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Em meio ao enfraquecimento crescente dos mecanismos multilaterais de solução de litígios internacionais e de proteção da paz, a arbitragem, na avaliação do advogado Renato Beneduzi, tem emergido como um instrumento capaz de solucionar conflitos entre países, como questões climáticas, ambientais e de fronteiras. Doutor em Direito pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e integrante do grupo nacional brasileiro na Corte Permanente de Arbitragem (CPA), Beneduzi destaca como diferencial a possibilidade de fracionamento inerente ao processo de arbitragem.
“Em um contexto de beligerância entre estados, a flexibilidade das arbitragens, em geral, e das arbitragens administradas pela CPA, em particular, permite isolar determinado litígio (por exemplo, em relação à determinação de fronteiras), tornando possível a sua solução, mediante mediação ou arbitragem, conforme o caso, sem exigir, ao mesmo tempo, uma solução global de todas as controvérsias que possam existir entre as partes (técnica conhecida como fracionamento)”, explicou, em entrevista ao JOTA.
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Para ele, a flexibilidade e liberdade que as partes têm para delimitar qual litígio exatamente deverá ser decidido permitem solucionar a questões complexas por meio de um método pacífico.
Tal método pode ser aplicado, ressalta o advogado, em questões climáticas e ambientais, que tem sido cada vez mais fonte de conflitos entre estados. “Neste contexto, a técnica de fracionamento pode se mostrar extremamente útil, ao permitir o isolamento e a solução de um litígio determinado sem exigir necessariamente, ao mesmo tempo, a solução global de todos aqueles que possam existir entre as partes.”
A CPA foi instituída em 1899 como o primeiro foro permanente e interestatal para a solução pacífica de disputas internacionais. Inicialmente, a CPA administrou apenas arbitragens envolvendo Estados. A partir da década de 1930, seu escopo se expandiu, passando a incluir também arbitragens entre Estados e particulares.
O advogado Renato Beneduzi iniciou em sua posição como membro da Corte Permanente de Arbitragem (CPA), em Haia, na Holanda, no final de setembro, ao lado da procuradora-geral federal Adriana Venturini.
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Leia a entrevista
A CPA pode atuar em conflitos envolvendo Estados que estejam à beira de um conflito armado ou em plena guerra? Há precedentes de tais disputas sendo resolvidas por arbitragem?
Sim. É este exatamente o caso, por exemplo, de uma arbitragem administrada atualmente pela CPA entre a Rússia e a Ucrânia (caso n. 2017-06, que trata de “coastal State Rights in the Black Sea, Sea of Azov, and Kerch Strait”).
Considerando a atuação histórica da CPA, qual é o papel que ela poderia desempenhar na resolução de conflitos fronteiriços e territoriais, muitas vezes desencadeadores de guerras? Quais mecanismos de mediação ou arbitragem poderiam ser aplicados?
As relações entre Estados, não raro, são marcadas por um feixe de conflitos, que se conectam e se amplificam. Idealmente, um mecanismo pacífico de solução de litígios deveria servir para a solução de todos eles ao mesmo tempo. Nem sempre, no entanto, esta solução ampla é possível, ou mesmo desejada pelas partes. Em um contexto de beligerância entre estados, a flexibilidade das arbitragens, em geral, e das arbitragens administradas pela CPA, em particular, permite isolar determinado litígio (por exemplo, em relação à determinação de fronteiras), tornando possível a sua solução, mediante mediação ou arbitragem, conforme o caso, sem exigir, ao mesmo tempo, uma solução global de todas as controvérsias que possam existir entre as partes (técnica conhecida como fracionamento).
A CPA tem desenvolvido regras específicas para disputas ambientais e uso de recursos naturais. Como essas regras podem ser utilizadas em contextos de conflitos armados que envolvem a destruição de ecossistemas e recursos naturais estratégicos?
Guerras são iniciadas, muito frequentemente, em razão de disputas sobre acesso a recursos naturais. É hoje também bem sabido que a destruição de ecossistemas por um país pode causar enormes danos a outros, vizinhos ou não. A crescente urgência de questões climáticas e ambientais é assim cada vez mais fonte de conflitos entre estados. Neste contexto, a técnica de fracionamento, explicada na resposta anterior, pode se mostrar extremamente útil, ao permitir o isolamento e a solução de um litígio determinado sem exigir necessariamente, ao mesmo tempo, a solução global de todos aqueles que possam existir entre as partes.
A arbitragem tem sido uma solução eficaz para prevenir o uso da força em conflitos entre Estados? Em quais circunstâncias Estados beligerantes estariam dispostos a submeter suas disputas à arbitragem internacional, e quais são os principais desafios para isso?
Imaginou-se, com o fim da 1ª Guerra Mundial, que a criação de um tribunal internacional permanente – à época o Tribunal Permanente de Justiça Internacional, substituído depois da 2ª Guerra Mundial e a criação da ONU pela Corte Internacional de Justiça – pudesse levar ao desaparecimento das guerras e sua substituição, enquanto forma de solução de conflitos entre estados, por uma justiça internacional. Não é esta, muito infelizmente, a realidade em que vivemos. Em verdade, tem-se mesmo testemunhado nos últimos anos um enfraquecimento crescente dos mecanismos multilaterais de solução de litígios internacionais e de proteção da paz.
Neste contexto, a arbitragem pode servir – em razão de sua flexibilidade e da liberdade que as partes têm para delimitar qual litígio exatamente deverá ser decidido – como um instrumento para isolar e resolver aqueles que elas estão dispostas a submeter a um método pacífico de solução. O descalonamento, que a solução fracionada de litígios entre estados permite, pode contribuir para reduzir a tensão existente entre eles e assim desestimular o recurso ao uso da força.
Nas relações internacionais, é preciso sempre dosar idealismo e realismo. O direito internacional não é capaz, por si só, de eliminar de modo definitivo as guerras e o sofrimento entre os povos. A dor e a destruição que testemunhamos em conflitos armados leva-nos frequentemente a sentir desesperança e desalento em relação ao direito internacional. Sem ele, no entanto, as coisas seriam ainda muito piores do que já são. O direito internacional é assim também uma força moral poderosa, infinitamente preferível ao vale tudo a que sua desconstrução inevitavelmente levaria.
Dada a crescente globalização dos mercados e os conflitos gerados por interesses econômicos entre Estados, como a CPA tem tratado de disputas comerciais que, embora não sejam guerras formais, podem impactar a estabilidade internacional? Esses conflitos poderiam escalar para questões mais amplas de segurança global?
A CPA administrava, quando de sua fundação, apenas litígios entre estados. A partir do famoso caso Radio Corporation of America v. China, na década de 30, ela passou a administrar também litígios entre particulares e estados. Seu campo de atuação, em outras palavras, tem se ampliado nos seus 125 anos de existência. Esta vocação pública lhe permite mesmo administrar litígios apenas entre particulares, desde que revestidos de uma dimensão pública que justifique a sua atuação.
A arbitragem, também neste aspecto, pode ser extremamente útil para distensionar as relações entre estados, contribuindo para evitar que litígios comerciais entre seus nacionais sobre áreas sensíveis, como, por exemplo, a exploração de recursos naturais, amplifiquem-se e até mesmo escalem para conflitos militares.