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Nos termos de sua Lei Orgânica, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) é competente para julgar “convênios, aplicação de auxílios, subvenções ou contribuições concedidas pelo Estado e pelos Municípios a entidades particulares de caráter assistencial ou que exerçam atividades de relevante interesse público” (art. 2º, XVII). Se não comprovarem a regularidade da aplicação desses recursos, tais entidades ficam sujeitas “às penas de devolução da importância objeto da glosa e suspensão de novos recebimentos, sem prejuízo das sanções legais cabíveis” (art. 103).
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O primeiro aspecto a ser debatido em torno desta competência envolve os instrumentos sujeitos ao poder sancionatório do TCE-SP. Considerando os parâmetros estritos da Lei, seriam quatro: convênios, auxílios, subvenções e contribuições. Mas a Corte de Contas, corretamente, interpreta a norma de modo ampliativo. São consideradas sujeitas à sanção as entidades que celebram também contratos de gestão, termos de parceria, de colaboração e de fomento. A favor da interpretação ampliativa é possível argumentar que a denominação convênio não corresponde apenas a uma modalidade específica, mas a um gênero contratual. Esta foi a posição do Supremo Tribunal Federal ao interpretar o contrato de gestão como “hipótese de convênio” (ADI 1.923/DF). Além disso, é nítida a intenção legal de proteger os recursos transferidos às entidades que compõem o chamado terceiro setor. Apesar das singularidades de cada instrumento, todos representam formas de “repasses públicos ao terceiro setor”, conforme expressão também utilizada pelo TCE-SP em suas normas internas.
O segundo aspecto relevante — e mais controverso — sobre a competência sancionatória do TCE-SP envolve os efeitos da pena que suspende o recebimento de novos repasses pela entidade infratora. Até recentemente, a Corte parecia restringir essa sanção às relações da organização com a esfera governamental do ente público do qual se originou o recurso. Adotava-se, por analogia, o parâmetro do impedimento de licitar e contratar, cujos efeitos ficam restritos à esfera de governo do órgão sancionador (Lei 14.133/21, art. 156, III, § 4º). O Conselheiro Dimas Ramalho, no entanto, afirma que o entendimento restritivo foi superado. Segundo ele, a entidade apenada poderá, agora, ficar impedida de receber recursos de quaisquer dos entes públicos sujeitos ao controle do TCE-SP e não apenas na esfera daquele em que ocorreu a irregularidade — admitindo modulações, conforme particularidades de cada caso. O posicionamento foi expresso em um artigo veiculado pelo JOTA.
Ramalho foi designado relator para o acórdão de um processo em que se travou discussão sobre o alcance da sanção de suspensão de repasses[1]. O caso envolve a celebração de contrato de gestão entre a Prefeitura Municipal de Santos e uma organização social de saúde (OSS) que já figurava na lista de entidades sancionadas do TCE-SP por irregularidades de instrumentos firmados com outros municípios. A Corte julgou o contrato irregular e confirmou, em grau recursal, por maioria, a posição de que a sanção se estende a todos os entes públicos sujeitos à fiscalização do TCE-SP. Assim, considerou que a entidade estava impedida, na época, de celebrar um novo contrato de gestão, pois cumpria a pena de suspensão de recebimento de recursos.
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Ao defender a interpretação ampliativa do alcance da sanção, no seu artigo, o Conselheiro argumentou que os contratos de gestão “possuem regime jurídico específico, afastando assim a possibilidade de analogia com preceitos do diploma geral de contratações públicas (…)”. Não detalha o fundamento de sua posição, mas ao se apegar ao que denomina “singularidades” dos contratos de gestão com OSS, percorre um caminho arriscado. É que uma analogia que considere a legislação de organizações sociais como parâmetro, conduziria, possivelmente, à mesma interpretação restritiva anterior. Afinal, a sanção administrativa de desqualificação — em geral, a única prevista nas leis de organizações sociais —, fica restrita à esfera do ente público sancionador (e qualificador). Além disso, a posição do Plenário, com quatro votos a favor da ampliação dos efeitos e três contrários, reflete bastante incerteza quanto ao entendimento do Conselheiro Dimas. Um dos aspectos sensíveis ponderados pelo Conselheiro Sidnei Beraldo, em voto vencido, envolvia a suspensão repentina de repasses que possa prejudicar o funcionamento de serviços gerenciados por OSS, com consequências gravosas para a população atendida.
Mas há ainda outra perspectiva para o tema, aparentemente não explorada pelo TCE-SP. É que o art. 39, VI, da Lei 13.019/14, uma norma nacional de contratação, impede a celebração das parcerias previstas na mesma lei com organizações que tenham “contas julgadas irregulares ou rejeitadas por Tribunal ou Conselho de Contas de qualquer esfera da Federação, em decisão irrecorrível, nos últimos 8 (oito) anos”. Esta regra tem sido interpretada e aplicada de forma ampliativa por diversos entes públicos que celebram, por exemplo, contratos de gestão com organizações sociais, que são regidos por outras leis[2]. O que se entende é que uma reprovação de contas deve impedir a celebração de qualquer modalidade contratual e não apenas das formas previstas na Lei 13.019/14 (termos de colaboração e de fomento). Trata-se, enfim, de tutelar o sistema de repasses públicos ao terceiro setor, independentemente da forma contratual, já que a reprovação de contas, por decisão irrecorrível, é evidência de má gestão e prejuízos ao erário.
No caso das OSS, essa perspectiva pode ser pertinente por não colocar em risco a continuidade de serviços que estejam sendo administrados mediante contratos de gestão e, ao mesmo tempo, estabelecer impedimento futuro de alcance nacional, garantindo proteção mais ampla ao erário público — e não apenas junto aos entes fiscalizados pelo TCE-SP.
[1] TC-018907.989.23-0
[2] Exemplos: Decreto federal 9.190/17 (art. 9º, IV); Lei Estadual 21.740/22, do Estado de Goiás (Art. 17, III); Decreto Estadual 21/2019 (Art. 18, III)