Tributação mínima de 15%: Lei do Bem, Sudam, ágio e JCP preocupam empresas

Spread the love

Com a MP 1262/2024, benefícios como a Lei do Bem e abatimentos da base de cálculo como os decorrentes de amortização de ágio passaram a preocupar empresas, por terem a capacidade de aproximar as companhias da tributação mínima de 15%.

Ainda, apesar de expressamente citados na medida provisória, Sudam, Sudene e Juros Sobre Capital Próprio (JCP) continuam acendendo a luz amarela, já que dependem de regulamentação futura ou podem ser interpretados por outras jurisdições como instrumentos que, na prática, reduzem a tributação sobre a renda.

Conheça o JOTA PRO Tributos, a plataforma de monitoramento para empresas e escritórios, que traz decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Além desses incentivos, outros benefícios que diminuem a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) são vistos como possivelmente problemáticos no futuro. É o caso, entre outros, do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), do Rota 2030, voltado ao setor automotivo, e do Perse, do setor de eventos. 

Publicada no começo de outubro, a MP 1262 prevê que multinacionais com receita anual superior a € 750 milhões não poderão estar sujeitas a uma tributação sobre a renda inferior a 15%. Caso o patamar não seja atingido, será necessário o pagamento de um adicional de CSLL.

A norma atende ao chamado Pilar 2 do BEPS (Base Erosion Profit Shifting), debatido no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). As regras já são aplicadas por mais de 40 jurisdições ao redor do mundo, incluindo todos os países que compõem a União Europeia.

O desafio do governo, agora, é dialogar com o Congresso para garantir a aprovação de um tema tão complexo. Entre parlamentares já surge a posição de que a MP fere a isonomia, aumenta a já elevada carga tributária brasileira e repele investimentos no país. Para fazer o contraponto às insatisfações, a Fazenda tem apontado que, pelas regras da OCDE, caso o Brasil não recolha o adicional entre o que foi pago de IRPJ e CSLL e os 15%, outra jurisdição poderá cobrar o montante.

Benefícios

A identificação dos benefícios fiscais que reduzem o total a pagar de IRPJ e CSLL no Brasil é a peça chave para compreender quais empresas podem ficar abaixo dos 15% previstos na MP 1262.

Isso porque, apesar de o Brasil possuir uma alíquota de 34% dos tributos para a maioria das empresas do Lucro Real, as regras da OCDE levam em consideração a alíquota efetiva, ou seja, o valor que realmente foi recolhido de tributos. Incentivos concedidos pelo governo e abatimentos realizados pelas companhias da base de cálculo, na prática, reduzem o patamar de 34%.

No Brasil, um dos principais pontos de atenção são os benefícios da Sudam e Sudene, voltados a companhias da Amazônia Legal e do Nordeste. As empresas têm direito a uma redução de 75% do IRPJ, o que, somado a outros abatimentos, pode fazer com que a alíquota efetiva fique abaixo dos 15%.

Já a Lei do Bem (11.196/2005) permite que valores relacionados a investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico sejam abatidos da base de cálculo do IRPJ e CSLL. De acordo com a norma, 60% dos valores com pesquisa podem ser deduzidos da base, percentual que pode chegar a 80% caso haja a contratação de um grande número de funcionários.

Outro redutor que preocupa é o ágio, que corresponde ao sobrepreço pago em fusões ou aquisições. Esse valor “a mais” é pago, por exemplo, quando há a expectativa de rentabilidade futura da operação ou quando a companhia, na prática, vale mais do que o registrado em balanço. O valor pode ser amortizado da base de cálculo do IRPJ e da CSLL ao longo de cinco anos.

Já o Perse, criado na época da pandemia, reduz a zero as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins a companhias do setor de eventos. O programa, entretanto, é visto como menos problemático por ter vigência até 2026 e pelo fato de a MP 1262 abranger apenas grandes empresas multinacionais. Ao contrário dos benefícios listados anteriormente, que geralmente são utilizados por grandes empresas, especialistas apontam que o Perse deve abarcar poucas multinacionais com rendimento tão alto quanto o tratado na MP.

