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As atenções do mercado financeiro local estão voltadas para o pacote de revisão de gastos que está sendo prometido pelas equipes do Ministério da Fazenda e Planejamento. Porém, a história recente mostra que, para essa agenda se concretizar, é necessária uma coordenação política interna no governo, especialmente entre as pastas econômicas e setoriais, que não parece ocorrer neste momento. A avaliação é de Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos.
Em sua visão, o mau humor no mercado financeiro com o governo permanece porque, apesar do impacto fiscal reduzido de episódios recentes, como o do Auxílio Gás e do pacote de socorro às aéreas, a direção até o momento foi de mais gastos ou formas de flexibilização fiscal. “Tem a foto e o filme. A foto, se comparamos com o que já foi, são coisas pequenas. Mas, pensando no filme, a sinalização é ruim”, disse.
Victal acredita que o sinal qualitativo será mais importante do que o número em si do pacote, observando, por exemplo, se o governo vai enfrentar mudanças nas despesas mais estruturais . O número pode vir alto, explica, mas não parar de pé depois, como foi o caso das medidas de receita para este ano. Para ela, o governo vai entregar a meta fiscal de 2024, mas graças às receitas extraordinárias, que não estavam em seu plano inicial e não se repetem em 2025.
A economista-chefe da SulAmérica também chama atenção para o possível impacto inflacionário que uma eventual isenção do IRPF para quem ganha até R$ 5 mil poderia causar. Segundo ela, como já visto em episódios anteriores, há uma elevada propensão marginal ao consumo de quem receberá essa renda “extra”. Além do impacto fiscal, a medida pode ser mal lida pelo mercado se for o início de um processo de medidas de estímulo com fins eleitorais, explica Victal.
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“Se você faz uma isenção do IR em meio a um ciclo de alta e você está discutindo já que o hiato está mais expansionista do que você achava, ele tende a ficar ainda mais expansionista. Ou seja, essa isenção pode acabar incentivando a uma taxa de Selic um pouco mais elevada”, disse.
Essa é a última entrevista deste ano da série “Cenários Macroeconômicos”, que o JOTA tem feito desde julho. Confira abaixo os principais pontos.
Pacote de revisão de gastos: expectativas
Ainda não tem uma coordenação dentro do governo para endereçar essa questão e sabemos que, no melhor cenário, um pacote de gasto é algo que tem um custo mínimo de negociação. Portanto, a gente precisa ver uma coordenação. Governos conseguem aprovar pautas mais complexas — politicamente falando — se há alguma coordenação e força de vontade.
Além disso, o pacote está muito parecido, em termos de comunicação, do que foi o arcabouço fiscal, ou seja, ele ainda está muito restrito à equipe econômica. Isso tem a parte positiva, que as coisas não vazam, mas tem uma parte negativa, que, se isso é verdade [restrito à equipe econômica], ele ainda não passou pelo crivo político.
Parte das medidas estruturais vão precisar reter despesas obrigatórias, e elas não estão no orçamento à toa — elas têm pai e mãe. Qual é de fato o empenho que o governo vai ter politicamente para aprovar as medidas? Quando a gente junta tudo isso, fica muita dúvida.
O número [da eventual contenção de gastos] não é tanto o foco — já tivemos surpresas negativas quanto ao anúncio do número e o que era viável nele. No pacote de receitas, por exemplo, o governo apresentou o número, o mercado foi cético e, no final, ficamos ali no meio do caminho porque foram anunciadas medidas adicionais que viabilizaram em parte o número do governo, mas não foram pelo que ele tinha anunciado.
Além disso, me parece que parte [da revisão] será com questões de fraudes, ou seja, coisas difíceis de mensurar. Se mexer com emendas, a gente vai ter que esperar qual vai ser a reação do Congresso, que tem sido muito reticente nesse tema. Então, pode vir um pacote que no anúncio esteja um número gigantesco, mas quando destrinchar, muita coisa não para de pé.
