O efetivo recolhimento como condição para creditamento do IBS e da CBS

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Com a promulgação, ao final do ano passado, da EC 132/2023, também conhecida como reforma tributária sobre o consumo, um tema que tem suscitado muitas críticas e discussões está relacionado exatamente à possibilidade de os contribuintes da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) apenas descontarem créditos dessas espécies tributárias na hipótese de ser observado o seu efetivo recolhimento na etapa anterior, seja por parte prestador do serviço ou vendedor/remente.

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Com efeito, o novel art. 156-A inserido na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) no bojo da reforma sobre a tributação do consumo (EC 132/2023) e que traz a possibilidade de instituição da CBS e do IBS, ambos com natureza não cumulativa (§ 1.°, inciso VIII), passou a estabelecer em seu §5.°, inciso II que o regime de compensação desses tributos, a ser regulado por Lei Complementar, condicionará o aproveitamento de créditos ao efetivo recolhimento dessas espécies tributárias, desde que:  a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto/contribuição incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou b) o recolhimento do imposto/contribuição ocorra na liquidação financeira da operação.

Nesse ponto, é importante salientar que a discussão jurídica relacionada à tentativa de se condicionar o desconto de créditos por parte dos contribuintes ao efetivo recolhimento dos tributos não cumulativos na etapa anterior, em especial em relação ao ICMS no âmbito dos fiscos estaduais, não é nova e por essa razão sua legitimação por parte do Constituinte Derivado mediante a inserção do inciso II, do §5.°, do art. 156-A no texto constitucional esteja sendo objeto de críticas.

Devo confidenciar que eu mesmo, no início das discussões e muito influenciado pela jurisprudência já fixada sobre o tema pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), fiquei ao lado daqueles que criticavam essa nova disposição, porém, com o tempo evolui no meu pensamento e hoje entendo ser plenamente factível sob o prisma constitucional e legal que o desconto de créditos do IBS e CBS sejam condicionados ao seu efetivo recolhimento na etapa anterior e na forma prevista no PLP 68/2024 que está sendo discutido no Congresso Nacional.

Para chegarmos a essa conclusão e também entendermos as críticas à nova condicionante autorizada pelo inciso II, do §5.°, do art. 156-A da CRFB, faz-se mister que seja estabelecido um paralelo histórico com o ICMS, imposto estadual que possui natureza não cumulativa, e cuja apuração permite a compensação e desconto de créditos por parte do adquirente do valor que incidiu na operação antecedente com o aquele que será devido na operação subsequente, desde que observados alguns requisitos objetivos previstos nos regulamentos dos estados: a) que o valor do imposto esteja destacado no documento fiscal (arquivo .xml da Nota Fiscal Eletrônica); b) que o documento fiscal seja considerado idôneo; e c) que a situação do fornecedor esteja regular perante os Fiscos estaduais de origem.

Inexistia, portanto, nas legislações estaduais de regência do ICMS, em geral, qualquer previsão que condicionasse o desconto de crédito à verificação prévia do seu efetivo recolhimento pelo contribuinte adquirente na operação antecedente, o que decorria de uma premissa lógica, considerando que o referido imposto é um tributo indireto que admite o fenômeno da repercussão tributária, ou seja, se o ICMS está incluso e embutido no valor da operação sendo parte indissociável, pago o preço pelo adquirente, se presume pago e recolhido o imposto aos cofres públicos.

No decorrer dos anos, contudo, pudemos verificar que os Fiscos estaduais começaram a promover diversas autuações e glosas de créditos de ICMS, tendo em vista declarações de inidoneidade do fornecedor ocorridas posteriormente à transação realizada, fato que induzia à presunção por parte das autoridades fiscais de que o imposto não fora devidamente recolhido pelo vendedor contribuinte na operação anterior.

As autoridades fiscais tentavam, por meio desses procedimentos e contrariamente à lei, condicionar o crédito ao efetivo recolhimento do ICMS na etapa antecedente, transferindo ao adquirente a responsabilidade pelo imposto que não foi pago presumidamente pelo vendedor remetente tendo em vista sua declaração superveniente de inidoneidade pelas Fazendas estaduais.

Houve indubitavelmente uma clara tentativa por parte das autoridades estaduais de delegar aos particulares adquirentes de boa-fé uma atividade de fiscalização que é típica da Administração Pública e vedada pelo art. 7.º do Código Tributário Nacional (CTN).

Dentro desse contexto, o tema acabou chegando ao Judiciário, tendo o STJ tutelado e pacificado a possibilidade de manutenção do crédito de ICMS ao adquirente de boa-fé na hipótese de declaração de inidoneidade do contribuinte vendedor, o que resultou inclusive na edição da Súmula 509: ‘É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda’.

É clara a tentativa de disrupção por parte do Constituinte Derivado que pretendeu migrar do modelo tradicional, afeito principalmente ao ICMS e o IPI, e que condiciona o crédito desses impostos ao seu destaque no documento fiscal, para um modelo regulamentar que está sendo atualmente objeto de discussão nas Casas Legislativas (PLP 68/2024) que é exatamente o do efetivo recolhimento dos tributos na etapa antecedente.

