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Há muitos desafios no ambiente regulatório brasileiro. Um deles parece ser o costume de se atribuir às agências reguladoras todo e qualquer resultado negativo observado nos mercados regulados. A lógica é simplista: se a qualidade do serviço parece insatisfatória (pouca ênfase é dada às métricas de qualidade estabelecidas pelo regulador) e o serviço é regulado por uma agência reguladora (ignorando-se por completo os diversos outros atores e reguladores que influenciam tanto as decisões da agência como sua implementação e resultados), logo, a agência reguladora é integralmente culpada e o modelo de agência reguladora precisa ser revisitado, ou mesmo eliminado por completo.
Recentemente, devido ao apagão elétrico na cidade de São Paulo, que decerto se constituiu em um episódio custoso e árduo à população, presenciamos novamente essa lógica em operação: críticas relacionadas ao desalinhamento de interesses entre agência reguladora e governo, seguidas de ameaças de intervenção na Aneel, a agência reguladora de energia elétrica.
Mesmo em meados de 2024, quase 30 anos desde a criação da Aneel, o zeitgeist político institucional brasileiro preserva seu desconforto com a autonomia das agências reguladoras. No lugar de investigar o problema e suas causas, apontam-se culpados. Além de ser mais prático, a solução de enfraquecer a governança das agências pode trazer benefícios políticos de curto prazo.
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Essa solução, no entanto, representa um grande retrocesso institucional, com impactos negativos diversos para a economia e para a respectiva agenda de reformas estruturais. Basta notar que, neste início de mês, o dólar atingiu seu maior nível em quase quatro anos e meio. Novamente, nos encontramos em momento de crise de confiança que ameaça o novo arcabouço fiscal e a agenda positiva de reformas estruturais.
O atual ruído em torno do desenho institucional das agências reguladoras não é um evento isolado, como poderia parecer num primeiro momento. Como exemplos recentes podemos citar o Projeto de Lei Complementar 19/23, que revogava a autonomia do Banco Central, a Emenda Parlamentar 54/23 que previa criação de “conselhos normativos” ligados a ministérios para transferir-lhes a função de regulação das agências, e as recentes iniciativas de apresentação de uma PEC das Agências e/ou alteração na Lei Geral das Agências.
Sobre o tema, como apontado por Patrícia Sampaio, não só “está se tornando praxe a propositura de decretos legislativos (PDL) na Câmara dos Deputados visando sustar atos das agências reguladoras em temas tarifários”, como os atos da Aneel tem ganhado atenção especial. Segundo a professora, foram ao menos 20 PDLs propondo sustações de atos da Aneel envolvendo tarifas em 2022.
Nosso objetivo neste artigo é relembrar que as melhores práticas internacionais e evidências não mudaram, e seguem sugerindo o fortalecimento da governança dos reguladores como a melhor opção para aumentar os investimentos, o acesso aos e a qualidade dos serviços públicos e, com isso, o desenvolvimento do país.
Evidências internacionais e o cenário brasileiro
Começamos lembrando que, há cerca de 5 anos, foi publicada a Lei Geral das Agências, que trouxe diversos aperfeiçoamentos em direção à uma maior segurança jurídica, transparência e governança dessas instituições. O novo marco atualizou e padronizou regras de gestão, organização, processo decisório, controle social e legitimação via consultas públicas e análises de impactos regulatórios, por exemplo.
A lei ratificou sua natureza especial, caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos. A evolução do desenho institucional das agências caminha em direção a melhores práticas internacionais e é relevante para todos: sociedade, agentes públicos e investidores privados, tendo sido justamente a ideia norteadora dos laureados com o Prêmio Nobel de economia deste ano.
O fortalecimento institucional traz diversas externalidades positivas à economia como um todo. Uma análise rápida na relação entre indicadores de qualidade regulatória e renda per capita ilustra o ponto.
Países com boas instituições e melhores práticas regulatórias – como aqueles do quadrante direito da Figura 1 – também possuem maior renda per capita. Já países no quadrante inferior de qualidade regulatória, como o Brasil, possuem piores níveis de renda per capita. Uma mudança para o quadrante positivo requer tempo, maturidade e, principalmente, constância regulatória. Reformas estruturais e desenvolvimento institucional, incluindo o fortalecimento das próprias agências reguladoras, não são tarefas imediatas.
