judicial Behavior. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2004.

[3] Tamanaha, Brian Z. Beyond the Formalist-Realist Divide: The Role of Politics in Judging. Princeton University Press, 2010.

[4] ROHDE, David W.; SPAETH, Harold J. Supreme Court decision making. San Francisco: W. H. Freeman, 1976, p. 72. WHITTINGTON, Keith E. Taking what they give us: explaining the Court’s Federalism Offensive. Duke Law Journal, v. 51, p. 477-520, 2001.

[5] Kornhauser, Lewis A. (2021). Understanding Adjudication, in: High Courts in Global Perspective: evidence, methodologies, and findings. Ed. Nuno Garoupa, Rebecca D. Gill, & Lydia B. Tiede. Charlottesville: UVA Press.

[6] O conceito de bidimensionalidade do precedente constitucional desdobra-se em duas dimensões indissociáveis: a material, que abrange o conteúdo substantivo da decisão (o que é decidido), e a procedimental, que se refere ao método e à forma de construção da decisão (como é decidido). A dimensão procedimental está intrinsecamente ligada ao referencial teórico discutido nos artigos anteriores, que destacaram a influência do modo de julgamento sobre o próprio resultado decisório. Ambas as dimensões não apenas orientam o entendimento do precedente, mas também vinculam sua aplicação à isonomia procedimental entre os jurisdicionados, garantindo que o tratamento igualitário se reflita não apenas no mérito das decisões, mas também em sua formulação processual. Em um tribunal que não tem o conteúdo de suas decisões sujeito a sindicabilidade, espera-se que o rito procedimental seja submetido ao devido escrutínio, refletindo padrões consistentes e isonômicos de procedimentalidade entre os processos decididos pela corte. O precedente constitucional deve ser compreendido como um fenômeno complexo, cuja interpretação adequada exige uma interação dinâmica e isonômica entre as dimensões material e procedimental.

[7] BAILEY, Michael A.; MALTZMAN, Forrest. Does Legal Doctrine Matter? Unpacking law and policy preferences on US Supreme Court. American Political Science Review, v. 102, n. 3, p. 369-384, 2008.

[8] CLAYTON, Cornell; GILLMAN, Howard. Supreme Court decision-making: new institutionalism perspectives. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1999.

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