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Nesta série sobre a oração, temos refletido sobre seus princípios básicos, buscando compreender melhor o que é rezar e como rezar. Somente conhecendo o fundamental sobre a sua prática é que podemos, posteriormente, nos aprofundar nela e verdadeiramente crescer na oração. Para isso, utilizamos a Doutrina segura da Igreja Católica, seu magistério, seu catecismo e os santos que receberam o reconhecimento de doutores.
Infelizmente, neste campo de estudo e prática, frequentemente encontram-se opiniões muito “pessoais”, sem fundamentos na doutrina ou mal fundamentadas. Como exemplo, um verdadeiro fundamento doutrinário que é distorcido o tempo todo é: Deus é bom! E, por isso, qualquer absurdo que se vive ou se pensa, Deus, em sua bondade, acolhe, perdoa e compreende.
Nesse caso, um princípio verdadeiro e ontológico é transformado em justificativa para coisas, na maioria das vezes, injustificáveis, ou, na melhor das intenções, duvidosas. Assim, como temos visto nesta série, não é verdade que Deus acolhe qualquer tipo de oração, contanto que seja sincera, feita de coração. Alguém pode, sinceramente, desejar (e pedir em oração) a morte de um assassino, de um estuprador ou de um genocida, e isso nunca será agradável a Deus. É, até mesmo, a fonte de um pecado, como lembra o Evangelho segundo Mateus (Mt 5,22) e João em suas cartas (1Jo 3,15).
É adequado rezar pedindo bens materiais?
Se voltarmos à definição de Santo Tomás de Aquino sobre a oração, aparentemente seria impossível rezarmos pedindo por coisas materiais. Parece absurdo e interesseiro elevar a mente a Deus, aproximar-se d’Ele, reconhecer sua grandeza e senhorio, louvá-Lo, para depois pedir uma casa, ou carro ou computador. Mesmo “o sucesso de nossa colheita”, a concretização de um negócio ou a boa realização de um trabalho parece ser algo estranho a essa intimidade buscada com Deus. Esse abismo se abre ainda mais quando lembramos que Santo Tomás ensina que o principal pedido na oração deve ser a nossa eterna salvação.
Quando se diz isso às pessoas, elas costumam ficar chocadas. Afinal, “a salvação é algo que Deus deve dar a todos, se ele é realmente bom. Nem precisamos pedir ou nos preocuparmos com isso!” Outro exemplo de como a distorção sobre a bondade de Deus impera.
Mas, voltando ao assunto deste artigo, também no Evangelho encontramos muitos argumentos contra rezar pedindo coisas materiais. Em Mateus (6, 33), Jesus deixa claro que não devemos nos preocupar com bens temporais. Eles não devem ser buscados, virão por acréscimo, se focarmos em buscar o Reino de Deus com afinco. Ou seja, ao pedirmos em oração aquilo que mais nos preocupa (ou ocupa), e a Palavra de Deus nos ordena a não nos preocuparmos com os bens temporais (Mt 6, 25), de certa forma parece errado, pois revela imediatamente por onde anda o nosso coração, e que ele não está fixo em Deus.
Buscar a Deus
Isso é ainda mais forte se nos lembrarmos que o apóstolo Paulo exorta fortemente a não se rebaixar com as coisas terrenas, mas manter os olhos fixos em Deus, que é eterno (2Cor 4,18). E quando se percebe, também a nossa volta, quantas pessoas se perderam e se desencaminham por causa da busca e da posse de bens materiais. Vivem como escravos do que é temporal, passageiro, mas visível. Esquecem-se do que é invisível, mas eterno.
Por outro lado, e respondendo objetivamente à pergunta inicial, sob certas condições e cuidados, não é errado rezar a Deus pedindo bens materiais. O ser humano ainda é um ser corporal, além de espiritual, e tem necessidades materiais também. Afinal, quando Jesus ensina que “não só de pão vive o homem” (Mt 4, 4), ele diz ao mesmo tempo que: 1. existe algo mais importante para a vida do que o pão; 2. a necessidade de “pão” é parte integrante da vida do ser humano.
Leia mais:
.: O pecado da ganância
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.: Como construir uma vida de oração?
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Como rezar pedindo ou agradecendo a Deus?
Santo Agostinho explica que é lícito pedir em oração tudo aquilo que é lícito desejar. Isso obviamente inclui os bens materiais. Mas não qualquer bem temporal, em qualquer quantidade, a qualquer preço. Por isso ele explica que “quem quer o suficiente para a vida e nada mais, o quer de maneira não indecorosa. Eles não são desejados por si mesmos, mas para a saúde do corpo e para estarmos com dignidade perante aqueles com os quais convivemos. Estando de posse desses bens, devemos pedir, na oração, para que se conservem; e quando não os possuímos, para que venhamos a possuí-los.”
Assim, sempre é adequado pedir os bens materiais se eles não são buscados por si mesmos nem com exagero. Santo Agostinho explica que os bens temporais estão em segundo plano quanto à sua dignidade, não quanto ao tempo. É também por lembrar disso que a Igreja se esmera em obras de caridade. Deus é mais importante sempre, só que, as vezes, é necessário cuidar primeiro da saúde, da fome, da indigência. Se não se esquece ou não se perde o objetivo final, não existe erro aí.
Santo Tomás ensina que se ocupar (ou preocupar-se) com os bens temporais, inclusive na oração, não é proibido. Somente não se deve se ocupar com aqueles bens que são supérfluos ou desordenados. Nesse caso, possuir ou desejar possuir um carro e pedir isso também a Deus não é um erro. A pergunta que se deve fazer é: precisa ser uma Ferrari? Precisa ser novo com 727 itens de série? E a principal pergunta de todas: no que esse carro vai contribuir, facilitar ou ajudar com minha salvação e com as práticas de virtude na minha vida?
Foque na sua salvação
Afinal, a condição principal da oração, assim como a meta de nossa vida, não muda: precisamos pedir aquilo que é útil para a nossa salvação. Coisas espirituais e, como estamos vendo agora, também coisas materiais. As materiais para que possamos viver com a dignidade que os filhos de Deus merecem, como lembra Santo Agostinho, mas também para que nos ajudem a viver em Santidade, como lembra Santo Tomás: “É lícito desejar os bens temporais, não pondo neles principalmente o nosso fim, mas como deles recebendo algum auxílio para nos dirigirmos para a bem-aventurança, enquanto por intermédio deles é sustentada a vida do corpo e são praticados atos de virtude.”
Isso explica onde erram aqueles que se perdem por influência do mundo na posse dos bens materiais: buscam “as coisas” ou bens temporais como um fim em si mesmo, para “descansar” neles, se satisfazer com eles, usufruir do mundo e de suas posses como o rico reprovado por Jesus no Evangelho segundo Lucas (Lc, 12, 16). Quando se vive assim, a alma realmente se rebaixa. Quando, seguindo a orientação de Santo Tomás, procura-se os bens materiais como auxílio para se santificar e buscar a Deus, não só realizamos a nossa meta eterna como também conduzimos estes mesmos bens para o alto.
Devemos procurar e pedir em oração somente os bens necessários para a vida, e que eles nos sejam concedidos exatamente na medida em que são úteis para a nossa salvação, ou, como diz a Palavra de Deus: “Afastai a falsidade e a mentira, longe de mim a pobreza e a riqueza, dai-me somente o necessário para a minha vida” (Pr 30,8).
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