Mudanças frequentes nas regras do jogo não são bem vidas e introduzem ruídos negativos em todos os agentes, uma vez que são investimentos com perfil de longo prazo. Uma das razões para a criação e delegação de poder para agências independentes é justamente diminuir incertezas e assegurar ao investidor privado que os compromissos que estão sendo firmados no presente não serão revisitados de forma oportunista no futuro.
Como atestam dados recentes do FMI e da OCDE, há inúmeras evidências da importância da boa regulação e governança para uma agenda de desenvolvimento, o que inclui o fortalecimento das agências reguladoras. O relatório anual do FMI para a economia brasileira, Brazil: 2024 Article IV Consultation, publicado recentemente, faz menção à qualidade regulatória e governança, que desempenharam papel significativo e relevante na atração de investimento externo (IED) para os emergentes, incluindo o Brasil, sendo, atualmente, seu principal determinante, com potencial de crescimento incremental de 0,6% do PIB ao ano.
Ressaltamos que o Brasil teve melhora relevante nos indicadores institucionais de Regulação de Mercado de Produtos (PMR), elaborados pela OCDE e ilustrados na Figura 2 abaixo[1]. As diversas boas práticas regulatórias instituídas no arcabouço brasileiro entre os anos de 2019-2022[2] contribuíram, em grande medida, para as melhorias observadas.
Nossa recomendação é priorizar melhorias estruturais e técnicas, como preconizado no relatório da OCDE, Being an Independent Regulator (2016), que descreve o regulador como “árbitro” do mercado, equilibrando os desejos e necessidades de diferentes atores. Isso implica em comportamento e ações objetivas, imparciais e consistentes, sem conflito de interesse, preconceito ou influência indevida – em outras palavras, independente.
Nesse sentido, a Aneel recentemente iniciou a Consulta Pública 27/2024 para obter subsídios para o aprimoramento do contrato de concessão de distribuição de energia elétrica com vistas à prorrogação das concessões.
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A nota técnica que acompanha a consulta versa sobre questões de perdas não técnicas (pobreza energética), investimentos nas redes de distribuição, incluindo questões de resiliência da infraestrutura em face de eventos climáticos adversos, reconhecimento dos investimentos necessários à modernização das redes (incluindo abertura total do mercado) e possibilidade de remuneração entre o ciclo de revisões tarifárias e toda a questão de regulação por incentivos que acompanha o tema. São 113 páginas de aperfeiçoamentos regulatórios estruturais e questões de suma importância para destravar a agenda positiva e necessária de investimentos no setor.
A ANTT, de forma similar, aprimorou seus contratos de concessão para melhorar a alocação da matriz de risco dos projetos rodoviários na Audiência Pública 013/2022, com mecanismos de compartilhamento de riscos diversos e contratos de incentivos. Estruturas de compartilhamento de risco de tráfego (bandas de demanda) com o poder concedente, bem como de riscos geológicos e ambientais decorrentes de chuvas, deslizamentos, traçados de obras e outros foram endereçados com sucesso, culminando, enfim, na licitação da BR 381-MG (rodovia da morte) após anos de tentativas, custos e leilões vazios. Um grande aprimoramento, com possibilidade de menores tarifas de pedágio e maior gama de novos investidores como fundos de investimentos e private equity.
Para além dos avanços produzidos por cada agência, destacamos a recente reformulação do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação, o PRO-REG, e a publicação da Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória. O PRO-REG, com acertada formação colegiada e interministerial, possui como um de seus objetivos promover o fortalecimento da autonomia, transparência e eficiência das agências reguladoras.
A Estratégia Regula Melhor, documento que estabelece uma política voltada à melhoria regulatória com metas claras e mecanismos de coordenação definidos, segue as melhores práticas internacionais e tem grande potencial em avançar a qualidade regulatória do país. É nesse caminho que devemos seguir.
[1] O indicador PMR compila diversas camadas de indicadores de forma a identificar e consolidar as melhores práticas regulatórias internacionais em relação à promoção da concorrência e eliminação de barreiras à entrada.
[2] Alguns exemplos são: agenda regulatória, consulta e audiência pública, análise de impacto regulatório (AIR), revisão e consolidação periódica do estoque regulatório, avaliação de resultado regulatório, classificação de risco das atividades econômicas com simplificação de procedimentos para as atividades de riscos baixo e moderado, a autorização de uso de normas e boas práticas internacionais quando as brasileiras estiverem desatualizadas, e a publicação das taxas e preços públicos relacionados ao exercício da regulação.