O que o mercado vai olhar muito é o qualitativo do pacote. O que poderia vir que pode ser interessante? Coisas que mexam em questões estruturais. Então, pegar todas as rubricas e ver algo que poderia impactar de uma maneira permanente nas obrigatórias.
Tem sempre os candidatos: seguro-desemprego, abono salarial, que estão no pacote de spend review, mas que tem um debate sobre viabilidade política. Emendas é algo que eu também vi na imprensa, mas sou um pouco mais cética e o mercado vai esperar uma declaração por parte do núcleo político para ver a viabilidade.
Saúde e educação sempre são candidatos, mas politicamente muito complicados. Quando tinha coordenação política foi difícil mexer e não aconteceu, imagina agora que parece, por ora, não haver uma coordenação política — e quando digo isso, leia-se ministérios setoriais com ministérios mais econômicos.
O ponto principal para mim é: temos uma rubrica que cresce acima da inflação, que é o salário mínimo ter reajuste real. Isso faz com que o bolo de despesas obrigatórias sempre vá ganhando um pouco do espaço das despesas discricionárias ao longo do tempo. Isso é matemática, uma coisa é consequência da outra. Por isso que a desvinculação sempre surge como o primeiro candidato, porque se você desvincula, não cresce, e não tem reajuste real do salário mínimo impactando as contas.
Se a gente tiver um pacote que mostre que, na arbitragem, o ministro Haddad e a equipe econômica saíram com a viabilização de algumas medidas estruturais, acredito que deveria existir alguns fatores para descompressão [dos ativos]. O ponto é: a gente não sabe e, nesse caso, a gente olha o histórico.
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“Dribles” fiscais vs mercado financeiro
Tem a foto e o filme. A foto, se comparamos com o que já foi, [mostra que] são coisas pequenas. Mas, pensando no filme, a sinalização é ruim. Mas tem um quê de muita notícia requentada. As coisas já estavam acontecendo e, com o fortalecimento dessa preocupação com o fiscal, começamos a dar, imprensa e analistas de modo geral, mais destaques à esses dribles.
Quando você pensa no filme, a gente não tem medida efetiva de controle de gastos. Estamos vendo os limites do ajuste pela receita, então o governo fala que vai mandar compensações à desoneração via receita, o Congresso já fala que não tem viabilidade de aprovar. Via despesa, a gente não vê nada acontecendo. Pode acontecer, mas ainda está no campo das ideias e das promessas, e as promessas que já foram feitas em outros momentos e não foram entregues em plenitude.
Então, o mau humor do mercado vem porque, apesar do impacto fiscal individualmente não ser tão grande, com questões pequenas, a grande maioria foi na direção de mais gasto ou de algum drible ou forma de flexibilização fiscal. Teve o Auxílio-Gás, a questão das aéreas [pacote de socorro às companhias], uma série de medidas e declarações dos ministros setoriais falando de algo pontual.
Tudo isso eu acho que passa uma mensagem para os agentes de mercado que estão muito (e eu também) atentos ao que pode vir nesse pacote [de revisão de gastos].
Política fiscal do governo
Em um primeiro momento, o ministro Haddad contou bastante com benefício da dúvida, ali quando apresentou o arcabouço.Tinha uma visão muito negativa quanto ao que seria entregue potencialmente, e que seria a continuação da expansão fiscal, principalmente do segundo governo Dilma. Haddad entregou um arcabouço fiscal, entregou algum limite de despesa, uma promessa de ajuste de receita e ajudou também o fato de termos na época um ambiente, tanto interno quanto externo, mais favorável.
De lá pra cá, o arcabouço, como era nossa leitura aqui na SulAmérica, diminuiu o risco fiscal, mas não resolveu o problema. Nem ele, nem as medidas de receita. O que se provou verdade um pouco mais rápido do que eu esperava, muito pelo crescimento das despesas obrigatórias. Esse aumento também nos surpreendeu bastante, principalmente das despesas da previdência social, em velocidade bem mais elevada.
