Diretrizes para garantir a transição energética na exploração de minerais críticos

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Embora a importância dos minerais críticos tenha crescido, ainda não há um consenso global sobre sua definição. A Agência Internacional de Energia (AIE) é uma das organizações que oferece uma definição amplamente aceita, considerando esses minerais fundamentais para tecnologias de energia limpa e outras inovações modernas. Neste sentido, a extração destes recursos é reconhecida como uma estratégia vital para o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento, transporte e geração de energia de baixo carbono, como turbinas eólicas, células solares e baterias.

Acontece que a mera substituição da matriz energética – de combustíveis fósseis para minerais críticos – não assegura, por si só, a resolução efetiva dos problemas da crise climática e da consolidação de uma transição energética benéfica para humanidade. Isso porque, um sistema energético alimentado por tecnologias de energia limpa difere totalmente de um alimentado por recursos tradicionais de hidrocarbonetos. 

A principal diferença é que a geração de energia limpa demanda muito mais consumo de minerais do que sistemas baseados em combustíveis fósseis. Tanto é assim que um estudo da AIE deixou claro que um esforço concentrado para atingir as metas do Acordo de Paris (estabilização climática em “aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C) significaria uma quadruplicação dos requisitos minerais para tecnologias de energia limpa até 2040. 

Exemplo disso é a quantidade elevada de minerais necessários para a produção de carros elétricos em comparação com aqueles movidos a combustível fóssil:

IEA (2021), Minerais usados ​​em carros elétricos em comparação com carros convencionais, IEA, Paris. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/minerals-used-in-electric-cars-compared-to-conventional-cars, Licença: CC BY 4.0
IEA (2021), Minerais usados ​​em carros elétricos em comparação com carros convencionais, IEA, Paris. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/minerals-used-in-electric-cars-compared-to-conventional-cars, Licença: CC BY 4.0

Diante dessa nova realidade, tem-se a configuração de novos desafios para a atual demanda desses recursos, bem como a intensificação de obstáculos já existentes no contexto da exploração mineral. 

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Novos – e velhos – desafios na exploração de minerais

Toda atividade minerária, independente de seu objetivo ou contexto em que está inserida, esbarra em desafios inerentes da natureza do próprio minério. Neste sentido, no que tange a busca por minerais críticos transição energética, o primeiro entrave relaciona-se com uma característica básica de todo e qualquer mineral: sua esgotabilidade. 

Por se tratar matéria não-renovável, a dependência deste recurso tende a gerar uma insegurança quanto a real capacidade dos minerais em efetivar a transição energética. Neste aspecto, o papel da tecnologia tem sido defendido como crucial. Por meio dela, tem-se apostado não só em uma exploração e reaproveitamento de reservas mais efetiva,  como também busca-se aprimorar o mapeamento das reservas, garantindo a diversificação desses recursos, como já foi apresentado em matéria do JOTA, por Carolina Unzelte, em agosto desse ano. 

O segundo obstáculo está ligado à assimetria, que se refere ao fato de que a distribuição natural dos minerais não respeita fronteiras ou interesses humanos. Assim, a busca por certos recursos pode alterar o equilíbrio global de poder, já que algumas regiões têm abundância de minerais, enquanto outras carecem desses materiais ou não os podem explorar economicamente.

Um exemplo dessa tensão é a crescente disputa entre EUA e China por fornecedores de minerais críticos, evidenciada pelo interesse da BYD, fabricante chinesa de carros elétricos, em adquirir a Sigma, mineradora com as maiores reservas de lítio do Brasil. Esse movimento demonstra que, além da transição para uma nova ordem energética global, estão emergindo transformações significativas na geopolítica mundial.

Até aqui, percebe-se que esses são os dois desafios mais destacados pela mídia e em fóruns internacionais. Nesse contexto, têm-se consolidado investimentos na área de tecnologia e a implementação de políticas relacionadas ao tema, como evidenciado pelo Rastreador de Políticas de Minerais Críticos, organizado pela AIE.

Contudo, além desses desafios, é importante lembrar que o aumento da demanda por esses minerais interage de forma complexa com dinâmicas ambientais, econômicas, sociais e com a governança dos territórios minerados.

O desafio ainda pouco enfrentado

Nesse sentido, o terceiro obstáculo refere-se aos impactos socioambientais, que, atualmente, é o menos estudado em termos de efeitos e soluções. Essa questão decorre da rigidez locacional dos minérios, o que significa que esses recursos estão fixos em determinados locais, exigindo que os exploradores se desloquem até eles.

