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Recentemente, os jornais divulgaram o anúncio do governo federal sobre a construção de 1.178 creches e pré-escolas. Essa notícia poderia ter sido uma excelente oportunidade para os veículos de mídia locais explorarem a situação da educação infantil em seus respectivos estados, especialmente nas capitais, aproveitando o contexto do PAC Seleções. No entanto, essa chance foi desperdiçada.
A alfabetização emerge como um tema crucial na agenda educacional de 2024. Com as eleições municipais no horizonte, é esperado que essa questão ganhe maior visibilidade, considerando que a maioria das matrículas infantis se concentra nos municípios.
Dados recentes revelam uma queda na proficiência dos alunos do 2º ano do ensino fundamental entre 2019 e 2021, indicando um cenário preocupante. A pontuação no Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) caiu de 750 para 725,90 pontos nesse período. Em 2019, 45% dos estudantes não estavam alfabetizados ao final do 2º ano, um número que aumentou para 56,4% em 2021. Antes mesmo da pandemia de Covid-19, resultados das avaliações já apontavam para um cenário preocupante.
Contrastando com esses dados, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estipula que as crianças devem estar alfabetizadas ao final do 2º ano do ensino fundamental. Esse é o contexto do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado pelo Ministério da Educação em junho de 2023, com a meta ambiciosa de garantir que 100% dos estudantes do 2º ano estejam alfabetizados até 2026. Esse compromisso abrange todo o ciclo de alfabetização e é baseado em parcerias e contrapartidas entre os diferentes níveis de governo. Portanto, inclui ações que englobam desde a etapa anterior ao 1º ano do ensino fundamental até o 5º ano.
Nesse contexto, a cobertura jornalística sobre alfabetização e o Compromisso não deveria se limitar à análise dos resultados das avaliações ou ao debate sobre os métodos de alfabetização. É fundamental também compreender e discutir a alfabetização ao longo de todo o ciclo educacional, especialmente na educação infantil. E o mais importante: considerar a abordagem correta.
Segundo especialistas, não se trata apenas de introduzir formalmente as crianças ao processo de alfabetização, como é feito a partir do 1º ano do ensino fundamental. Na educação infantil, espera-se que as crianças sejam expostas a situações que as permitam experimentar com a linguagem escrita e outras formas de expressão, algo que acontece desde o nascimento, dada a cultura letrada em que vivemos.
A BNCC oferece diretrizes nesse sentido, enfatizando a importância das interações e das brincadeiras para o desenvolvimento das crianças. O documento estabelece que as crianças devem expressar ideias e desejos, produzir suas próprias histórias usando linguagem oral e escrita, recontar histórias e levantar hipóteses sobre a linguagem escrita, entre outras habilidades. Em termos teóricos, a BNCC adota o conceito de campo de experiência, que integra as experiências cotidianas das crianças com os conhecimentos a serem adquiridos. Os eixos estruturantes dessa etapa são as interações e as brincadeiras, que possibilitam às crianças a construção e a apropriação de conhecimentos.
Outro aspecto notável a ser considerado é que cada escola aplica as diretrizes e conceitos da BNCC de maneira diferente, baseando-se em seu Projeto Político Pedagógico, nas diretrizes das secretarias de educação e nas concepções de ensino e aprendizagem. Portanto, o bom jornalismo deveria se aprofundar nesses pontos, investigando como a alfabetização é abordada em cada escola, por meio de entrevistas com diretores, coordenadores e professores, além de consultar documentos técnicos das secretarias de educação.
É importante destacar que não existe um método de ensino definido nacionalmente, o que significa que as reportagens podem encontrar escolas que adotam abordagens mais focadas na alfabetização formal e outras que privilegiam metodologias baseadas no brincar ou em projetos. Essas diferenças podem ser um bom começo para aprofundar as discussões sobre as visões e concepções de alfabetização.
O efeito do acesso à educação infantil é outro ponto crucial que merece nossa atenção. Desde os primeiros anos de vida até o ingresso no ensino fundamental, cada experiência vivida pela criança cumpre um papel basilar em sua aprendizagem e evolução. Entre essas experiências, o contato com a leitura se destaca, provando impactos positivos ao longo da vida. Um estudo estadunidense citado pelo Itaú Social, compilando os resultados de 99 pesquisas sobre o tema, revelaram que a exposição à leitura desde a infância coopera expressivamente para o incremento da linguagem oral, compreensão e habilidades ortográficas, refletindo 30% das habilidades orais no ensino médio e 34% na universidade. Esse estudo enfatiza a importância desse contato precoce com a literatura.
No entanto, no contexto brasileiro, marcado por profundas desigualdades, o acesso das crianças à cultura escrita é desigual, influenciado por fatores como localização geográfica, condição socioeconômica e raça. Pesquisas conduzidas pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal revelam que, em média, 24% das crianças brasileiras com até 5 anos de idade não têm acesso a livros infantis ou de figuras em seus lares, sendo 38,3% em Porto Velho (RO) em contraste com os 8,8% em Florianópolis (SC), conforme revelado por uma pesquisa realizada em 13 capitais do país.
O acesso à educação infantil em si é um fator determinante para o sucesso acadêmico, especialmente nos primeiros anos do ensino fundamental, como indicado por uma revisão de 24 pesquisas conduzidas por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. Além disso, estudos anteriores demonstraram que crianças que frequentaram a educação infantil apresentaram melhor desempenho na Provinha Brasil, uma avaliação de alfabetização instituída em 2007 e aplicada pelo Ministério da Educação até 2017.
No entanto, no Brasil, cerca de 178 mil crianças entre 4 e 5 anos não estão matriculadas na escola, conforme evidenciado por um estudo do Todos pela Educação. Essa situação é influenciada por dificuldades de acesso e escolhas dos pais. Vale ressaltar que, de acordo com a legislação brasileira, a frequência escolar é obrigatória a partir dos 4 anos de idade.
Além disso, há disparidades na frequência escolar entre crianças brancas e crianças pretas, pardas e indígenas, com taxas mais baixas para o segundo grupo, como indicado por uma pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que apontou taxas de 93,5% e 91,9%, respectivamente, para o Brasil.
Essas desigualdades são ainda mais evidentes se observamos a infraestrutura das instituições de educação infantil. De acordo com o Censo Escolar de 2022, embora a maioria das creches e escolas infantis possua brinquedos (62,9%) e jogos educativos (76,1%), apenas 25,5% delas possuem salas de leitura, um recurso essencial para a alfabetização. Essa discrepância é particularmente significativa entre as redes pública e privada, com taxas de 39,4% e 17%, respectivamente.
Nesse cenário de desigualdade, a iniciativa do Compromisso Criança Alfabetizada, proposta pelo MEC, de fornecer materiais e equipamentos para espaços de leitura, ganha relevância. Essa medida deveria ser amplamente divulgada pela mídia local, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de acompanhar de perto a implementação das políticas públicas educacionais em seus municípios. Por fim, é crucial monitorar essa implementação para garantir que o planejado seja efetivamente realizado nas salas de aula.