Por fim, há uma série de outros programas que permitem que valores despendidos pelas companhias sejam abatidos da base do IRPJ e CSLL. É o caso, por exemplo, do Programa de Alimentação ao Trabalhador (Lei 6.321/76), da Lei Rouanet (8.313/91) e do Programa Empresa Cidadã (Lei 11.770/08), que permite a extensão da licença maternidade e paternidade.

Pelas regras da OCDE, entretanto, nem todos os benefícios fiscais são considerados como redutores de alíquota. Incentivos que demandam uma efetiva contrapartida do contribuinte são poupados. É nessa categoria que o governo pretende “encaixar” a Sudam e a Sudene.

Para tanto, a MP 1.262 prevê, em seu artigo 36, que a partir de 2026 o Executivo poderá transformar os incentivos em um “crédito financeiro classificável como um Crédito de Tributo Reembolsável Qualificado”, a exemplo do que foi feito com as subvenções de ICMS por meio da Lei 14.789/2023. Neste caso, valores relacionados ao benefício teriam um impacto menos relevante no cálculo do eventual adicional de CSLL a ser pago pelas empresas.

De acordo com uma fonte da Fazenda, a Lei do Bem poderia ser encaixada na mesma categoria. Assim, o incentivo não surtiria grande impacto para o cálculo dos 15%.

A MP e a Instrução Normativa 2.228, que regulamenta a medida, também tentam poupar os Juros Sobre Capital Próprio, ao preverem uma espécie de equiparação do instituto aos dividendos. Isso fará com que o Imposto de Renda Retido na Fonte seja utilizado no cálculo da alíquota efetivamente paga pelas companhias, em uma tentativa de fazer com que o abatimento do JCP da base do IRPJ e CSLL não deixe as empresas tão próximas dos 15%.

Há, entretanto, dúvidas de que os mecanismos surtirão o efeito desejado. No caso da Sudam e Sudene, é necessária uma regulamentação futura. Já para o JCP, pelo fato de o instituto ser muito brasileiro, especialistas alertam para a possibilidade de que, mesmo com a previsão na MP, outros países considerem que a utilização do mecanismo, na prática, faz com que a tributação fique abaixo de 15%.

Críticas

A MP 1262 tem sido alvo de críticas tanto por empresas quanto por parlamentares. No último grupo, a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) tem destacado, entre outros pontos, que a medida penaliza mais as empresas brasileiras que as estrangeiras. Isso porque as companhias nacionais com filiais em outros países teriam que arcar com a pesada carga tributária do Brasil e com o adicional, enquanto as estrangeiras pagariam apenas o eventual adicional para chegar a 15%.

Além disso, causa preocupação o fato de países relevantes, como Estados Unidos e China, não terem aderido às regras. Segundo a FPE, mais de 50% dos investimentos no Brasil vêm de jurisdições que não aderiram ao Pilar 2.

Durante almoço realizado na sede da FPE na última terça-feira (29/10), entretanto, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, tentou contornar as críticas. Ele salientou que a MP alcançará empresas muito grandes, que dificilmente atuam apenas em um ou dois países ao redor do mundo. Assim, não haverá situações em que a companhia, além do Brasil, atue apenas nos Estados Unidos ou na China. O mais provável é que as multinacionais tenham alguma operação na Europa, que aplica o Pilar 2.

Barreirinhas disse que “em relação à redação [da MP 1262], podemos discutir uma coisa ou outra”, mas há pouco espaço para debate. Isso porque, caso a legislação se distancie muito do que é estabelecido pela OCDE, outros países podem não reconhecer o pagamento, e cobrar o adicional nos casos em que considerarem que a tributação foi inferior a 15%.

O secretário também tratou de outro tema que aflige as companhias: a Tributação em Bases Universais (TBU). De acordo com Barreirinhas, o governo irá enviar ao Congresso, até 31 de dezembro deste ano, a prorrogação do instituto e do crédito presumido de IRPJ de 9%. A ideia da Fazenda é manter os termos atuais, sem alterar as regras para adaptá-las ao imposto mínimo global de 15%.

Para Barreirinhas, o modelo de TBU, que permite a consolidação no Brasil dos resultados de controladas e coligadas no exterior, é ruim. Entretanto, a Fazenda não terá tempo de alinhar outro modelo até o final do ano, quando vencem as regras atuais.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *