Eventual vitória de Trump pode chacoalhar cena política brasileira

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Para além do notório impacto econômico e geopolítico, mercados e governos voltam-se para a dimensão dos efeitos colaterais de uma eventual vitória de Donald Trump para políticas domésticas. No Brasil, na Esplanada dos Ministérios — e fora dela — é recorrente a avaliação de que a volta do republicano à Casa Branca poderia chacoalhar a cena política brasileira. Não por acaso, interlocutor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ouvido pelo JOTA admitiu que a eleição nos EUA é mais importante para 2026 que o resultado da eleição municipal do mês passado.

A direita brasileira, em suas alas mais exaltadas, nesse cenário, se sentiria empoderada e pronta para apostar no domínio de suas relações com os EUA, na tentativa de inviabilizar o diálogo de Trump com o governo brasileiro. Apesar de esse grupo não ter tido grandes vitórias no pleito municipal, mostrou que ainda tem muitos votos e pode ganhar terreno se um de seus membros mais expressivos voltar ao poder.

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Isso afeta o apetite de Jair Bolsonaro e seu grupo político, que, mesmo mais fragmentado, mantém forte peso eleitoral e ambições de voltar ao Planalto. O ex-presidente, aliás, em entrevista à revista Veja, declarou sua candidatura para 2026, enquanto cresce no petismo um misto de dúvida e temor sobre as condições físicas e vontade de Lula para encarar a reeleição. Os laços com Trump, construídos desde 2018 e cultivados de forma permanente por Eduardo Bolsonaro, podem ajudar a elevar a força da família.

Com a volta de Trump e um inimigo comum com Elon Musk no Brasil, Alexandre de Moraes, o ex-presidente e sua família podem consolidar a posição de intermediários com a rede global da direita, que inclui Milei e Viktor Orban. Com isso, sua voz pode ser mais ouvida nas articulações internas, e possíveis condenações judiciais podem ser censuradas no exterior com mais ênfase.

Por mais que diferentes integrantes do governo Lula digam estar preparados para lidar com os republicanos, como aconteceu em boa parte dos 200 anos de relação entre os dois países, a preocupação é inegável. O magnata mudou drasticamente a cara do Partido Republicano, que agora é marcado pela imprevisibilidade. Não há mecanismo claro de contenção para eventuais efeitos deletérios.

Embora tenha criticado Trump ao longo dos anos, Lula tem histórico de boas relações com republicanos. Foi pessoalmente mais próximo de George W. Bush, apesar das divergências sobre a Guerra do Iraque, do que de Barack Obama. Isso aconteceu porque, em 2002, quando da vitória de Lula, o PT rapidamente se mobilizou e tratou de construir rede e laços, temendo riscos concretos para a relação. Mandou José Dirceu fazê-lo e deu certo. Agora, o partido ainda não tem interlocução clara com os republicanos de Trump.

A relação bilateral tem dinâmica própria, é verdade. Até aqui, Biden deu pouca importância à América Latina, e Kamala Harris tratou da região mais pelo tema da imigração, vidraça do atual governo e de sua campanha. A despeito de medidas protecionistas americanas com o “Inflation Reduction Act” de Biden, o diálogo é fluido. A falta dele teria efeitos nocivos.

O embate do STF e do governo brasileiro com Elon Musk ficará mais complicado em caso de vitória do republicano. Trump cogita dar ao bilionário papel de coordenador da desregulamentação e modernização do Estado, posição que expandiria a influência de Musk a amplos setores da economia e da sociedade americana.

Nestas eleições, experimentos indicam que o Twitter/X tem privilegiado a distribuição de conteúdo do próprio Musk e de perfis de direita e permitido a circulação livre de desinformação contra Harris. Musk tem se engajado em uma espécie de diplomacia paralela, que mistura seus interesses comerciais com bandeiras políticas.

O fator Trump é problema adicional para a equipe econômica brasileira, que enfrenta um mercado financeiro com extrema má vontade sobre a questão fiscal. Parte da alta recente do dólar ante o real refletiu o risco do chamado “Trump trade”, que é a leitura de uma economia americana mais fechada, mais inflacionária e com menos espaço para queda dos juros.

De qualquer forma, vale dizer, a eleição americana ainda está indefinida. Se os mercados se defendem do risco Trump nos preços de dólar e juros, pesquisas e analistas políticos divergem sobre quem se sagrará vencedor. Harris tem basicamente as mesmas chances de Trump de seguir à Casa Branca.

A média ponderada das últimas 13 pesquisas no Real Clear Politics aponta Trump com 48,4% das intenções de voto, contra 48,1% para Harris. Em 2020, nessa mesma fase, Biden mantinha uma folga de 7,9 pontos sobre Trump. No entanto, com o sistema de colégio eleitoral dos EUA, é a conquista da maioria dos delegados que define o resultado, independentemente do total de votos no país.

A campanha de Trump enfrenta um paradoxo na reta final: embora lidere as pesquisas, sua vitória não está garantida devido à complexa dinâmica do comparecimento às urnas. Sua vantagem se apoia sobretudo em homens com menor nível de escolaridade, os “low information voters”. Harris, por sua vez, lidera entre mulheres e jovens — vantagem importante, já que em alguns desses estados a taxa de abstenção entre homens chega a ser 10% maior do que entre mulheres.

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