Nesse aspecto, com base no contexto histórico e jurisprudencial traçado a partir do ICMS, será que poderia haver alguma antinomia na aplicação do modelo proposto que pretende condicionar o crédito do IBS e da CBS ao seu prévio recolhimento na etapa anterior, com o que já fora decidido pelo STJ?

A nova previsão constitucional, como visto, permite que seja condicionado o crédito do IBS e da CBS ao seu efetivo recolhimento na etapa anterior, porém faz duas ressalvas importantes que foram reproduzidas e levadas em consideração pelo art. 28 do PLP n.° 68/2024: desde que o adquirente possa ele mesmo efetuar o recolhimento desses tributos sobre suas aquisições, ou que o seu recolhimento ocorra na liquidação financeira da operação (split payment), ocasião em que a instituição financeira ou operadores de meios de pagamento terão função importantíssima.

Essas duas situações inovadoras, aliás, passaram a ser consideradas pelo art. 27 do PLP 68/2024 como modalidades de extinção do crédito tributário e que agregadas às modalidades clássicas já existentes (compensação com créditos, pagamento do saldo devedor e recolhimento pelo responsável tributário) e às inovações tecnológicas, permitirão uma eficiente integração entre os sistemas de apuração das Administrações Tributárias e os arranjos de meio de pagamento, principalmente os bancos.

Por seu turno, visando conferir total transparência e acompanhamento por parte dos contribuintes, o § 12 do art. 28 do PLP 68/2024 dispõe que sistema a ser desenvolvido pelo Comitê Gestor do IBS e pela Receita Federal irá permitir que tanto fornecedor quanto adquirente consultem a situação de pagamento do IBS e da CBS nas operações em que forem participantes (pelo adquirente ou via liquidação financeira), além da existência da eventual apropriação de créditos na operação por parte do adquirente.

Nessa linha de raciocínio, a apuração da CBS e do IBS será assistida pelo Comitê Gestor e pela RFB mediante declaração automaticamente pré-preenchida ao contribuinte, e tomará por base os documentos emitidos dentro do Sistema da Nota Fiscal Eletrônica e pagamentos realizados, a qual poderá ter os dados checados e ajustados pelos contribuintes.

Deve, contudo, ser salientado, que enquanto não for implementando o recolhimento da CBS e do IBS na liquidação financeira (split payment) ou por parte do adquirente, o art. 29 do PLP 68/2024 ressalva a possibilidade de o crédito dos referidos tributos ocorrer com base no simples destaque, nos moldes do modelo atual.

Feitas essas considerações, nos parece que o novo modelo pretendido e que condiciona o crédito da CBS e do IBS ao efetivo recolhimento na etapa anterior e pretendido pela Constituição (inciso II, do §5.°, do art. 156-A) é revolucionário, estando fortemente baseado e suportado na evolução tecnológica e digital que permite o recolhimento antecipado desses tributos através dos meios de pagamento existentes, bem como a sua pronta observância pelos contribuintes envolvidos por intermédio de um sistema próprio a ser disponibilizado pelas autoridades fiscais.

Nesse aspecto, considerando que é vontade política do próprio Constituinte condicionar o crédito ao efetivo recolhimento e que as autoridades fazendárias disponibilizarão condições sistêmicas no sentido de que os adquirentes se certifiquem acerca do adequado pagamento desses tributos, com a devida vênia àqueles que pensam de forma diferente, não parece haver qualquer delegação da atividade de fiscalização aos particulares adquirentes, fato que teria o condão de tornar desatualizadas ao contexto ora pretendido as decisões do STJ sobre o tema.

Como já mencionado, o modelo proposto é disruptivo e visa tornar mais eficiente o recolhimento e arrecadação tributária dos tributos sobre o consumo, se valendo para tanto da evolução digital e tecnológica que nos permite acesso rápido e confiável aos dados e transações realizadas.

Porém, devemos nos atentar ao fato, que com a implementação do split payment, em termos financeiros, as Fazendas passarão a ter uma maior antecipação dos tributos em seus cofres, uma vez que o repasse acontecerá simultaneamente ao pagamento da transação comercial, o que atrelado à apuração normal da CBS e do IBS poderá, a depender do caso, ser prejudicial aos contribuintes, que muitas vezes poderão ter valores retidos em montante maior ao que o efetivamente devidos, e nesse ponto, merecem ser criados mecanismos eficientes que possibilitem essa rápida compensação ou restituição.

Em teoria, parece, portanto, que a adoção do novo modelo pretendido se mostra viável e adequado sob o prisma jurídico, ficando apenas a dúvida se sob o ponto de vista operacional será de fácil implementação. Nesse contexto, devemos aguardar o amadurecimento das discussões no Congresso e somente após a aprovação da Lei Complementar e das suas sucessivas regulamentações por parte da Receita Federal e do Comitê Gestor poderemos dar uma resposta definitiva a esse ponto.

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