O esgotamento do espaço tem sido um pouco mais rápido. Em paralelo, começamos a ter essas movimentações pequenas. Sabe aquele armário que está cheio de roupa, e está fechado, mas quase saindo? Parece que está um pouco isso, quando a gente pensa no orçamento — já tem roupa saindo. E aqui não estou discutindo se tem mérito ou não, o que estou falando é: a gente já tem algumas medidas que estão saindo do armário.
O governo vai conseguir entregar a meta este ano, mas à custa de receita extraordinária, que não vai se repetir em 2025 e também às custas de tirar coisas do primário.
Isenção do IR até R$ 5 mil e compensações
Acho que a gente tem que pensar no custo da medida, que é alto. Mesmo esses R$ 35 bilhões, eu sinceramente não sei fazer essa conta. A única instituição que sabe fazer essa conta é a Receita Federal (RFB). E a própria RFB tem uma certa incerteza, porque vai depender do planejamento tributário das pessoas, que pode ser alterado com a medida. A perda de arrecadação ex post pode ser não necessariamente o que a Receita está calculando.
É uma medida bem cara e as formas de compensação são politicamente discutíveis. Parte das medidas advogadas que poderiam compensar essa isenção do IR foram estudadas como compensação da desoneração da Folha e o Congresso falou que não tem ambiente político para aprovar. Meu receio é a gente acabar com uma medida que tem um custo fiscal elevado, sem nenhuma compensação.
Aqui é a foto. A gente tem que pensar no filme também. Por que a gente está dando uma isenção de até R$ 5 mil para o IR? Isso vai ser lido, na minha opinião, como algo que o presidente da República está querendo entregar para tentar aumentar a probabilidade de reeleição. Se isso for verdade, a dúvida que vai ficar na mesa é: vai fazer mais alguma coisa? A gente viu no governo anterior, que era de outro aspecto político, que uma série de medidas foram feitas. Teve a primeira medida da gasolina, depois teve o Bolsa Família, uma sequência de medidas. A gente também vai estar falando de uma sequência de medidas?
Primeiro, acho que a medida [isenção do IR] pontualmente é cara. Segundo, ela tende a ser lida como início de um processo e não um processo no fim. Terceiro, para a política monetária, mesmo sob o cenário mais otimista de conseguirem compensar tudo, então fiscalmente é net zero, mas para o Banco Central não é net zero, porque a propensão marginal a consumir da camada da população que vai estar isenta não é igual à propensão marginal a consumir da camada da população que vai pagar. Do ponto de vista de impulso de crescimento e consumo, ou seja, impacto inflacionário, é bem diferente dar isenção para crescer com mil reais e pagar via [imposto para] milionário.
É parecido com o que aconteceu quando [o ex-presidente] Temer liberou o FGTS. O que você teve no mês seguinte? Boom de varejo e vários meses que o crescimento econômico foi bem acima da expectativa. No Auxílio Emergencial, mesma coisa. A gente teve um boom de consumo muito acima das expectativas, porque a propensão marginal a consumir de quem recebeu esse dinheiro é muito elevada.
Então isso, para o Banco Central, num momento que ele está subindo juros, seria um componente de risco adicional para o balanço de inflação. Ainda tem esse componente de juros que eu não sei se está sendo considerado.
Se você faz uma isenção do IR em meio a um ciclo de alta e você já está discutindo que o hiato está mais expansionista do que você achava, ele tende a ficar ainda mais expansionista. Ou seja, essa isenção pode acabar incentivando uma taxa de Selic um pouco mais elevada.
Esse debate do IR tem que ser feito com muita cautela. Não é à toa que o ministro Haddad tem falado muito isso. Então, é o momento de fazer isso? Acho que não. Dito isso, o ministro Haddad já também falou que é um assunto que deve ficar para 2025. Então, eu imagino que ele está mais ou menos com isso em mente.
Política monetária
Projetamos a Selic terminal em 12%, em altas de 50 pontos. Se você está vendo ali um orçamento nesse tamanho, faz sentido acelerar para 50. [Também faz sentido acelerar] Se você está vendo dados de atividade que estão desacelerando, mas não estão desacelerando numa intensidade grande. A gente tem visto até alguns agentes de mercado importantes revisando PIB para cima, porque tinha uma desaceleração um pouco mais rápida. A desaceleração ela tem sido um pouco mais lenta, no princípio do ano ficou mais alto.