Como consequência, o aumento da demanda por certos minérios frequentemente compromete os direitos de áreas protegidas, sejam elas biologicamente relevantes, pertencentes a territórios indígenas ou preservadas por lei. Um exemplo disso é um estudo da Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA), intitulado Geopolitics of the Energy Transition: Critical Materials, que revela que 54% dos minerais para transição energética estão localizados em ou próximos a terras de povos indígenas.

Contudo, até o momento, nenhuma decisão política ou institucional adotada ou em discussão em relação aos dois primeiros problemas prioriza essa questão. Essa situação é ainda mais crítica em países historicamente mineradores, que já possuem um histórico de violação de direitos humanos e ambientais relacionados a essa atividade para atender à demanda externa.

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ONU lança diretrizes que trazem visibilidade às questões socioambientais

Nesse contexto, destaca-se o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) que, em 2023, criou o Painel sobre Minerais Críticos e Transição Energética, que tem promovido o diálogo entre governos, organizações internacionais, a indústria e a sociedade civil. O objetivo é desenvolver princípios comuns e voluntários para orientar as práticas das indústrias extrativas no futuro. 

O painel realizou sua primeira reunião presencial nos dias 8 e 9 de julho de 2024, em Copenhague. Fonte: https://www.un.org/en/climatechange/critical-minerals
O painel realizou sua primeira reunião presencial nos dias 8 e 9 de julho de 2024, em Copenhague. Fonte: https://www.un.org/en/climatechange/critical-minerals

A novidade é que, em setembro de 2024, o painel divulgou um documento que apresenta diretrizes e recomendações práticas com o intuito de garantir equidade e justiça na extração de minerais críticos para a transição energética, denominado Resourcing the energy transition: principles to guide critical energy transition minerals towards equity and justice. 

Esses princípios são fundamentados em compromissos internacionais assumidos pelos governos e incluem sugestões para garantir que os benefícios e as oportunidades da energia renovável sejam acessíveis a todos, não apenas a um grupo restrito. A criação deste documento se justifica pela necessidade de um novo modelo de responsabilidade, diante da crescente demanda por minerais essenciais para a transição energética.

Efeitos dessas novidades no Brasil

Este documento pode servir como uma diretriz importante para a formulação de políticas minerais em países do Sul Global, que possuem muitos dos minerais críticos atualmente demandados, como é o caso do Brasil. Nesse contexto, o país tem se esforçado para apresentar seu território como uma vitrine de diversificação de minerais críticos, conforme indicado em um documento divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil em 2024.

Enquanto o Brasil busca atrair investidores estrangeiros, é importante ressaltar que, apesar de escassos, estudos recentes destacam os impactos da mineração crítica no país. A possibilidade de que essa demanda ocorra de forma desarticulada em relação às garantias socioambientais é real e já vem sendo constatada.

Um dos principais estudos está destacado no relatório apresentado pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em junho de 2024. O documento indica que, entre 2020 e 2023, aproximadamente 101 mil pessoas em 15 estados foram impactadas pela extração de minerais para a transição energética. 

Nuvem de poeira decorrente da exploração de minério de lítio no Vale do Jequitinhonha. Crédito: Nicolly Carollayne Mendes do Movimento dos Atingidos por Barragens. Fonte: https://mab.org.br/2024/07/04/povos-tradicionais-vao-a-almg-denunciar-violacoes-sofridas-com-exploracao-do-litio/
Nuvem de poeira decorrente da exploração de minério de lítio no Vale do Jequitinhonha. Crédito: Nicolly Carollayne Mendes do Movimento dos Atingidos por Barragens. Fonte: https://mab.org.br/2024/07/04/povos-tradicionais-vao-a-almg-denunciar-violacoes-sofridas-com-exploracao-do-litio/

Apesar de dados como esses, a crescente demanda por minerais críticos e o avanço nas soluções para os desafios geopolíticos e de esgotamento não têm sido acompanhados por um conhecimento aprofundado sobre os impactos ambientais da mineração e sua relação com a transição energética. A urgência, portanto, é evidente: enquanto os projetos avançam sem a regulamentação necessária, os impactos socioambientais se intensificam, ficando vulneráveis a práticas assistencialistas das empresas mineradoras, que não substituem ações institucionais eficazes.

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