A gente está vendo a renovação de mínimas das taxas de desemprego que mostra um estímulo razoável, continuamos vendo um panorama de rendimentos crescendo acima da produtividade da economia. Então para a inflação de serviços continua sendo um fator de risco, até piorou na margem.
Hoje achamos que tem uma simetria para entregar mais do que menos [alta de juros]. A gente tem um fiscal mais complexo, uma atividade econômica que tem surpreendido na intensidade e, quando eu olho para os amortecedores padrão, mercado de trabalho, crédito, etc, a gente vê ainda um risco altista para atividade.
Próximo Banco Central
As indicações do presidente Lula foram em linha com as expectativas de mercado, foram nomes próximos ao ministro Haddad. Se a gente pensa politicamente no que poderia ser, ele indicou na linha da ala que tem apresentado uma postura moderada, que apresentou no arcabouço de fiscal. Indicou o Gabriel Galípolo para ser presidente, o que era amplamente esperado.
Estamos tendo um Banco Central que tem vindo com nomes políticos? Não, não está tendo isso, está tendo indicações técnicas. Galípolo, por enquanto, tem apresentado posições muito semelhantes às do board. Por isso eu quero esperar para ver, uma coisa é o debate do Copom conduzido com os indicados pelo [ex] presidente Bolsonaro e a área técnica do BC. Outra coisa vai ser quando não tivermos as vozes das pessoas que estavam lá na pandemia, no ciclo de alta, etc. Não estou falando aqui de governo, estou falando das pessoas que estão lá há mais tempo.
Por enquanto eu não tenho motivos para desabonar nada que foi feito por eles [indicados do Lula]. Acho que talvez seja um BC que não seja tão proativo. Me parece que eles vão, pelas sinalizações que ouvi das entrevistas, esperar para ver uma série de coisas. Vão querer ter maior clareza para agir, então no final do dia eles ficam mais reativos do que ativos.
Crescimento econômico
Temos 3% [de crescimento] para este ano e 2,1% para o ano que vem. Tem uma desaceleração, mas nada demais. Se conseguirmos fazer 2,1% depois de ter crescido 3% em dois anos, acho que seria um cenário positivo.
Cenário externo e reflexos locais
O [cenário] externo está um pouco mais complexo. Tem uma componente relacionada a dados mais fortes de atividade nos Estados Unidos, declarações do FED que vão continuar cortando, mas com cautela. O combo de notícias internacionais não está mostrando muito apetite a risco.
Então, estamos performando pior mesmo — igual aos outros países, o que acaba sendo ruim no absoluto. A gente já teve uma janela um pouco mais interessante, mas o que estamos vendo nos últimos 20 dias é que os juros no mundo estão abrindo. Com o aumento da probabilidade de vitória do presidente Trump, há um movimento de juros nos Estados Unidos, e isso tem sido acompanhado por juros emergentes. A gente está vendo juros abrindo em vários países. O Brasil já esteve mais premiado em termos de curva de juros em relação aos países do que está hoje.
Estamos num momento global complexo, em que juros estão abrindo no mundo, e aí por que esse Brasil vai ser diferente? Nosso nível é diferente, poderia ser, mas não estamos vendo isso. O que poderia fazer o Brasil ter um desempenho melhor do que o vetor global? Seria existir algo concreto.
Aqui tem muita dúvida, somado a um cenário internacional que é mais desafiador para emergentes, com a eleição americana ganhando relevância — é normal que eleição ganhe relevância à medida que ela se aproxima, mas é o fato de ganhar relevância com um ligeiro favoritismo para o presidente Trump. Essas duas coisas estão impactando o mau humor do mercado. Os mercados têm uma visão, e nós concordamos, que ele [Trump] tende a ajudar no dólar forte, então é um cenário de juros para cima.